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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 17
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Andrés Galera, que acaba de publicar «Las Corbetas
del Rey», um relato da viagem de Alejandro Malaspina à volta do mundo, escapa à generalidade dos autores
que trabalham em História e Filosofia das Ciências, pelo menos quando
escreve para um auditório que não é o dos seus pares nos congressos da
especialidade, nem dos seus colegas no CSIC - Consejo Superior de
Investigaciones Científicas, com sede em Madrid. A generalidade dos
autores nestes assuntos, por incapacidade de resolver o problema, seja
oriundo da falta de agilidade literária, seja oriundo de obstáculos
técnicos que exigem uma tremenda prolixidade, com centenas de
informantes, notas infrapaginais e fundamentações na citação, produzem
textos de muito penosa leitura, e que só os diretamente empenhados no mesmo
tema conseguem assimilar.
O problema é o de criar um texto com algum mérito literário, isto é,
dotado de poder de síntese, enquadramento, e um pouco de encanto, que
conduza o leitor ao bom porto da fruição da leitura. |
EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Contacto:
revista@triplov.com |
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MARIA ESTELA GUEDES
Contar História: A viagem de Malaspina à volta do
mundo
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Este problema existe igualmente na ficção:
aparecem-nos obras apresentadas como romances que não alcançam merecer
essa designação porque a estrutura da história e o desenho das
personagens ficam submersos debaixo de uma quantidade enorme de
informações históricas que o leitor não consegue memorizar. E
neste ponto encontram-se ambos, o historiador e o ficcionista. Se não
tiverem capacidade para construir uma qualquer estrutura, ou perspetivar
a obra sob algum ângulo temático, se se limitarem a um inventário de
factos, o que daí resulta é muito confuso.
Andrés Galera, que eu saiba, não tem nada publicado
no âmbito da Literatura. Pode, se o quiser, vir a ter, é dotado dessas
qualidades que acabei de enunciar e tornam «Las Corbetas del Rey» um
livro muito sugestivo e agradável de ler.
Em «Las Corbetas del Rey», vemos então
que o historiador pode encontrar-se harmoniosamente com o ficcionista. É
preciso no entanto dizer que o livro não resulta diretamente das
habituais
investigações do autor sobre viagens científicas, ele é já produto desses
resultados anteriormente publicados. Por isso, o exercício mais intenso da escrita deixou-lhe a
mente livre para seguir duas diretrizes fundamentais: optar por uma
estrutura clara, que no caso é uma das mais usadas pelos próprios
filósofos naturais, na época em questão, finais do século XVIII, e
específica dos comandantes de navio - o diário; e capacidade de seleção dos
factos mais relevantes da viagem de Malaspina, o que equivale a subtrair
duas centenas de páginas de informação a muitos milhares delas. Em
suma: eis um livro para o grande público, de muito bela apresentação,
com ótimas reproduções de gravuras originais, e encanto bastante para o
leitor ser atraído como se de um romance de mistério se tratasse: porque
é que, após uma gloriosa viagem à volta do mundo, que devia ter sido
recompensada pelo Rei com dinheiro e um cargo importante na corte, Alejandro Malaspina foi
castigado com a prisão? O incidente merece segunda reflexão, a
desenvolver em dois pontos: esboçar um romance policial no seio
de uma obra de História das Ciências exige empatia com o mundo
literário, mente aberta, e até alguma coragem, e muito me
alegrou verificar a existência destas vertentes em Andrés
Galera. O segundo ponto diz respeito à experiência do
historiador, e de novo à sua mente aberta: ele não sofre do tabu do
político em relação à ciência. Vejamos: a maior parte dos textos
de História das Ciências que se publicam ou publicaram em
Portugal é panegírica, tem por fim elogiar o cientista A ou B.
Para tanto, a seleção de informações não decorre da necessidade
técnica de consolidar uma estrutura na obra, sim de não manchar
um retrato com alguma nota negativa.
Ora reza o mito que a ciência é pura, santa e
virginal,
e talvez até divina, não enfermando de modo nenhum do pecado
da política - e anote-se que este tipo de historiador, o que faz
história laudatória, normalmente um cientista, demoniza a política. Qualquer um vê que nada podia ser mais falso, e no caso das
viagens do século XVIII, em que se inclui a de Malaspina (em Portugal
realizam-se as de Alexandre Rodrigues Ferreira, João da Silva Feijó, Donati, Manuel
Galvão da Silva e Joaquim José da Silva), elas são viagens régias, pagas
e ordenadas pelo governo de suas majestades em toda a Europa que as
projetou. As «viagens filosóficas», como são mais conhecidas estas
expedições científicas, assentam em necessidades e objetivos políticos.
Qualquer um vê isso, mas a tendência geral de quem faz a História das
ciências é a de isolar os feitos da Botânica, da Mineralogia e da
Zoologia, como se nada mais existisse em torno da sua aura angélica.Temos então que fica naturalmente explícito que a
viagem de Malaspina teve objetivos políticos e que acabou muito mal,
decerto por ele pretender, no final dela, algum cargo político passível
de lhe ter sido disputado por adversário mais experiente do que ele nas
intrigas da corte de Carlos IV.
