REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 17

 

 

 

 

Na madrugada do “25 de Abril” ficou célebre a frase do Capitão Salgueiro Maia, quando (…), juntando os seus homens na parada, para saber quem estava disposto a aderir à marcha sobre Lisboa e lhes colocou a questão, dizendo qualquer coisa como isto: “ Há o Estado Capitalista, há o estado Fascista, há o estado Socialista, há o estado Comunista… e há o estado ao que isto chegou!”… É, mais ou menos, o que se passa com o teatro – e  a cultura em geral – em Portugal, 37 anos depois dessa madrugada.

Em Portugal não se pensa de todo teatro (…). De longe a longe surgem “interregnos de esperança”, mas que nunca chegaram a passar de uma pequenina candeia logo apagada.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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CASTRO GUEDES

Sim, é possível: pensar e organizar o teatro português

                                                                  
 

Mas sim, é possível: pensar e organizar o teatro português. O que é preciso é coragem, desfazer tabus e ideias feitas de e por lóbis a que o Estado baixa a cerviz. Para começar há que reconhecer e ver que vivemos numa premeditada ofensiva à nossa produção teatral, cuja derradeira etapa está hoje em marcha ao preparar-se a deslocação do eixo central dos investimentos estatais da criação e produção para a programação da Rede de Teatros e Cine-Teatros, dando preferência ao evento no lugar do trabalho continuado de intervenção democratizante em direcção à comunidade no seu todo e não a nichos de público, que podem encher uma sala por uma noite, mas apenas por essa noite, sem criar hábitos de fruição cidadã, nem alargamento de massa crítica na comunidade.

Mas mesmo do que resta dessa produção continuada sem obediência à lógica do evento, por via da cegueira dos próprios criadores, maioritariamente voltados narcisicamente sobre si mesmos, a nossa produção teatral é uma autêntica pirâmide invertida e, por essa razão, coisa completamente desequilibrada, pronta a estatelar-se ao mais pequeno sopro de uma tentação política neo-liberal. E com a indiferença ou mesmo aplauso da parte maior da sociedade, estribada, compreensivelmente, no seu completo divórcio dessa prática de “circuitos fechados” sobre si mesmos. A começar pela nefasta confusão de os financiamentos serem tidos por serem apoios à ”criação” e não à “produção”, por “direito reclamado do criador” e não por “dever do Estado para com o fruidor” (..).

O normal deveria ser como acontece mesmo em países de economia e níveis culturais incomparavelmente mais sedimentados com os nossos. Na base, maioritariamente existe um mercado de teatro de empresário em que os espectáculos populares e acessíveis, de entretenimento puro, constituem uma oferta ampla, capaz de começar por gerar o hábito do teatro. Em Portugal, perante a fragilidade deste sector, em substituição dos “angels” no West-End, julgo que seria compreensível e aceitável a introdução de formas de apoio indirecto (isenções de taxas, empréstimos bonificados, intervenções custeadas para melhoramento dos recintos, reequipamento técnico em regime de comodato…), como, aliás, aconteceu em Espanha logo após a abertura democrática pós-franquista. Criado o hábito, no sentido  do usufruto de bens verdadeiramente culturais descodificáveis por uma plateia superior a elites e nichos de mercado, os financiamentos à formação desses públicos, estrategicamente e em verba a ele consignada, deveria seguir-se, na base de alargamento de públicos, um teatro de reportório, com naturais gradações de exigência artística e cultural, devidamente espalhada de forma tendencialmente abrangente em termos geográficos, e conforme ao estádio desse; e por último, de forma reduzida, a experimentação e/ou reportórios alternativos. Assim, no quadro concreto, os tão queridos e tão protegidos “projectos” alternativos são alternativos de quê e a quê ? (…) A si mesmos?

Pior ou agravante, os financiamentos ao teatro privado não lucrativo, padecem de sete pecados mortais, que resumidamente se enumeram:

1º A inexistência de uma Lei da República. (…). A atribuição (…) decorre ainda de um Despacho ministerial na vez de uma Lei de Bases, preferentemente abrangente e consensualizada entre as forças políticas parlamentares (…).

2º A desresponsabilização nesta dos próprios Ministros: (…) remeter a homologação para um Director-Geral (…) já é um alijamento de deveres; maquilhá-la com pareceres de um Júri (…) é uma falácia.

