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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 21
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DENISE DUARTE
entrevista
Cunha de
Leiradella |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Página Principal |
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Índice de Autores |
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SÍTIOS ALIADOS |
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TriploII - Blog do TriploV |
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Agulha Hispânica |
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O Bule |
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Jornal de Poesia |
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Domador de Sonhos |
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O Contrário do Tempo |
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1. Os termos
“modernidade tardia” e
“pós-modernidade”, assumidos por alguns estudiosos,
dão conta de definir nosso tempo? O que é pós-modernidade para você? |
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Antes
de continuar
o interrogatório que, parece, vai passar muito para além dum 25º grau de pau-de-arara
e assemelhadices, deixe-me confessar-lhe que
nunca li o Zulute Xisman, a Clhoé
Peringea, o Placy Videon, e muito menos o Anthony Giddens e o Perry Anderson. Gosto dos Perrys, isso
gosto. Mas
naquela altura
eu
andava era
com
o Perry Mason a deslindar O
Caso do Elefante
Sem Tromba,
a Della Street estava naqueles dias
e já viu, né? Só não assisti ao julgamento porque, na hora,
peguei uma bruta duma
infecção
pilonidal e só
tinha
era vontade
de chutar todos
os baldes do
mundo.
Mas digo-lhe,
além
de confiar
plenamente
na transcrição
estenográfica
da Della e no testemunho do
Platão, estou plenamente de
acordo
com a sentença.
Então admite-se
que
na frente de
tantos
mestres, tantos
sábios e tantos
luminares
doutorados, chegue um
mequetrefe
qualquer e diga
porque não
sei, não acredito
saber? Não tem que ver. O tal do Sócrates
era um
subversivo, um
declarado inimigo da luminança sapiente e tinha
mesmo que
tomar aquele
chá de cicuta.
Pena que
o xerife do condado
não o tivesse
mandado
autopsiar, senão
o mundo
inteiro
saberia que no
cérebro
daquele enxerido
não
existia nem
sequer
um nanomicrograma de células cinzentas à la Hercule Poirot.
Mas
se não
teve autópsia,
pelo
menos teve
entropia. E, valha a verdade,
tudo
vale a pena
se a gente
acorda
vivo, seja antigo
ou moderno.
O que me
preocupa, mesmo
que
a condição sine qua non de
estarmos na pós-modernidade seja a de sermos pós-modernos, é o
pó. Se esse troço
mandou
ver com olhos de após a queda do muro de
Berlim, o que virá
depois
se a muralha da China também cair? Já viu o tamanhão dos pós-pós-pós? Será poeira demais para um deserto tão pequeno que nem a migalhice da nossa
cuca. Se bem que já não sendo preciso
inovar nem ser original para ser pós-moderno, ainda resta a esperança de podermos continuar
sendo o que somos. O que já não é pouco. Se
tudo que
criamos vira
mercadoria, havendo compradores, que poderá fazer São Pedro senão
abrir as portas
do céu e
receber
de braços
abertos
todos estes
pecadoprodutores?
O
resto,
minha cara, é
tudo faz-de-conta.
Com hífen,
pra ficar mais empedernido
e volumar o
oco
da tão apregoada
crise
de representação
que, dizem os entendidos
em
estudos abntenicamente perfeitos e enxundiosíssimos em
notas de pé
de página, assusta a
arte
e o ser existencial da comunicabilidade
pós-modernista. Daí, a criação do tudo vale, da tal da entropia,
e vamonessa. Se tudo é válido, para quê queimar a mufa
tentando
encontrar padrões
lógicorrealistas de representar a
realidade?
Real, basta
ser o criador.
O resto, é
cada
um por
si e Deus
por ninguém.
E, se pensarmos bem,
nada
mais certo.
Afinal, se todos
nascemos livres e
iguais
em dignidade
e em
direitos,
para quê a gente se preocupar se tem mais tortos que direitos
neste mundão
que
nem Deus
foi capaz de
normatizar?
Gilles Lipovetsky, aquele que
começou pós-moderno com A
Era
do Vazio,
em
1983, e virou a mesa com Os Tempos Hipermodernos, em
2004, declarou, em
junho
de 2011 à revista Os
Meus Livros:
A pós-modernidade não
existe e nem
nunca
existiu. Apenas houve uma primeira modernidade, que
nasceu no século XVIII, e agora vivemos numa segunda
modernidade, a que chamo
hipermodernidade. Os dois
outros
conceitos, a cultura-mundo e o Ocidente mundializado são,
sobretudo, uma reflexão
a partir da
globalização
e a mundialização que é uma figura do hipermodernismo. E
agora?
O
que
é pós-modernidade para
mim?
Como sempre
muito bem
disse o meu
compadre
Zé das Couves,
eu preciso
é trocar o meu
carro, porque
o meu
compadre
Quim dos Nabos
já
trocou o dele, e eu
não
posso ficar atrás.
Por isso,
eu estou e não
abro é com o
Charles
Olson, aquele dos
versos
projetivos: o que
não muda
é a vontade de
mudar. E estamos conversados. Getúlio Vargas vestia-se
para
lá de mal
a pior, de
acordo
com os padrões
da moda da época,
o que muito
incomodava D. Alzira, a filha
preferida.
