(1)
Ando à procura, oh meus amigos. Ando à procura
E isso não quer dizer que algo tenha perdido;
Direi mais como predisposição, sexto sentido
Em tudo vendo a luz, até na noite mais escura.
Começo logo de manhã, e assim começo o dia
Quase sempre tudo antecipando ainda antes
De acordar; doseio curiosidade e espanto
Envolvência e gosto, almofariz de alegria...
Faz-me falta, é certo, faz-me mesmo muita falta.
Essa procura leva-me do início do dia
A melhor hora, como quem abrindo a gelosia
De alma aberta sorve a energia que o assalta.
É uma atitude, mais persistência que mania.
Oxalá de tanto a procurar não fuja a poesia!
( III )
Para um poema, o próximo, me preparo, há dias
O rumino e alimento bem dentro de mim;
Vou-o criando, faço-o meu, inteiro, e assim
Espero que nasça, tão natural como a alegria...
É tudo apenas problema de atmosférica pressão.
Chegando ao ponto exacto em que mais para fora
Pesa, o poema sai por si, sagrada é essa hora
E é para mim duma puérpera a libertação.
Não me faz falta nem sinto ter ficado
Sem algo que era meu e a que já me habituara;
O poema lá vai, ao seu destino, é coisa rara
Motivo de satisfação, talvez júbilo achado
É a minha forma de viver e ganhar o dia
- Qual a graça de um
incipit, brado de Avé Maria!
( V )
É uma poesia especial, sem tema ou motivo
Supérfluo face a este tão específico contexto
Do único e raro pormenor que em cada texto
À posteriori vê a revelação do que é vivo.
Sem a muleta do que é ecfrástico, numerativo, qual
Na botânica ou na biologia, enumeração
Própria das viagens e também da sua preparação
Esta poesia aspira ao osso, ao essencial.
Todos os caminhos são legítimos, mesmo os alheios
Da rima se servindo se da mesma se prescinde;
A tradição superando ou construindo, se insiste
Na unidade do ângulo, inicial e inteiro.
Pelos frutos sim, não há prémios de consolação
Mais importa o obra feita, pouco o jeito da mão.
(
VIII )
Tal como na lavoura aos bons anos e colheitas
Sucedem outros, menos férteis ou ricos, maus mesmo
Assim na possível poesia desse tempo a esmo
Pouco resultará, testemunho e múltiplas maleitas…
Mas não é um tempo perdido. Nos campos não é
Inútil chuva e vento, inda que a utilidade
Não seja fácil de descortinar - e na cidade
Então ninguém sabe mais do que o gosto do café…
É um tempo em que se concretiza e progressiva
A carência toma conta da alma… Pobre poeta
Atento e desperto, agarra a mais pequena fresta
- Oportunidade de a vida
sentir sua e viva…
Em potência embora é testemunho a poesia
De como noite e vazio precedem sol e alegria.
|