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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 16
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UM
Literatura de “Praia” e
Literatura “Académica”
Um dos fenómenos mais
interessantes das últimas décadas no mundo da Literatura tem sido,
inegavelmente, o dos “best-sellers”, verdadeiros “mastodontes”, quer
seja no tamanho de cada exemplar, nos inúmeros volumes que se seguem ao
sucesso inicial, nas promoções feitas em todos os meios de comunicação,
nas inevitáveis - e geralmente deturpadas - adaptações para cinema, ou
no número “obsceno” de vendas, que até em Portugal causam sensação;
enfim, a denominação de fenómeno que se usa porque sugere “histeria de
massas”, algo que terá a ver com a camada inculta da população, que
prefere a cultura descartável, na moda e pouco difícil de apreender. |
EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Contacto:
revista@triplov.com |
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GASPAR GARÇÃO
LIVROS,
CINEMA E MÚSICA
TRÊS OLHARES |
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A distinção entre “Alta
Cultura” e “Baixa Cultura”, geralmente feita pelos entendidos como sendo
o entretenimento de elites e o entretenimento de massas, nada tem de
científico, mas poderá começar a perceber-se através das categorias em
que – subjectivamente – são alinhadas.
À Pintura Clássica ou dos
Mestres, à Música Clássica, à Ópera e ao Cânone Literário estudado nas
universidades, sem esquecermos o cinema de autor e os apelidados de
“Filmes de Qualidade”, contrapõe-se na Baixa Cultura o comercial, o
vendável, o instantâneo, as super-produções de Hollywood e os tão mal
afamados “best-sellers”, a música pop e a Geração MTV, as séries de T.V.
e a banda desenhada para “fanáticos”, a ideia de que se está a vender
algo, que além de ser de pouca qualidade fará inevitavelmente no futuro
com que o Coeficiente de Inteligência dos seres humanos baixe para
níveis assustadoramente “americanizados”.
O interessante, a meu ver,
nesta discussão útil, é que indiscutivelmente o Tempo é o grande
nivelador, o grande árbitro em matérias de gosto e a não ser que a
extrapolação futurista dos críticos na moda e das “eminências pardas” da
cultura anglo-saxónica seja dum nível Nostradamiano, as suas “sentenças”
serão apenas conjecturas baseadas no seu gosto pessoal, nos géneros
artísticos em voga e nos seus desejos pessoais de influenciar a “grande
corrente” cultural do mundo ocidental. |
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E se mais provas forem
necessárias em relação à importância do passar dos anos e das modas na
asserção da qualidade cultural, basta lembrarmo-nos da forma como a
“Opera Buffa”, as obras-primas de Shakespeare e o cinema dos
“nickelodeons” eram vistos no início destas manifestações culturais:
como um gosto abjecto, das classes populares mais baixas e pouco
instruídas, os primeiros locais a fechar quando ocorriam epidemias e
geralmente proibidas de tempos a tempos pelo seu carácter popular,
revolucionário e contra as elites instituídas.
E voltando ao início desta
crónica e aos “livros de hipermercado”: se o facto do meu gosto pessoal
se inclinar mais para os geniais romances que li ultimamente, adquiridos
por acaso em heróicas livrarias que teimam em remar contra a maré, como
por exemplo “Kafka à Beira-Mar”, de Haruki Murakami, “2666”, de Roberto
Bolano e a trilogia póstuma “Millenium”, de Stieg Larsson, é impossível
negar o facto de que estes livros, que acredito irem perdurar muitos
anos na mente de quem os leu – e talvez até um dia atinjam a suprema
honra de subir ao panteão dos estudos literários, para uma dissecação
impiedosa, – se terem encontrado nos tops portugueses e mundiais com
obras dos inevitáveis Nicholas Sparks, Stephenie Meyer, Isabel Allende,
Dan Brown e J.K. Rowling, entre muitos outros.
E quem nos poderá garantir
quais os romances, filmes, discos ou quadros que farão parte do
imaginário popular das gerações vindouras e do tesouro cultural da
humanidade, os ícones que sobreviverão a um hollywoodesco fim do mundo
tal como o conhecemos, um cenário saído do filme “Planeta dos Macacos”?