Até que
um dia,
ela entra no
gabinete
do pai, agitadíssima, com uma revista
na mão, e mandou
ver:
Papai! Papai!
A moda, finalmente,
te pegou! Por
isso eu
rezo é para a muralha
da China não
cair,
senão quem
aguentará tantos pós-pós-pós?
Mas
antes
que caia a
muralha
da China, gostaria de lhe
perguntar: se na entropia
da pós-modernidade tudo vale, se todos os discursos
e assemelhadices são válidos, por quê que se eu quiser escrever um ensaio acadêmico sobre
o que estamos falando aqui, eu tenho que seguir rigidez cadavérica
das normas abntênicas, senão não serei
publicado? Não é
um
contra-senso? Mas,
e disso os entendidos também falam, valha a verdade
a maior
parte
das vezes
sem
nada entenderem, se
tudo
vale, se a entropia
é um fato,
por quê
que o contra-senso
não pode também
ser um fato e ter a sua própria validade confirmada em
grandiosíssimos calhamaços que dão diplomas
e honrarias a
quem
os escreve e indigestão
ou
um sono
profundo a quem
os tenta ler? |
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2.
Para o sociólogo Zygmunt Bauman vivemos
hoje em uma sociedade líquida, um mundo que “jamais se imobiliza nem
conserva sua
forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo está sempre
em mudança
[...]”. Como você entende as colocações gerais
de Bauman acerca do
mundo
líquido moderno?
E como situar
a problemática existencial humana nesse contexto? |
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O Mr.
Zygmunt Bauman, aquele de O mal-estar da pós-modernidade,
que
eu vi faz anos
na vitrine da Jorge Zahar,
mas
não comprei
porque
mal-estar por
mal-estar chegava o
meu,
isto apesar
do vendedor
me
ter jurado
e trejurado que o
tinha
lido e muito
tinha
aprendido sobre a
generalização
universalizante do medo e das
perdas
advindas da substituição da ordem estabelecida pela
busca frenética
da liberdade?
Me
arrependo até
hoje
de não ter
comprado o calhamaço, mas estava muito
para além da minha capacidade
entender que
existisse um
vendedor
capaz de ler
os livros
que
vendia. Por
outro
lado, acho que
fiz bem. Se
arrependimento
matasse, metade da
humanidade
estava morta e a
outra
metade já
há muito estaria fazendo tijolo no forno
dos cemitérios.
Sobre
a sociedade
líquida, deixe que
lhe diga duas
coisas. A primeira,
que
é óbvia, e a
segunda
que é idem.
Primeira, se a
água
cobre 71,01% da
superfície
da Terra e os oceanos
contêm 97,2% da água do planeta, e se um
recém nascido é constituído por mais de 70% de água
e um
adulto
por cerca
de 60%, como
não
poderíamos deixar de viver
numa sociedade líquida? Segunda, se a revista
La Repubblica delle Donne, dirigida especialmente ao público
feminino e com
edições em
Bari, Bologna, Firenze, Genova, Milano, Napoli, Palermo, Parma, Roma e
Torino, pagou ao Mr. Zigmunt para
escrever
cartas às Sophias Lorens da vida, seria ele
muito bobo
se não o fizesse.
Além
dos euros
que
recebia por
cada
carta, imagine
quantos
números de
telefones
não lhe
foram enviados,
secretamente, é claro,
pelas leitoras mais ávidas de liquidificação?
Quanto
às colocações
sobre as
constantes
mudanças, mesmo
sem
considerar a influência
das fases da
lua
sobre a agitação
das ondas
marinhas, estou completamente
de acordo. Aliás, não sou só eu. Muito antes do Mr. Zigmunt mandar
ver na delle Donne, já
nos
bondes do Rio
de Janeiro,
idos
de 1950, se dizia, e com inteira propriedade:
tudo neste
mundo
é passageiro,
menos
condutor e motorneiro.
Vivemos hoje sufocados por informações
de todos os
tamanhos
e feitios.
Televisão,
rádio, jornais,
internet, iPodes, iTunes, twitteres,
facebooks, blackberry
bolds, outdoors, alentadíssimas
dissertações
acadêmicas sobre
teses,
antíteses e antiantíteses, mexericos das comadres,
segredos
inconfessáveis, o escambau. Como
conseguir
respirar e sobreviver, então, no meio
desta selva, tentando microscopar a nossa própria identidade? Só
conseguindo separar o
que
é importante (pouquíssimo
de muito pouco), ou tentando boiar nesse mar sargaceiro, o que
é, praticamente, impossível, dado que os triângulos das Bermudas
estão aí, ao
dobrar
de cada
esquina. Resumindo: ou
nos
unimos e baixamos o pau na marmelada, o que
é utopia, pois
aquela do povo unido jamais será vencido foi a maior
balela da
paróquia,
ou partimos para
o individualismo do
manda
quem pode, obedece
quem
tem juízo, e
nos
estrepamos sem
apelo
nem agravo.
Os únicos
individualistas
que conheço, e se dão
bem,
são os banqueiros
que botam o dinheiro
deles em
offshores e ganham
mais e mais dinheiro com o dinheiro dos outros.