Malaspina viajou pela metade do mundo que restava à
Espanha, recuperada por Portugal a metade que à Espanha pertencera,
durante os governos filipinos. Causa vertigens pensar na grandeza
geográfica que os dois países já abarcaram, e muito maior a espanhola. Malaspina saiu de Cádiz em direção à Argentina, sem tocar no Brasil,
contornou o continente, subindo até ao Chile, Peru, Panamá, México, e
alcançou Mulgrave e o Monte San Elías, no Alasca. No regresso,
dirigiram-se para as ilhas Filipinas, Marianas, detiveram-se em Sídney,
na Austrália, e na Nova Zelândia. As corvetas partiram em 1789 e
regressaram a Cádiz em 1794. Cinco anos de provações, fome, doenças, mortes,
tempestades, ataques dos indígenas, e muito desbravar de terra a pé, ou em mula. Cem anos depois, em
África, ainda os exploradores tinham de ir construindo estradas à medida
que avançavam para o interior. Malaspina pouco mais fez do que o
reconhecimento de faixas litorais, embora algumas expedições se tivessem
verificado no interior, caso de Teotihuacán, nas cercanias da Cidade do México, onde pasmaram os
europeus com aquela cidade de pirâmides do Sol e da Lua, com 365
degraus, tantos como os dias do ano.
Dois centros portugueses foram alvo da visita dos
enviados do rei espanhol, e em ambos foram recebidos cordialmente: Macau
e Colónia del Sacramento. As viagens científicas do século XVIII
obedeciam a uma filosofia utilitarista e globalizante da ciência, por
isso abrangiam uma multiplicidade de conhecimentos, mais amplos até que
o dos Três Reinos, pois, além das farmacopeias indígenas e outros
aspetos da etnografia, pressupunham o estabelecimento de relações com as
autoridades locais e observação dos seus mecanismos de ataque, defesa,
vias e meios
de comunicação, etc.. Além dos naturalistas, que se encarregavam de
todos estes aspetos, aspetos somados à coleção de espécimes mineralógicos,
zoológicos e florísticos, faziam parte da equipagem os riscadores ou
desenhadores. Pertencem aos riscadores da época as vistas de Colónia del
Sacramento e de Macau que vemos nas imagens abaixo. |
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Colónia del Sacramento, no Uruguai, face
a Buenos Aires, era uma conquista portuguesa |
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Macau, na China, outra implantação
portuguesa visitada pela expedição de Malaspina |
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ANDRÉS GALERA GÓMEZ
Las Corbetas del Rey
El viaje alrededor del mundo de Alejandro
Malaspina (1789-1794).
Ed. Fundación BBVA
Madrid, 2010 |
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Cádiz, 30 de julio de 1789. Hace días
que las corbetas Descubierta y Atrevida están preparadas para hacerse a
la mar. Gobernadas por los capitanes de fragata Alejandro Malaspina y
José Bustamante, ese jueves emprenden la misión de circunnavegar el
globo. El 21 de septiembre de 1794 las embarcaciones regresan al puerto
gaditano. Han transcurrido cinco años. Finaliza la aventura. No dieron
la vuelta al mundo pero exploraron minuciosamente mares y tierras de
América, Asia y Oceanía. Leyendo su diario sabemos que Malaspina halla
la lógica satisfacción por concluir un viaje del cual se siente
complacido y cansado. Al regreso, es la monarquía de otro Carlos, el
cuarto, quién le juzga, y razones tiene medir las consecuencias de sus
actos. No acabó en la cárcel por casualidad, pasando una larga temporada
encerrado en un húmedo presidio. ¿Cuál es la causa del infortunio?
Cualquier lector de Trafalgar, el
primero de los Episodios nacionales escritos por Galdós, es libre de
sospechar algún parentesco entre Alejandro y la acomodada familia
Malespina: José María y Rafael, padre e hijo, oficiales del cuerpo de
artillería, que pronto recorren las páginas del relato. Perseverando en
la lectura, el propio Galdós satisface nuestra curiosidad, deshace la
confusión desmintiendo cualquier relación con el célebre marino. ¿Hacia
dónde conduce la insinuación? Sopesamos interpretar la alusión, cambio
de vocal incluido, como una llamada de atención encubierta; como un
guiño literario al personaje y a su viaje, sí, pero más todavía a otra
historia posterior protagonizada por su majestad Carlos IV, la reina
María Luisa y el ministro Godoy, con la participación estelar de
Alejandro Malaspina en el papel de traidor. Cuando en octubre de 1805 la
flota inglesa derrota a la armada española en las inmediaciones del cabo
Trafalgar, hace un par de años que Malaspina expía sus pecados contra la
nación desterrado en tierras italianas. Antes, por el mismo delito, pasó
unos cuantos recluido entre las cuatro paredes de una inhóspita,
herrumbrosa y húmeda mazmorra del castillo coruñés de San Antón. Fueron
otros viajes, obligados, innombrables, ignominiosos, caminos tramposos
transitados con dolor y deshonra. Los pormenores de la conjura se narran
al final. Adelantamos que la historia no es ejemplar: venganza, deseo,
traición, odio, poder, despecho, rencor, son las pasionales razones que
mueven los hilos de este folletín regio.
Andrés Galera, in «Las Corbetas del
Rey» |
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Alejandro Malaspina |
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El libro se puede leer libremente en:
http://www.fbbva.es/TLFU/microsites/malaspina/index.html |
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Maria Estela Guedes (1947,
Portugal). Diretora do TriploV
ALGUNS LIVROS. “Herberto Helder, Poeta
Obscuro”, Lisboa, 1979; “Mário de Sá Carneiro”, Lisboa, 1985; “Ernesto
de Sousa – Itinerário dos Itinerários”, Lisboa, 1987; “À Sombra de
Orpheu”, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”, Lisboa, 1993; “Tríptico a
solo”, São Paulo, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”, Lisboa, 2008;
“Chão de papel”, Lisboa. 2009; “Geisers”, Bembibre, 2009; “Quem, às
portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”, São Paulo, 2010;
"Tango Sebastião", Lisboa, Apenas Livros, 2010; "A obra ao rubro de
Herberto Helder", São Paulo, 2010; "Risco da Terra", Lisboa, 2011. TEATRO. Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, com direcção de
Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José
Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no
Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez,
cenografia de Fernando Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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