Eu certamente não me
abalizarei a fazer tal previsão à “Zandinga”, lembrando-me do ódio
figadal que tinha – juntamente com muitos amigos da mesma geração –, por
dois prodígios de vendas de anos idos, Gabriel García Márquez (ainda que
nobelizado, na altura por muitos considerado um fenómeno de “massas”
perecível) e Patrick Suskind, dois romancistas admiráveis e
fundamentais, que demorei a conhecer e que agora são imprescindíveis nas
minhas releituras anuais, desde “O Perfume” e a “Crónica de uma Morte
Anunciada” até ao “Amor em Tempos de Cólera” e “A Pomba”, ódio ridículo
esse que começou porque no Verão de 1993 eram incontáveis os passageiros
no comboio para Coimbra a “devorarem” os seus livros e eu futilmente
prometi a mim próprio que nem sequer as primeiras páginas iria
espreitar… |
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DOIS
Woody Allen:
“ménage à trois” com sabor catalão
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O que é que faz de Woody Allen, 40 anos depois do inicio da sua
carreira, ainda um dos cineastas mais “frescos”, ousados e brilhantes do
actual panorama cinematográfico?
Será porventura a vontade de se reinventar a si próprio como
realizador, em criar situações, personagens e enredos originais, mas
também é a irónica revisitação de clichés e personagens-tipo da sua
obra, como fez em “Stardust Memories/Recordações”, de 1980, em que os
fãs constantemente lhe diziam: “. Gostávamos muito era dos seus filmes
iniciais, os cómicos…”.
Esta “inquietação” artística e fílmica são características que
fazem com que Allen seja um dos realizadores contemporâneos mais
surpreendentes, prolíficos e com um “olho” espantoso para actrizes
magnéticas e camaleónicas (depois das divas Diane Keaton, Mia Farrow e
Dianne Wiest, segue-se agora a subvalorizada Scarlett Johanson), o que
se verifica mais uma vez de forma perfeita em “Vicky Cristina
Barcelona”, que retira o seu título dos nomes das duas protagonistas e
também do da deslumbrante Cidade-Condal, uma personagem por mérito
próprio.
O seu penúltimo filme (entretanto estreou “Whatever Works”, um
regresso à sua Nova Iorque), é um delicioso e irreverente retrato do
amor no estrangeiro, das paixões e abismos que se escondem no mais
insuspeito dos corações, na mais sólida das relações.
É uma reflexão adulta mas generosa sobre o amor, o seu verdadeiro
significado, a partilha, o ciúme, a arte e a inspiração, a ânsia de
criar, de ir contra os espartilhos da sociedade, a norma, o
conformismo...
Nota-se nas personagens e na trama a influência de Barcelona no
cineasta, com as esfusiantes paisagens catalãs e as sumptuosas e
surrealistas obras arquitectónicas de Gaudí a levarem as jovens turistas
americanas a modificar as suas percepções da vida, e a cometerem actos
românticos impensáveis numa qualquer cidade americana.
Como em anteriores obras de Allen, nada é o que parece em termos de
relações, e desenrola-se durante o filme um jogo de olhares e toques, de
paixões súbitas e recuos, de arrependimentos, de descobertas amorosas e
sexuais que culminam num escaldante “ménage à trois” entre Juan (Javier
Bardem), Cristina (Scarlett Johanson) e Maria Elena, a deslumbrante
Penélope Cruz, num papel almodovariano feito à sua medida, dois anos
depois do seu brilhante papel em “Volver”.
É nas cenas entre Cruz (merecido Óscar de Melhor Actriz Secundária
pelo seu papel) e Bardem que o filme brilha mais intensamente, com o par
de actores espanhóis a transportarem para o ecrã uma química evidente,
um misto de lascívia e charme, de ameaça latente e de desvarios.
Mas o prazer do filme está na viagem das personagens (e do
espectador) à descoberta de si próprias e da Espanha, um passeio
mirabolante, erótico, cheio de tentações para os sentidos, através de
cores, sons, paisagens, cheiros, sabores, experiências “latinas” que no
final, surpreendentemente, se traduzem num regresso ao “status quo” do
inicio, todas as personagens terminando o filme na mesma situação
emotiva em que o iniciaram.
Excepto, claro, nas mudanças interiores e que não estão à
superfície...