Como
situar
a problemática existencial humana nesse contexto?
Olhe, se o contexto é
líquido,
só de barco ou de submarino.
Mas barcos
são barcos
e afundam, e os submarinos idem. O barco Titanic e o submarino K-141 Kursk, considerados inafundáveis não afundaram? Se houvesse uma
resposta, tenho certeza
já
algum Mr. Zigmunt pitonísico a teria
alardeado urbi et orbi. Mas eu vou lhe dar a minha. Faço que
nem o meu
compadre Zé
das Couves:
cultivo
a minha
horta
e deixo zoar o trovão.
Porque, quando
escutar a barulheira,
sei que os
raios
já caíram. E escutar
barulho, até
nos shows
dos Rolling Stones se escuta. Na prática, minha cara, a teoria é outra, sem citações de mestrança e notas
de pé de
página. |
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3.
Em seu artigo Encontro de Paralelas,
a seu ver apenas um nome refletiu a bom
termo sobre
a questão ontológica
da verdade: Sócrates,
que
foi condenado à morte
por
afirmar “porque
não sei, não
acredito saber”. Em que medida essa incerteza,
dado que você diz, referindo-se aos seres
humanos “vós
fingis que optais
só
para que os outros pensem que
vós ainda
podeis optar e vos
invejem”, impacta o conhecimento
do homem
sobre
si mesmo?
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A
questão
é delicada.
Muito
delicada. Homero,
apesar
de tudo
que
se tem escrito
sobre
a autoria da sua
obra
e duvidado até da
sua
existência, era
cego, Jorge Luis Borges escreveu vários livros depois de cego
e o visconde de Castilho, Antônio
Feliciano, também
cego, traduziu parte
do Dom
Quixote. Joaquin Rodrigo, outro cego, nunca viu Aranjuez e compôs uma das obras imortais
da música espanhola: o
Concerto de Aranjuez. Donde se pode
concluir que aquele a
seu
ver, que você colocou na sua pergunta estaria certíssimo,
independentemente
de eu ver ou não, não fosse o apenas que você também botou a seguir: a
seu
ver apenas…
Eu
citei Sócrates como poderia ter citado Protágoras, Melissos de Samos ou a D. Mariquinhas Farinheira,
avó do meu
compadre
Zé das Couves.
E citei por uma
razão
simples. Para
dizer o que
pensavam nenhum deles necessitou escrever alentados ensaios, correta
e abntenicamente formatados, e enxundiosísmamente
abastados
(eu ia dizer
abestados) de notas de pé de página.
Bastou uma simples
frase. Protágoras apenas
disse que o homem é a medida
de todas as coisas, das coisas que são enquanto são, das coisas
que não
são enquanto
não são,
Melissos de Samos disse idem que o que tem um princípio, ou um fim, não pode ser, nem eterno, nem infinito,
e a D. Marinhas disse ibidem vai-te mundo, cada vez a pior.
E finis. Claro
que
podem ser contestados
tanto
abntênica quanto academicamente. Afinal, não
escreveram alentados ensaios para alindar alentadas prateleiras
de alentadíssimas bibliotecas,
públicas ou não, mas (quase) sempre utilizadas para jiboiar um bom almoço ou jantar,
ler
jornais ou
gibis, ou
mandar e-mails
top secret.
Eles
apenas disseram a
sua
verdade. E em
meia dúzia
de palavras.
Minha
cara, valha a minha
verdade, gostei do seu
impacta. Adoro verbos.
E conjugado
na 3ª pessoa do presente indicativo, ainda
mais. E se forem
verbos
transitivos
diretos,
então, lambo os
beiços
como se os tivesse lambuzado de mel puro de abelhas geresianas. É que
eles andam sempre
acompanhados de um
objeto
direto, e o que
você lhe deu por companheiro,
o conhecimento
do homem
sobre
si mesmo,
é ducaraças. Só
que,
nenhum verbo,
por mais
transitivo direto
que seja impacta
o conhecimento de
ninguém
sobre si
mesmo. Impacta,
sim, mostrar
o que se
quer
que os outros
vejam. Agora,
conhecer
o que se
passa
na própria
cuca,
aí a porca
já torce o rabo
de tal
maneira
que nem
um esticador
hidráulico o consegue
endireitar.
O
conhece-te a ti mesmo, que a pitonisa
Femonoe mandou pitonizar nos pórticos do Oráculo de
Delfos e que,
atenção!, dizem os não
doutorados,
muito tempo
depois oraculizou Sócrates o homem mais sábio da Grécia, não
tem nada de
incerteza. O problema
não
está na incerteza, está no espelho. Cada vez mais cada um gosta não só de se ver lindão-zão-zão
no espelho,
mas
também que
essa lindeza seja a
imagem, e muito
bem
maquiada, que os
outros
possam ver. Ver e, acima de tudo, acreditar. E faz tudo
por isso.