3º (Só) há critério de gosto e proximidade na base das decisões: até porque estes Júris são emanações de círculos de proximidade de gosto (pessoal ou profissional). Mas mesmo que a “parceria” fosse apenas estética e “pura” (o que não é porque avaliam de forma esmagadoramente maioritário projectos  de companhias e grupos que nunca viram sequer!), o facto em si provoca (como num Estado totalitário com cânones únicos) o afunilamento da diversidade e pluralidade estéticas.

4º A ausência de fiscalização e acompanhamento: os pressupostos da avaliação – além de resultarem da “intuição” (...) de projectos apresentados e não na observação das práticas anteriores (…) não são, a posteriori, medidos e acompanhados. (…). Nem sequer são conferidas as folhas de bilheteira!.

5º A insuficiência de verba e sua dispersão: sendo escassa a dotação para a cultura ( ..) ainda pior se torna (…) quando  se atomizam os apoios, dispersando verbas ao calhas. (…).A cobardia e a satisfação clientelar não podem continuar.

6º Os grandes centros (Lisboa sobretudo; e um pouco o Porto) (…) atraem um maior número de grupos e artistas. Contrariar esta distorção (…), é que seria boa prática, descriminando pela positiva as regiões mais carenciadas (mas com massa crítica suficiente, claro) para evitar a visão geocêntrica dominante e consequente concentração excessiva de verbas nas metrópoles.

7º O desordenamento de prioridades e a indiferenciação: não há, de todo, um poder político que expressasse corajosamente as opções estratégicas preferenciais e elencasse diferentes objectivos e medidores para essa desejável garantia de diversidade. Misturar Lisboa com Bragança, reportório com experimentação, estruturas históricas com projectos emergentes, unidades de produção profissionais com formações semi-profissionais…É uma bagunça que a todas e cada uma das partes (…) prejudica.

O teatro português deveria estar organizado em “gavetas”  (feliz expressão de um Ministro, mas que não chegou a ser posta em prática). Mas não. Actualmente (…) em Portugal descobriu-se novo guia impositivo e unidireccional: o da tendência hegemónica nas concepções de um modelo despótico de “fatahs estéticas”. Não apenas nas correntes de opinião (sempre as mesmas) que dominam a opinião publicada (…), fundações (…),  institutos (...), investidores e mesmo as escolas da profissão, os gabinetes ministeriais e até na cabeça dos ministeriáveis: “Só há um único Deus e ele é o seu profeta: o pós-modernismo”.

Portanto, ano após ano, com maior ou menor moderação, mais do que os responsáveis da tutela, “levados” pelos verdadeiros “pais” desta monstruosidade – e não raras vezes aparecendo a público como vítimas e não algozes, porque insaciáveis – corrompem uma das mais basilares regras da própria obrigação de um Estado democrático e factor de enriquecimento da criação artística: a pluralidade estética. Este totalitarismo de novo tipo, aliás replicando na cultura o da “Escola de Chicago” na economia, em nome da não intervenção do Estado na regulamentação e definição de regras muito concretas de avaliação dos projectos em direcção a objectivos culturais determinados, permitem que o mercado (neste caso constituído por uma minoria de “iluminados”), distorcido porque acode aos “BPNs” da criação também, apague e anule a fiscalização e se desenhe uma política teatral estratégica, enquanto estes novos “vampiros” são no presente os tais “senhores à força/mandadores sem lei” neste sector.

Aliás o absurdo começa logo quando, também qual outra “pirâmide invertida”, é o próprio Estado, por inércia ou por covardia política, o aceita e se demite de criar ele as linhas estratégicas, definindo prioridades e as tais “gavetas”, com um “caderno de encargos” submetido a concurso e escrutínio, na vez de “avaliar” as propostas de projectos individuais: o Estado, insiste-se na ideia, tem de ter uma política cultural e abster-se de qualquer política de gosto, justamente no pino do que se passa. Basta imaginar o aberrante que seria se na educação a tutela se demitisse da definição básica dos conteúdos programáticos; e que anarquia instaurada reinaria se, na vez da abertura de vagas para as escolas, fossem directores de colégios ou professores a submeter à escolha de um Júri a avaliação das matérias que pretendiam leccionar e onde! E, ao mesmo tempo, essa avaliação resultasse, por exemplo, na preferência, suponhamos na disciplina de História, dos que se propunham falar do Maio de 68, ignorando a Revolução Francesa ou a Comuna de Paris!

