CENA IV
Creonte entra
em cena no seu trono, a seu lado uma bicicleta.
CREONTE -
Soldado!...
SOLDADO
(Entrando a roer um osso exageradamente grande) - Cá estou eu, só me
falta palitar os dentes.
CREONTE -
Palita lá isso depressa!
SOLDADO -
Aqui?... À frente do rei?
CREONTE -
Bom, então sobe para cima da bicicleta do poder e executa as tuas
funções higiénicas num repente.
SOLDADO -
Posso mesmo?
CREONTE -
Claro.
SOLDADO -
Como sois generoso.
CREONTE -
Deixa-te de merdas e despacha-te!
O soldado
senta-se na bicicleta, pedala enquanto palita os dentes. Música de Erick
Satie.
HÉMON
(Entrando) - Outra vez?...
SOLDADO -
Se...nhor... foi o rex...
HÉMON -
Vai-te lixar, não falei para ti.
SOLDADO -
Desculpe lá. (À parte) Já agora fico mais um pouco na bicicleta do
poder... Oh!... Que prazer!
HÉMON
(Declamatório) - Infâmia!...
Pausa de
alguns segundos
CREONTE -
Ouve lá, isso é da peça?
HÉMON - Se
quiseres repito a deixa.
CREONTE -
Repete lá isso...
HÉMON - Só a
última sílaba?
CREONTE -
Poderás, ao menos, seguir as indicações do encenador?
HÉMON -
Pronto. Atenção; Infâmia!...
CREONTE - A
filha da pátria foi quem mo disse. Tu, meu filho, obedece.
HÉMON -
Nunca!...
CREONTE -
Capacho de mulheres...
HÉMON - Ela é
o meu sol.
SOLDADO (A
pedalar) - O sol quando nasce é para todos.
HÉMON - Ela é
o corpo e o espírito sempre presente nos meus sonhos.
CREONTE - Eu
dei uma ordem, as ordens são para se cumprir. Guardas!...
Entram os
guardas a gritar
CORO DOS
GUARDAS
- Tu és o meu
sol
Sol...
Sol... Sol...
CREONTE -
Matem aquela mulher, matem-na!...
CORO DOS
GUARDAS
- Que
mulher?...
Qual?...
Qual?... Qual?...
CREONTE -
Antígona!... Estúpidos, estou rodeado de estúpidos. Isto não é uma
corte, não é nada... Executem o que eu mandei!... Rápido! Ou querem que
eu...
SOLDADO
(Saindo da bicicleta) - Senhor!...
CREONTE - Que
queres tu agora?...
SOLDADO -
Posso dissertar? Dizer umas coisas que estão para aqui engasgadas?
CREONTE - Se
é só isso que queres...
SOLDADO - Não
sou eu quem a tem de estrangular?... É curioso como as coisas se passam
nestes tempos modernos, deixei o meu barco do outro lado do lago,
ensinaram-me a voar e pronto!... Cheguei e jantei consigo. É
incompreensível, não está certo... Então agora manda estes estranhos
executarem o que mais divertido se afigura a meus olhos?
CORO DOS
GUARDAS - Estranhos olhos? Nós?... Nós?... Nós?...
HÉMON - Meu
pai, não posso acreditar... Devo ter envelhecido muito. Quando tínhamos
vinte anos ela possuía um cavalo que nunca desejei, os meus desejos
foram sempre na direcção do seu corpo, dos seus cabelos...
CREONTE -
Chegou o momento de retocar o percurso das vidas.
SOLDADO - E
da maquilhagem. Caro Hémon tome este creme branco, ponha-se pálido como
convém nestas circunstâncias. A morte empalidece sempre os amantes... e
que tal umas lágrimas?... Também não ficavam mal.
Hémon
pinta-se, os guardas saem, o rei Creonte salta do seu trono rolante, o
soldado volta para a bicicleta.
HÉMON
(Pintando-se) - Bons dias, soldado.
SOLDADO
(Pedalando) - Bons dias, Hémon. Nós formamo-nos no meio de um ventre...
Agora veja como estou crescido.
HÉMON - É um
facto... Desde a casa do bosque até à escada de serviço toda a relva do
palácio está de pé.
SOLDADO - A
falta de Antígona...
HÉMON -
Antígona está presa; oh!... Eu sei como a encanta correr pelos bosques.
Queria convidar o notário, mas ele teima em não largar a cana de
pesca...
SOLDADO -
Creonte nunca o permitirá... A mim confiaram-me um garoto de seis anos,
perdi-o a noite passada.
HÉMON - Só há
uma solução...
SOLDADO -
Vamos procurá-lo?
HÉMON -
Espera!... sinto algo inexplicável... algo, assim como... sei lá como!
Entendes?
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