Finge, mente,
paga
até assessores
de imagem, o escambau. Porque se ele apenas visse no espelho
o que
realmente
é, tadinho do espelho, seria partido em mil pedaços. O que cada um é, não é. Se
fosse, os analistas e os autores de livros
de auto-ajuda morriam de fome. Ou você pensa que se paga uma grana preta para
deitar
num sofá e se vendem zilhões de exemplares
de auto-ajuda para
quê
e por quê?
Para quê, é fácil. É para o analista e o autor
ganharem dinheiro a
rodos. E por
quê
também é idem.
É para os analisados e os
compradores
fazerem de conta que
também se podem
mostrar
diferentes do que
são. In
mente e in corde.
Quando
eu
escrevi vós fingis
que
optais só para
que os outros
pensem que
vós
ainda podeis optar
e vos invejem,
não
estava falando dos outros. Falava
de todos. Inclusive de mim.
Embora
não
pareça, todos
nós
somos iguais.
Todos
mentimos, todos fingimos. Porque se tivesse rosa
que sempre
cheirasse e esterqueira que nunca
deixasse de feder,
também
os verdadólogos venderiam felicidade que nem as farmácias vendem Prozac. Com
ou sem
receita médica.
Conhecer-se implica saber. E
ninguém quer
saber quem e o
que é. E muito
menos aprofundar
o que
ainda
pode vir a ser se escavar no lodo que tem lá bem no fundo do seu poço interior. Se todo
mundo dissesse a
verdade
do que
pensa,
não sobrava
ninguém
para contar a história da mortandade.
Por isso,
todos mentimos e fingimos que somos vítimas
sufocadas pela
hecatombe
de informações
que
nos vem da
televisão, da rádio,
dos jornais, da
internet, iPodes, iTunes, twitteres, facebooks, blackberry
bolds, outdoors, alentadíssimas
dissertações
acadêmicas sobre
teses,
antíteses e antiantíteses, mexericos das comadres,
segredos
inconfessáveis, o escambau, mas
ninguém
quer abrir mão delas. Você jogaria no lixo o seu
blackberry
bold e a
sua
ligação à
internet?
Não? Então
o seu
impacta,
apesar de
transitivo
direto não
leva a
conhecimento
nenhum sobre
nada do que
somos. Quando
muito, usamos a desculpa
de sermos obrigados a ser o que somos por culpa dos outros.
A culpa é
sempre
dos outros.
Nós, coitadinhos, sempre
somos vítimas. Vemos televisão,
escutamos rádio, lemos jornais, usamos e abusamos da
internet, dos iPodes, dos iTunes, dos twitteres, dos
facebooks e dos blackberry
bolds, que nem o use e
abuse do Mate
Leão, batemos até
os carros
só para tentar ler a
propaganda
dos outdoors, dizemos que lemos, e não
lemos, as alentadíssimas dissertações
acadêmicas sobre
teses,
antíteses e antiantíteses, metemos o bedelho nos mexericos das comadres,
escutamos e bichanamos segredos inconfessáveis, e, vítimas
dessa saraivada de info e contra-informações,
gritamos
contra o abuso
dos meios de
comunicação
que não
nos deixam sossegar.
Razão e mais
do que
razão
tinha Terêncio,
aquele
africano romanizado, que muito antes de Cristo
afirmou: Homo sum, humani nihil a me alienum puto, sou humano
e nada do
que
é humano
me
espanta, frase
que muita
gente boa traduz
em
bom ipanemês: não
tenho puto e quero que os outros se danem. |
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4.
Ainda sobre a questão da verdade buscada e defendida por
muitos cientistas
e acadêmicos,
em
sua obra
O pós-moderno, Jean-François Lyotard reflete
sobre o impacto
das mudanças tecnológicas e informacionais de
nosso
tempo justamente
sobre a ciência
e a universidade. O
autor
parte do pressuposto de que "o saber muda de estatuto
ao mesmo
tempo
que as sociedades
entram na idade
dita
pós-industrial e as culturas na idade dita
pós-moderna”.
Na pós-modernidade as verdades
absolutas tendem a se tornar
mais
relativas? |
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O
mesmo
poderia ter
dito o Doutor
Pangloss, mestre de
Cândido, o otimista de
François Marie Arouet, vulgo Voltaire, afinal
os personagens
nunca
morrem, após o terremoto
da Revolução Francesa que varreu o Ancien Régime e virou de
pernas para o ar o
bastilhanismo político e social dos francius e abriu as
portas à idade
contemporânea,
que
o Monsieur de La Palice, se não
tivesse morrido na batalha de Pavia, em 1525,
também poderia
ter chamado de idade
pós-absoluta. Ou Gangantua, pai do Pantagruel,o rei
dos dipsodos de Alcofrybas Nasier, vulgo
François Rabelais, que, na sua Abadia de
Theleme, onde
apenas
existia a regra faix çe que tu veux,
faz o que
tu
queres, também
poderia ter
chamado a idade
moderna
de idade pós-constantina, que pintou no pedaço com a tomada de
Constantinopla pelos turcos em 1453. Aliás,
aqui para nós que ninguém nos
ouve, não
lhe
parece que a
regra
gargantuana do faz o que tu queres não inventou primeiro a tal da entropia,
a criação do
tudo
vale, ex-libris do pós-modernismo, entropicado
pelo seu citado Jean-François Lyotard e
pelo
não idem
Jean Baudrillard?