Admito sem rebuço, sem pretensões de “ter a pedra filosofal na barriga” (isso é predicado justamente das actuais correntes dominantes), mas também como inalienável o meu direito à opinião e à crítica aqui fundamentada, que existam outras concepções e visões do “arrumo” do que a casa precisa e que uma Lei de Bases seja previamente peneirado por um contraditório aberto, frontal, polémico. Mas, infelizmente (como é fácil perceber) os “vampiros” não vêm à luta e, por isso, fica aqui o meu ponto de vista, mesmo sabendo que, pelo silêncio público e insídia em bastidores, me acusarão – a mim e a todos que queiram organizar o caos existente  – de “totalitário”, tal e qual como o fizeram outros totalitaristas em relação aos seus “dissidentes”, ou mesmo como fazem os novos “totalitarismos” contemporâneos do ultra-neoliberalismo especulativo financeiro: é a teoria do “capitalismo de catástrofe”, denunciado por Naomi Klein, aqui aplicada em escala “Joueff” ao teatro português.

Eu tenho para mim, aliás lendo justamente o artigo 78º da Constituição da República Portuguesa, que a organização do teatro português – acautelando a experimentação como factor de investigação e salvaguardando igualmente espaço para o aparecimento singular de projectos emergentes e de novos criadores, mas com algumas balizas no sentido de garantir a sua autenticidade – deveria assentar a prioridade num teatro de reportório em direcção aos públicos.

Os financiamentos, em última análise, vêm do bolso dos contribuintes e a eles devem retornar sob a forma de serviço prestado. Os artistas, mesmo quando trabalhando na base da pesquisa, apenas são os fiéis depositários do tesouro público e não seus donos privados. É nesta base  (…) que se pode e deve exigir a intervenção do Estado para a viabilização da (…) fruição cultural das populações e não no deleite onanista do “criador”. Por isso também, da parte dos agentes artísticos ficar pelas jeremíadas habituais numa atitude passiva sem ter em conta uma outra pró-activa na demanda dos públicos não colhe. A ideação romântica de que basta abrir as portas de uma sala e, com mais ou com menos publicidade, esperar que o público acorra é um tremendo disparate que, infelizmente, persiste no imaginário de muitos criadores como sendo o supremo ideal do êxito! Mas não é. Nem é possível no século XXI face à rentabilização de mega-investimentos propagandísticos de “indústrias criativas”, nem porque a responsabilidade social do artista hoje realiza-se, antes de tudo, na partilha da obra com os outros. Trabalhar organizadamente os públicos como forma de garantir menos cadeiras vazias na plateia não é senão um complemento do trabalho de criação. De facto, independentemente de preferências estéticas ou ideológicas sobre o teatro, é fácil compreender (...): o público, no caso do teatro, é elemento essencial da sua consumação enquanto tal. Muitos e muitos outros factores e componentes podem ou não ser “utilizados”, mas três são indispensáveis para se falar de teatro (que não jogos teatrais): o actor, o espectador, o acontecimento produzido do primeiro para o segundo, mesmo que provocando a inter-acção na volta. Mais: os índices de audiência deveriam mesmo ser um dos factores de avaliação dos desempenhos das unidades de produção, salvo nos casos de investigação e pesquisa.

Sem pormenorizar porque este não é o lugar (fi-lo, isso sim, no livro “Do Outro lado da Máscara – Ensaios Teatrais Politicamente Incorrectos”, ainda em distribuição nas lojas do jornal “Público”, incluindo a on-line, passe a publicidade), tentarei alinhavar em meia dúzia de linhas o que me parece dever ser o “corpus” do teatro português, mesmo que gradual e até que como assimptota apenas, relativamente à intervenção da tutela da cultura, claro, mas também com a participação orgânica das dos negócios estrangeiros, educação, ensino superior, ciência:

1.      Um sector público estatal reconduzido a um ou dois Teatros Nacionais (pelo histórico, naturalmente o Dona Maria II se apenas um; também o São João se dois, podendo, então, repartirem entre si a súmula que se segue), recompondo uma companhia residente, na vez da sala de acolhimento em que se transformaram, e cumprindo uma missão de serviço público que considere - num caderno de encargos público e publicamente publicado e auditado por relatórios anuais, mediante designação ou por concurso público de mandatos limitados da direcção e não uma “coutada” do criador A, B ou C-  o seguinte:

1.1.  Garantir a expressão da pluralidade estética.

1.2.  Ter como eixo central as obras do Património Cultural Imaterial da Humanidade: sobretudo no domínio de textos “clássicos” nacionais e estrangeiros, num conceito abrangente, incluindo as correntes modernas e pós-modernas do século XX.

