REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 21

 

 

 

 

CRISTINO CORTES

Para uma arte poética

 Aproximações

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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(1) 

Ando à procura, oh meus amigos. Ando à procura

E isso não quer dizer que algo tenha perdido;

Direi mais como predisposição, sexto sentido

Em tudo vendo a luz, até na noite mais escura.

 

Começo logo de manhã, e assim começo o dia

Quase sempre tudo antecipando ainda antes

De acordar; doseio curiosidade e espanto

Envolvência e gosto, almofariz de alegria...

 

Faz-me falta, é certo, faz-me mesmo muita falta.

Essa procura leva-me do início do dia

A melhor hora, como quem abrindo a gelosia

De alma aberta sorve a energia que o assalta.

 

É uma atitude, mais persistência que mania.

Oxalá de tanto a procurar não fuja a poesia! 

 

                                                        ( III )

 

Para um poema, o próximo, me preparo, há dias

O rumino e alimento bem dentro de mim;

Vou-o criando, faço-o meu, inteiro, e assim

Espero que nasça, tão natural como a alegria...

 

 

É tudo apenas problema de atmosférica pressão.

Chegando ao ponto exacto em que mais para fora

Pesa, o poema sai por si, sagrada é essa hora

E é para mim duma puérpera a libertação.

 

 

Não me faz falta nem sinto ter ficado

Sem algo que era meu e a que já me habituara;

O poema lá vai, ao seu destino, é coisa rara

Motivo de satisfação, talvez júbilo achado

 

 

É a minha forma de viver e ganhar o dia

                                 -  Qual a graça de um incipit, brado de Avé Maria! 

 

                                                            ( V ) 

É uma poesia especial, sem tema ou motivo

Supérfluo face a este tão específico contexto

Do único e raro pormenor que em cada texto

À posteriori vê a revelação do que é vivo.

 

 

Sem a muleta do que é ecfrástico, numerativo, qual

Na botânica ou na biologia, enumeração

Própria das viagens e também da sua preparação

Esta poesia aspira ao osso, ao essencial.

 

 

Todos os caminhos são legítimos, mesmo os alheios

Da rima se servindo se da mesma se prescinde;

A tradição superando ou construindo, se insiste

Na unidade do ângulo, inicial e inteiro.

 

 

Pelos frutos sim, não há prémios de consolação

Mais importa o obra feita, pouco o jeito da mão.

 

                                                   ( VIII ) 

 

Tal como na lavoura aos bons anos e colheitas

Sucedem outros, menos férteis ou ricos, maus mesmo

Assim na possível poesia desse tempo a esmo

Pouco resultará, testemunho e múltiplas maleitas…

 

 

Mas não é um tempo perdido. Nos campos não é

Inútil chuva e vento, inda que a utilidade

Não seja fácil de descortinar -  e na cidade

Então ninguém sabe mais do que o gosto do café…

 

 

É um tempo em que se concretiza e progressiva

A carência toma conta da alma… Pobre poeta

Atento e desperto, agarra a mais pequena fresta

                           -  Oportunidade de a vida sentir sua e viva…

 

 

Em potência embora é testemunho a poesia

De como noite e vazio precedem sol e alegria.                                                

   
 

Nota:  Estes sonetos, tal como na própria DiVersos 12 se diz, fazem parte da última secção do livro Música de Viagem ( Papiro Editora, Porto, 2008 ).

 

 

 

Cristino Cortes nasceu em Fiães ( 1953 ), uma pequena aldeia do concelho de Trancoso. Licenciado em Economia, reside em Lisboa desde 1971. A sua actividade profissional decorreu, quase toda, no Ministério da Cultura. Fundamentalmente poeta, publicou 10 livros desde 1985.Havendo de destacar alguns citaremos: Ciclo do Amanhecer, por ter sido o primeiro; 33 Sonetos de Amor e Circunstância, em 1987, por ter tido uma segunda edição em 1993; Poemas de Amor e Melodia, em 1999, pela mesma razão, dez anos mais tarde, em versão aumentada e definitiva; O Livro do Pai, em 2001, por ter sido traduzido em francês ( 2006 ) e em castelhano ( 2011 ), tendo tido uma segunda edição bilingue no primeiro caso; Sonetos (In)temporais, em 2004, por ser uma edição exclusivamente para o Brasil; e Música de Viagem, em 2008, por ter sido o último.
  Tem, também, versado outras modalidades ( o conto, a crónica, o artigo de opinião, a página de diário ) em vários jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, tendo reunido alguns desses trabalhos em quatro livros. Para a Universitária Editora organizou, ainda, duas antologias. Apresentou publicamente livros e proferiu conferências. A sua obra tem tido algum eco em países estrangeiros ( Espanha e França, sobretudo, mas ultimamente também na Alemanha, na Bélgica e no Brasil ) e ele próprio, tem traduzido e publicado poemas em francês. Os seus livros tiveram apresentações públicas em diversos locais do País.
Está representado em várias antologias e livros colectivos. A sua obra tem sido objecto de alguma atenção crítica destacando-se, em forma de livro, José Fernando Tavares, Júlio Conrado e Isabel Gouveia.

 

 

© Maria Estela Guedes
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