Antoine Laurent Lavoisier, que nunca
chegou a ser advogado
nem filósofo, e
com
apenas três
balanças matou a
pau
o cabo de
guerra
entre a química
e a alquimia, e foi guilhotinado em 1794 por recusar a entrada do
Jean-Paul Marat, aquele do jornal O Amigo do Povo,
para a Academia
de Ciências, conseguiu
provar
que na
natureza nada
se cria,
nada
se perde, tudo se transforma. Não era um entrópico, mas
conhecendo bem o
velho
Marat, sabia que
mais
dia menos
dia, os sistemas fechados
que
serviram para comprovar
a sua
descoberta, seriam abertos
e tanto
valeria o gargantuano faz o que tu queres quanto o pós-modernista
tudo vale, pois o ser
humano, fazendo parte
da natureza,
também nada
criaria, nada perderia, tudo transformaria, que
nem os cremes
de beleza que
mudam de nome e/ou
embalagem a cada
ano, mas
têm sempre o
mesmo
óleo essencial.
Daí, o matemático Joseph Louis Lagrange
ter
errado a tabuada:
não bastará (não) um século
(mas um
milênio) para
produzir uma cabeça
igual à que
se fez cair num
segundo.
Você
me
pergunta: na pós-modernidade as
verdades
absolutas tendem a se tornar
mais
relativas? E eu
lhe
pergunto: e o que é uma
verdade
absoluta? A única
que conheço é que
tudo que
nasce, morre. O resto são conceitos. Verdade como correspondência, revelação,
regra, coerência,
utilidade, o escambau. O que se costuma chamar de conhecimento verdadeiro
é aquele
em
que o pensamento
concorda com o
objeto.
Mas poderão ou
deverão as teorias serem chamadas objetos?
Essa é a minha
grande
dúvida. E sabe
por
quê? Apenas
porque na prática,
a teoria é
outra. A prática é
sempre
a mesma: tentar
conhecer. As teorias
é que mudam. E se as teorias mudam, mudam os
pensamentos. E se os pensamentos
mudam, mudam os pensadores. E se os pensadores
mudam, mudam as verdades. E
finis. De tudo, resta a única certeza/verdade que não muda: tudo que nasce,
morre.
Quando
eu
digo Na Natureza
a perfeição é sempre
inversamente proporcional ao Absoluto. Quanto mais eu penso, quanto mais eu raciocino, quanto
mais eu
pergunto, quanto
mais
eu questiono,
mais
a minha
consciência
me torna
relativo e mais
o Absoluto se distancia, vem
o compadre Quim dos Nabos,
o mais
competente
e entendido
comentarista
em genéricos,
sejam eles
remédios, futebóis, políticas,
filosofâncias ou programas de
rádio e televisão,
compadre do meu
compadre Zé
das Couves e
pergunta:
mas quem
conhece pessoalmente o Absoluto para saber se ele se
distancia ou aproxima? E lá se vai tudo quanto a Filomeninha ganhou
entre
o centeio. Se
já
lhe disse que
tudo neste mundo
é passageiro,
menos
condutor e motorneiro,
volto a repetir:
com
sabenças ou
não
sabenças, relativas ou trejuradas
absolutas, tudo neste mundo é passageiro.
Menos condutor
e motorneiro. Ah, sim,
e também, o
vento
que faz a curva
lá nos
cafundós. O resto,
minha cara, não chega nem a ser incredulidade pós-modernista, seja do que for. É apenas
desconhecimento.
Porque,
para eu não me deixar convencer, eu tenho, pelo menos, de conhecer aquilo de que me querem convencer. |
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5.
Em Quadratura do Círculo,
em muitos
momentos você
contrapõe as certezas
humanas à certeza da
morte: “Dizem os entendidos que apesar de
todas as certezas e de todas as
afirmações categóricas, tudo
continua como era. Que, a não
sermos nós,
nada, na Natureza,
sabe que
nasceu para morrer.
E com a desvantagem de termos carregado
a vida
inteira,
dentro de nós,
o nosso medo,
a nossa
angústia
e a nossa
solidão”.
O mundo contemporâneo tende a
aumentar a cegueira do homem sobre sua natureza ou seria o homem
que constrói o
mundo
contemporâneo à sua
imagem e semelhança
para nele diluir-se? |
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Contrapor?
Quem
disse que
eu
contraponho? Eu afirmo. Se apenas contrapusesse, não
se venderiam toneladas e toneladas de diazepams e assemelhadices papoulícas,
garantidas pela
grana
que se paga
por deitar nos sofás dos analistas. Que,
tadinhos, com os
ouvidos
propositalmente entupidos de cerúmen, então
não se diz que
O cerúmen tem uma função
anti-microbiana
devido ao seu
pH ácido
e não deve ser
removido, pois funciona
como
um tampão
de proteção, e os tadinhos dos analistas não
sabem
nem o que
fazer com tanta dinheirama a não
ser comprar casas em condomínios fechados e carros
fora de série,
ou passar férias em
Cancún, o lugar
onde
a serpente
dourada
ferra o dente
na Isla Mujeres?