1.3.  Albergar espaço a uma “montra” do teatro contemporâneo, a partir de critérios de tendências diferenciadas e dando prioridade aos autores lusófonos e, dentre estes, aos de raiz ou radicação nacionais.

1.4.  Ser modelar na organização de redes de captação, fidelização e formação crítica de públicos.

1.5.  Assumir o carácter nacional do ponto de vista geográfico: quer no sentido da realização de digressões regulares pelo território nacional (mormente através da Rede de Teatros e Cine-Teatros e, sempre que possível, em articulação com os Centros Dramáticos Nacionais de Regiões, de que a seguir se falará), quer na recepção destes no âmbito de mostras conjuntas e/ou de residência e passagem de reportório.

1.6.  Ter um autêntico Serviço Educativo Permanente, que não apenas no âmbito do universo escolar (ainda que naturalmente neste predominantemente), com eventuais incursões comunitárias fora dos seus edifícios (diz-se edifícios porque não é possível albergar um tão ambicioso projecto num único) junto de sectores “excluídos”, de risco, carenciados e outros.

1.7.  Realizar regularmente (que não necessariamente anual) digressões com rumo preferencial ao mundo lusófono e à diáspora portuguesa.

1.8.  Ter unidades próprias (quiçá em parcerias privadas) no âmbito do teatro para a infância, do teatro para a juventude e da formação técnico-profissional interna.

1.9.  Obrigar-se a uma quota de recepção de estagiários, anuais ou bianuais, saídos das Escolas Superiores de Teatro.

1.10.         Aproveitar sinergias e actuar em rede com as demais unidades de produção performativas do sector público (nomeadamente o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado).

1.11.         Garantir uma quota significativa de política de bilheteira a “preços sociais”, como “taxa moderadora”, para os sectores sociais de menor poder de compra.

1.12.         Ter definido no caderno de encargos mínimos e metas desejáveis de: produções, taxas de ocupação das salas, despesas e receitas.

A este sector, deveria seguir-se, como prioridade sobre tudo o mais, incluindo a completude das missões atribuídas aos Teatros Nacionais, uma rede de Centros Dramáticos Nacionais de Regiões, em parcerias público-privadas (por via de concurso aos lugares de direcção artística, avaliados pelos seus financiadores estatais: administração central e autarquias), tendencialmente abrangentes do todo continental (uma vez que a Lei das Autonomias não permite incluir essas Regiões na tutela do Governo da República), em função de 4 vectores fundamentais: o histórico realizado com análise de resultados atingidos ou não, o edificado, a existência real ou potencial de massa crítica, a intervenção autárquica na parceria de custos e decisões.

Reproduzindo, em muito menor escala, no fundo, os Centros Dramáticos Nacionais de Regiões, deveriam replicar o sentido das missões dos Teatros Nacionais, adaptando, retirando ou substituindo-as em função das realidades locais, diferenciadas entre elas (razão também indispensável da intervenção do Poder Autárquico). Mas para lá destes Centros Dramáticos Nacionais de Regiões, outros poderiam e deveriam existir com vocação específica entre outras áreas e, cuja localização teria toda a vantagem ser deslocada dos locais de residência do(s) Teatro Nacional(ais) e mesmo, se possível dos Centros Dramáticos Nacionais de Regiões (sobretudo se e quando não se trata de cidades de maior densidade populacional, como Coimbra, Braga ou Setúbal). Nomeadamente três:

a)      Um Centro Dramático de Investigação Estética Experimental (fundamentalmente assente em residências e acolhimento de projectos enquadráveis na sua natureza).

b)     Um Centro Dramático de Projectos Emergentes (idem e incluídos em parte no caderno de encargos dos Centros Dramáticos Nacionais de Região no âmbito do acolhimento ou mesmo da co-produção deslocalizada).

c)      Um Centro Dramático de Teatro de Revista (este naturalmente em Lisboa e em articulação com o Museu do Teatro), não de produção própria. Antes facilitador dessa produção empresarial e zelador e investigador do género.

Também atendendo ao histórico nacional dos últimos 40 anos, seria completamente justificável que determinadas estruturas de reconhecida competência e continuidade de acção, com resultados exemplares (artísticos e/ou socioculturais), da esfera privada, pudessem ser convidadas à celebração de contratos-programa por ajuste directo de financiamentos supletivos, celebrados por prazos dilatados, mas ao mesmo tempo limitados no tempo, admitindo mesmo a sua extinção a prazo, uma vez concluída a permanência dos seus mentores fundadores e directores. Mas, mesmo assim, sujeitas a um crivo de avaliação muitíssimo rigoroso e de número reduzido, com mais meios e menos dispersão, julgo que, na prática, apenas reduzidas às grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

A demais produção profissional não comercial deveria ficar sujeita, nas tais “gavetas”, a concursos públicos (para financiamentos também supletivos), também de regras de cumprimento e fiscalização rigorosas com critérios transparentes e de assunção política da tutela, independentemente dos mecanismos de consulta que esta quisesse instaurar. E no domínio empresarial putativamente lucrativo, como já se referiu, deveriam ser consideradas formas indirectas de apoio.

