REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 16

 

 

 

No rebentamento

 

No rebentamento o poema
um voo no vácuo
em suspenso
como se lançasse no traçado da asa
um fluido cristalino 

Sob
a ferida
pássaro branco tingido
perturbado
o rugir.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
Contacto: revista@triplov.com  
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MARÍLIA MIRANDA LOPES

Pássaro branco

                                                                  
 

Deslize                                                                                       

 

Venho da vastidão azul

do teu corpo

em água

 

Levas-me nas ondas

onde o rebentamento

ecoa o grito

o deslumbre

 

Examinas o meu rosto

onde as algas escorregam

no marulhar mistério

 

É este o efeito placebo

segregando

particular proteína

 

Empurras eficazmente

as minhas células

para a concha

dos teus neurónios

 

Deslizas

para mim. 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
   
 

Liame

 

As minhas poesias são

Horas de esquecimento…

 

Lugares

sagrados,

Templos.

 

São viagens pelo Universo

à volta do que eu penso em verso, ciúmes

de não poder viajar realmente

através dele…

 

Se alguém perguntar por que me fascino

com tantos mistérios d’astros e de cometas,

com tantas constelações e planetas,

repara apenas

através dos meus sentidos

como se eu não tivesse a mínima importância.

 

A minha ânsia

é desaparecer como meteoro fugaz

por entre as nebulosas de gás

e procurar outro Sol, nova distância

que me separe,

encontre e ame…

longe…livre…

Em liame!

 

(in Geometria, 1998) 

   
 

O teu olhar

 

O teu olhar é o mais

escala absoluta

Fechas as pálpebras

estranha ausência

ou saudades, esse vislumbre, esse

 

Atravessado três vezes por um denso

o teu olhar é o mais

 

brilhante

giratória grandeza abrupta

 

Perto ou longe já se incendeiam

partituras sós, o concerto exige

ao receber-te sempre, ó

 

Preparo

É hoje o teu regresso

noite urdida na radiante

 

Atravessando o céu

devolvendo a minha chuva.

   
 

Ainda

 

Ainda me desnudas no vento

sintagma das coisas

Ainda me constróis

 

Ainda me dizes mistério

Ainda me suplicas

Caminho

 

Ainda me susténs no árido

Non sense dos dias

 

Ainda me levas

pela láctea

Via do teu corpo

romeiro

   
 

A cena

 

Enquanto filmavas o rasto

havia campo

o Sol entorpecia as pernas

e eu caía sobre o verde

submergida

 

Os insectos eram pórticos

escapando vivíssimos das mãos

o lugar não negociava nada

Escaldavam linguagens

pouco ásperas

na passagem 

 

O catavento do teu rosto

guiava o candente

percurso dos olhos

por detrás das sombras

das pálpebras frias 

 

Tinha-te livre ouvindo

das águas correntes

pacificadas sílabas

Senti que partias nesse sentido

de haver espera

ou palavra extinta

 

Acreditava na alquimia

do teu espelho ovalado

 

Era aquela cuja cinza

não pesava no bosque

 

Era uma célula viva.

   
 

Deito o rio

 

Deito rio

Este território é um violento

e há um rouco

Tomei a liberdade

de não responder

Importava destapar

onde lavamos com sabão

a cidade

As silhuetas ainda ouvem

às vezes são pólvora

Urge

não ter território

É um nada todo o verso.

 

 

Marília Miranda Lopes nasceu no Porto, em Portugal. É professora do Ensino Secundário, escritora de canções e  poetisa. Publicou, até ao momento, Poesis em Oásis (poesia, 1994), Framboesas (Teatro, 1996), Geometria (poesia, 1998), O Escudo Invisível (Conto) Templo (poesia, colecção Tellus, nº10, 2003) e Duendouro – Era uma vez um rio… (Teatro, 2004) - Edições Afrontamento