Quanto
à construção
do mundo
contemporâneo
à imagem e
semelhança
do homem,
basta
você olhar
para
as reuniões de
cúpula
das grandes
potências
assinando o Protocolo de Kyoto, que as pequenas,
tadinhas, não têm
nem
cedilha nas
opiniões,
aquele sinalzinho
em
forma de pequena
vírgula sotoposto (adoro palavrões!) sob
a letra c
antes
de a, o e u, indicando a
sibilante alveolar surda s
para, embora nunca iniciando uma palavra,
se poder distinguir maça de maca ou buço de buco, ou até baço de
Baco,
protocolo esse
assinado em 1997
para
redução da emissão dos gases que provocam o efeito
estufa e o consequente aquecimento global.
Muitas palmas,
muitos
sorrisos, muito
champanhe, muitas
fotografias,
misses
acompanhantes
a dar por um pau, e cada vez se
queimam mais
florestas, se constroem mais
carros
e aviões,
mais
e mais
fábricas
triplicam os turnos de
produção,
cada dia
se constroem mais
condomínios
fechados em
áreas
ambientais protegidas, e deixa como está para ver como é que fica. Tudo em nome da paz mundial do consumismo.
E agora?
Os
homens
não são
cegos. Cegas
são as mulheres
que ainda
acreditam neles e esquecem que a vida de Atenas mudou quando
a Lisístrata resolveu mandar às
favas
as calcinhas que
o marido
lhe
tinha comprado numa sex shop do shopping
Ópion Toûrkos,
e reuniu todas as mulheres que
tinham maridos envolvidos na guerra com
Esparta, amigas e inimigas,
e acabou com o bafafá em dois tempos. Um de fazer que vai e outro
de não ir.
Na
questão
da diluição
humana, aumentada pela
cegueira
dos construtores do mundo
contemporâneo,
aí, já
o buraco é
mais
em baixo.
Veja. A Bíblia afirma
categoricamente: quia pulvis
es
et in pulverem reverteris -
que
és
pó
e em pó
te
hás de
tornar
(Gen. 3, 19). Ora, de um jeito ou de outro,
dependendo do solvente, todo pó é solúvel. E sendo o pó
solúvel, a quem
botar as culpas
dos arreios construtíveis?
Se
bem que isto de líquidos tem muito
que se lhe
diga. Lisístrata liquidificou uma guerra,
e o líquido não
era, propriamente,
um
solvente. Aí,
quem sabe se o
homem
que constrói o
mundo
contemporâneo à sua
imagem e semelhança
para nele diluir-se, como
você pergunta, não está é a fim
de encontrar umas Lisístratas da vida por aí e mandar
ver
numa diluição
muito
da especial? Se
assim
for, tudo bem.
Até que
o preço da
diluição
é baratucho. Agora, se a diluição for aquela do último
a sair apaga a luz
e bate a porta,
que
é a que
me
parece mais à
mão,
não esqueça o
resultado
do Protocolo de Kyoto, e estamos
conversados.
Só
que,
com diluição
ou sem
ela, a conversa,
tanto a dos protocolantes quanto a dos teorizantes, bem
que podia ser
outra. Mais
entendível e, por
isso
mesmo, mais
acreditável, bem tipo
meu compadre
Zé das Couves:
morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho. E finis. Se gastaria
menos
tinta, menos
células cinzentas, e a entropia do tudo
vale, aí, sim, valeria o seu
peso em
ouro e limparia toda
e qualquer poeirada. Seria que nem o sabonete do bota
mais: sempre
cabe mais
um quando
se usa Rexona. |
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6.
Sobre o medo, ainda, Bauman
afirma que “em
vez de grandes
expectativas e
doces
sonhos, o
progresso
evoca uma insônia
repleta
de pesadelos de
ser
deixado para trás,
perder o trem
ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração". Para você, a
questão
parece mais
determinista: “nós
somos, apenas, a
mais iludida criação
da Natureza. [...]
Porque, a cada
dia
que passa,
apesar de nos
dizerem que somos a
mais
perfeita criação
da Natureza,
mais
e mais
nós
somos obrigados a
justificar
que ainda
somos. Ou na
solidão
do suicídio ou
no divã do
analista”.
O medo é a força motriz que nos mantém vivos
no mundo pós-moderno? |
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Sem
a menor
dúvida. Nessa fico
com
Mr. Zigmunt Bauman e não abro. O medo é ducaraças. Resta
saber, apenas,
de todos os
medos,
qual deles é o
maior. E aí é
que
a porta do
cemitério
treme nos
gonzos.
Para Johnny Depp, por
exemplo, aquele
ator milionário dos filmes Piratas
do Caribe, quem o diz é a revista Joy, é que
os filhos
sigam a carreira dele. Sejam famosos e fiquem ricos,
será?, pergunto eu. E
para
fugir da medrança, comprou uma
ilha
no mar das Caraíbas
com
direito a todos
os badulaques
tecnológicos
e esconde-se lá
com
a família.
Já
para o meu compadre Zé
das Couves, o
maior
medo é que não lhe chova na
horta na hora
de plantar a
hortaliça.
Medos tem muitos.