Por último é essencial garantir mecanismos próprios adicionais que consignem (em articulação com outras instituições públicas e privadas) formas de apoio ao teatro de amadores, hoje completamente desprotegido, para assegurar a sua continuidade, evitando, inclusive,  a entrada na “saca de gatos” dos concursos de financiamento do Estado certas estruturas de característica semi-profissionais, que não são carne, nem peixe! O verdadeiro teatro de amadores (para lá de poderem ser instituído clausulado próprio de “apoios” no caderno de encargos dos Centros Dramáticos Nacionais de Regiões), deveriam dispor de instituto próprio para beneficiar de apoios em géneros (que não financiamentos), nos seus diversos âmbitos: o teatro popular de raiz tradicional (autos e outro tipo de manifestações sazonais locais), o teatro de amadores (em organização própria ou pertencente a colectividades), o teatro escolar e o teatro universitário (embora estes dois últimos em articulação muito estreita da tutela respectiva ou mesmo unicamente sob sua responsabilidade.

Desta ou doutra forma (esta fórmula é a minha e baseia-se numa revisão, por tempo e especificidades portuguesas, no modelo de André Malraux que, no estádio de desenvolvimento do teatro em Portugal, me parece não só a mais ajustada, como mesmo a mais possível de implantar), fica demonstrado que, ao contrário da grita histérica que tem lugar apenas quando se trata de “subsídios”, sim, é possível: pensar e organizar o teatro português.

Aqui se centrou a intervenção na arquitectura da produção, principalmente por razões estratégicas que contrariem e contrariam a já citada tendência para a destruição do tecido produtivo teatral e a sua subordinação a uma espécie de sector de serviços por via de programadores de Teatros e Cine-Teatros, espécie nova de “gurus yuppies” que sabem um bocadinho de teatro, um bocadinho de ballet, um bocadinho de cinema, um bocadinho de ópera, um bocadinho de música, um bocadinho de artes plástica… e etc., que é como quem diz que muito pouco ou nada sabem porque cada uma das disciplinas citadas exige dedicação praticamente exclusiva e continuada por muitos e muitos anos e não por via de intuições diletantes ou formações académicas não especializadas. Mas em tudo o mais - da aprendizagem às memórias, da gestão à prestação artística - sim, é possível: pensar e organizar o teatro português para o tirar do “estado a que isto chegou!”.

 

Castro Guedes

Encenador

   
 

COMUNICAÇÃO EM “ABRA-SE O PANO”, ALMADA, 28 DE JUNHO DE 2011.

NB: Em itálico frases e períodos extraídos do livro citado pelo autor. O restante texto é decalcado do pensamento do mesmo livro e de alguns artigos do autor publicados no “Público” e no “As Artes Entre as Letras”, embora condensado e organizado em ordem à tese exposta num só.

 

 

(jorge) castro guedes (Portugal)
encenador, natural do porto, nascido em 1954. fundador e director artístico do tear (1977/1989), estagiou com jorge lavelli no théâtre national de la coline (paris) na temporada 88/89, autor e apresentador do magazine teatral "dramazine" na rtp2, onde foi consultor de teatro (90/93). encenador convidado no teatro nacional dona maria II, serviço acart/gulbenkian, casa da comédia, teatro aberto/novo grupo, teatro villaret/morais e castro, teatro villaret/raul solnado, cendrev, filandorra, teatro universitário do porto, cenateca, plebeus avintenses. director artístico do cdv - centro dramático de viana, companhia profissional residente no teatro municipal sá de miranda (viana do castelo). professor convidado da escola superior de teatro e cinema (lisboa), escola superior de música e artes do espectáculo (porto), escola superior artística do porto, academia contemporânea do espectáculo (porto), convenção teatral europeia (lisboa), escola superior de hotelaria e turismo do estoril. autor de "à esquerda do teu sorriso", peça em um acto, editora campo das letras; e de outras à espera de publicação. acidentalmente copywritter na mccann/erikcson (90/92).