Depende, em
primeiro
lugar, do tamanho
da conta bancária
do medroso. E, em
segundo, de ser
verdade o que
diz. Agora,
perder
o trem ou
cair da janela
de um
veículo,
só se o trem
for o da vida e o
veículo
não ter
travas de segurança nas
janelas.
Vi no
Worldometers' real
time que,
às 18:22:01(hora do
fuso de Greenwich) do
dia 25 de julho de
2011, a população do planeta
Terra era de
6.979.672.762 habitantes,
nascendo mais 140 a cada minuto, e que
no dia 31 de
outubro
o total atingiria os
7.000.000.000 redondos, mais zero menos zero. O que,
comparado com a
estimativa
que a Population Reference
Bureau fez em
2002, 106.000.000.000 já cá viveram,
convenhamos, é tudo
questão
de zeros. E os
zeros,
todo mundo
sabe, são
apenas
zeros, quer
sejam colocados à direita ou à esquerda
das vírgulas
matemáticas. O que,
em
termos práticos,
significa que
tanto
vale como
valeu. O que
valeria,
mesmo, seria saber
quantos desses 6.979.672.762 que pulavam, ou
não, a cerca
do quintal do
vizinho
às 18:22:01(hora do
fuso de Greenwich) do
dia 25 de julho de
2011, morrem de fome ou são mortos por medicamentos
misericórdia e
gratuitamente
distribuídos aos barnabés dos 5ºs mundos com os prazos de validade
já vencidos ou,
o que é
ainda
mais dadivoso,
com placebos fazendo de componentes ativos
nas suas
fórmulas
químicas.
No
final
dos anos 60 do
século
passado, Freeman Dyson,
professor
do Instituto de
Estudos
Avançados da
Universidade
de Princeton, disse, entre outras coisas e loisas, que
a tecnologia
era
apenas mais
uma das forças
que
impulsionam a humanidade. E que nem sempre era a mais importante.
Mas logo,
logo, foi
desmentido. A tecnologia
tornou-se tão importante para o mundo da
pós-modernidade que, dizem os entendidos em
celerímetros, a velocidade
tecnológica
tem dobrado a
cada
dez anos.
Vai
daí,
hoje
temos computadores,
internet, iPodes, iTunes, twitteres, facebooks, blackberry bolds, o escambau, e dizemos
que
não podemos, pois
já não
sabemos, viver
sem
eles. E damo-nos ao
luxo
de afirmar que
em vez
de grandes
expectativas
e doces
sonhos, o progresso
evoca uma insônia repleta
de pesadelos de
ser
deixado para trás,
perder o trem
ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.
Você
pode dizer- que me
contradigo, quando afirmei que nessa eu
ficava
com
Mr. Zigmunt Bauman e não abria nem à
mão de Deus
Padre. Contradigo
não. E contradigo não,
porque
tanto eu
quanto Mr. Zigmunt Bauman, utilizamos, exatamente, essa mesma
tecnologia para
poder dizer o que quisermos. E, o que
é mais
importante,
sem que
ninguém nos
mande para a cadeia
ou tocar pífaro em dó menor no campanário das urtigas.
E, veja, eu
ainda
não falei do medo
que as
agências de rating metem a
todo
mundo. O meu
compadre Zé
das Couves está
danado, e eu
também, e com
toda
a razão,
porque
uma pipocada dessas agências fez
a notação de lixo
ao risco-soberano de Portugal não pagar as suas dívidas nos prazos fixados. Resultado,
os governantes foram
tirar
férias em
Ibiza e eu e
todos
os Zés das Couves,
meus
compadres ou
não, os Zorbas na Grécia e os Sinns Feins
na Irlanda, todos vivemos
apavorados, pensando no que
poderemos comer,
ou não,
amanhã e nos
anos que
virão. Isto,
sim, é ter
medo. Mas não da tecnologia, apenas
da ladroagem. Da
falta
de um
Lampião
que cantasse um
fado para a
Maria Bonita e botasse nos conformes aqueles ibizantes.
O
medo é a força
motriz
que nos
mantém vivos no
mundo
pós-moderno?, pergunta você.
E eu lhe
pergunto: medo de quê?
De perder o trem
ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração?
É muito
pouco,
café muito
pequeno, se comparado com os últimos
20 anos do KATUN
Maia,
que vai de 1992 a 2012, e bota a boca no trombone, afirmando que
o medo e tudo
mais terminará,
exatamente, no dia
23 de dezembro
de 2012. Assim sendo, ou não sendo, a
verdadeira força
motriz
que nos
mantém vivos, seja no mundo pós-moderno ou
no mundo hipermoderno, é
fincar
pé no xacomigo e mandar
ver na Verdade La Palice:
Monsieur d’la Palice est mort, il est
mort devant Pavie, un quart d’heure avant sa mort, il était encore en
vie.
Monsieur de La Palice morreu, morreu frente
a Pavia, um quarto de hora antes de morrer, ainda vivia. E finis, minha
cara. |
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7. A pós-modernidade traz uma saída
possível para
os dilemas existenciais do homem, medo, angustia e solidão, os quais você aponta em seus artigos? |
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Veja,
todas as semanas
eu jogo
na Mega-Sena e, no fim do ano, desde 2008,
a Mega-Sena da Virada faz parte
das minhas
contribuições
natalinas, sempre
que
estou no Brasil. Se me escondo em Portugal, todas as semanas
idem no Euromilhões, com o Joker devidamente
arreado à côté, e nunca ganhei um
centavo ou
um cêntimo
sequer. Na verdade,
o que eu
aponto nos
meus
artigos vale tanto quanto os
números que
aponto nos
boletos
lotéricos: nada.
Nadinha nem
sequer.
Claro
que
eu tenho dilemas.
Zilhões. E um
bem existencial. Queria ser
eterno. Queria
não
pensar e ser apenas uma coisa. Um calhau, um átomo, ou até o fóssil daquela esponja
que os
pesquisadores
da Universidade de Princeton
descobriram
que tinha
635 milhões de
anos.
Eu sei que
os calhaus, os
átomos
e os fósseis, todos existimos. Mas só eu sou em sentido absoluto,
apesar de ser
relativo. Só
eu necessito justificar
a minha
existência. Se eu
não
nascesse, vivesse e morresse em função das coisas,
seriam elas
que
precisariam de mim e não eu delas. Mas só elas ficarão. Eu
sou o que
pensa,
mas sou apenas
o que
passa. O que
morre. Se eu
fosse eterno, a
minha
finalidade seria
somente
existir e não
correr atrás
de probabilidades e
possibilidades. Pode
ser até que o mais forte perca a
luta, mas
deverá ser o provável
vencedor. Pode ser
até
ser que não ganhe o prêmio, mas haverá sempre
uma possibilidade. Eu sei que tudo é possível e é provável.
Que tudo
pode acontecer. Mas
também sei que
apenas pode acontecer.
Por isso
queria ser eterno.
Na minha
eternidade
não haveria mais
apenas pode ser
e eu não
precisaria mais
teorizar
acerca do que
não sei.
Como
não
sou eterno, tenho
medo
e vivo angustiado e
solitário.
Um medo imenso. O pior
dos medos. O
medo
de ter medo. E com uma angústia que me agonia, pois faça eu o que fizer,
viva eu
do modo
que
viver, sei que
um dia
morrerei. E, o que é pior, sem saber como, nem por quê nem para quê. E sempre acompanhado
duma solidão que
me sufoca. Apenas
sou eu
comigo
mesmo. Com
os outros,
só
faço de conta, tal
como eles
também só
fazem de conta. Se eu
lhes dissesse o
que
penso deles ou
eles me
dissessem o que pensam de mim, a porta do
cemitério não
daria conta de fechar.
Se a
pós-modernidade me apontasse uma saída,
pode apostar que
eu viraria um
Emil Zátopek, casado
ou não
com alguma Dana
Zátopková, e bateria todos os recordes
olímpicos de
corrida
de fundo, desnevando atrás dessa saída.
Mas a pós-modernidade já foi modernidade e há de ser
outro troço
qualquer quando
os hipermercados da
hipermodernidade virarem superjunçados de
qualquer nova teoria, e nada, nem a
modernidade,
nem a pós,
nem a hiper deu
ou
dará qualquer
saída
para ninguém
e para nada.
Se desse, a Della Street, a secretária virgem do meu amigo Perry Mason, não
teria estenografado o testemunho
de Platão na cicutagem do sabidão do velho
Sócrates.
Na
prática,
minha cara,
repito, a teoria é
outra. Nascemos sem
ter
pedido, vivemos do
jeito
que dá e morremos
sem
querer. Como não tem regra sem exceção, os
suicidas são
a exceção à
regra
que diz que
não tem regra
sem exceção.
E finis. Ah, sim, e
muito
obrigado por
me deixar ter feito os seus ouvidos de
penico.
(Agosto de 2011)
Filosofia
Ciência
e Vida |
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Notas |
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BAUMAN, Zygmunt. Vida
líquida. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007. p. 91.
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Denise Duarte
(Brasil)
Professora universitária
na área de cinema e audiovisual. Rio de Janeiro - RJ |
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Cunha de Leiradella (Póvoa de
Lanhoso, Portugal, 16.11.1934)
Emigrou para o Brasil em 1958. Desemigrou em 2003, mas foi lá que
escreveu a maior parte da sua obra. Peças de teatro (Laio ou o poder,
Judas, As pulgas, etc.), romances (Cinco dias de sagração, Guerrilha
urbana, Apenas questão de método, etc.), contos (Fractal em duas
línguas, Síndromes & síndromes (e conclusões inevitáveis), O que faria
Casanova?, etc.) e roteiros para cinema e televisão (Belo Horizonte:
caminhos, O circo das qualidades humanas, Vestida de sol e de vento,
etc.). Com isto ganhou alguns prêmios (no Brasil, Prêmio Fernando
Chináglia, 1981, I Concurso de Textos Teatrais Rede Globo de Televisão,
1982, Prêmio Humberto Mauro, 1997, no México, Prêmio Plural 1990, em
Portugal, Prêmio Caminho de Literatura Policial, 1999, etc.).
Contacto: leiradella@sapo.pt |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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