Os “retratos” das duas personagens principais é uma das vertentes
mais fascinantes para o espectador versado na filmografia de Allen, com
a surpreendente Rebecca Hall (Vicky) como a revelação do filme, um misto
de sensualidade e fragilidade, a personagem mais humana e mais
“completa”, que começa o filme como uma intelectual ambiciosa e
sensível, mas espartilhada pelas convenções, facto que se vai
descobrindo à medida que o filme se desenrola, com um noivo obcecado
pelo casamento e pela vida moderna. Scarlett Johanson têm talvez o papel
mais complexo e matizado das suas recentes colaborações com Woody Allen
(depois do brilhante “Match Point” e de “Scoop”), uma jovem “presa” no
turbilhão emocional da vida, com uma ânsia urgente e rebelde de criar
algo artístico (no seu caso, a fotografia), mas sem saber bem o que
quer, apenas o que NÃO quer…
Outras áreas em que o filme se destaca são a realização elegante de
Allen, com o já habitual método da câmara “semi-invisível”, de forma
natural deixando à interacção entre os actores e os diálogos o palco
principal, a belíssima fotografia de Javier Aguirresarobe, nada
convencional e muito longe do simples “retrato postal”, assim como a
banda sonora, com a sensual e cativante guitarra flamenca de Emílio de
Benito numa cena do filme em Oviedo, que nos remete de novo para o
universo de Almodôvar e o filme “Fala com Ela”, além dos excertos de
obras de Paco de Lucía e Isaac Albéniz (uma novidade na obra deste
realizador, que geralmente utiliza clássicos americanos de jazz e
blues).
“Vicky Cristina Barcelona” é mais uma obra-prima de Woody Allen,
que em futuras visões irá decerto deleitar ainda mais o espectador
habituado às angústias e às torturantes e estranhamente cómicas vidas
dos personagens Allenianos, um adjectivo mais que merecido para um
realizador genial, que retira da banalidade do dia-a-dia e do
convencional algo de profundamente belo e duradouro.
*
Cineasta da metrópole nova-iorquina por excelência, Allan Stewart
Konigsberg nasceu em 1935 em Brooklyn, Nova Iorque.
Iniciou a sua carreira no mundo do “show business” aos 15 anos,
escrevendo piadas para os jornais, começando depois a trabalhar para
outros comediantes, seguindo-se um breve período como “stand-up
comedian” e dramaturgo de sucesso.
Realizou a primeira de mais de 40 longas-metragens em 1969, o filme
“O Inimigo Público nº1”.
Depois de um inicio como realizador em que predominam as comédias
de tom mais burlesco e “leves”, como “Bananas” (1971), “O ABC do Sexo”
(1972), “O Herói do Ano 2000” (1973) e “Nem Guerra nem Paz” (1975), no
final dos anos 70 Allen desenvolveu um registo mais diversificado,
alternando entre sátiras, obras existencialistas e de humor negro, e
filmes devedores das tragédias gregas e do universo fílmico do mestre
sueco Ingmar Bergman, com análises e dissecações impiedosas da “psyche”
humana.
Nomeado 21 vezes pela Academia de Hollywood, 14 como Argumentista,
6 como Realizador, e 1 como Actor Principal, Woody Allen venceu o Óscar
de Melhor Realizador e Melhor Argumento Original em 1977, com a
obra-prima “Annie Hall”, relato agridoce de uma relação atribulada, que
ainda recebeu os galardões de Melhor Filme e de Melhor Actriz Principal
(Diane Keaton). Outra das suas grandes obras, “Ana e as Suas Irmãs”, um
mosaico de relações tempestuosas e traições, valeu-lhe em 1986 novo
Óscar para Melhor Argumento Original, tendo ainda Michael Caine e Dianne
Wiest recebido os Óscares de Melhor Actor e Actriz Secundária,
respectivamente.
Da sua vasta filmografia, destacam-se do registo mais
sarcástico/retratos da condição humana, além dos já mencionados, também
os filmes “Mannathan” (1979), “Zelig” (1983), “A Rosa Púrpura do Cairo”
(1985), “Os Dias da Rádio” (1987), “Balas sobre a Broadway” (1994, Óscar
de Melhor Actriz Secundária para Dianne Wiest), “Poderosa Afrodite”
(1995, Óscar de Melhor Actriz Secundária para Mira Sorvino), “As Faces
de Harry” (1997) e “Através da Noite” (1999).
Dos filmes mais bergmanianos, destacam-se “Uma Outra Mulher”
(1988), “Crimes e Escapadelas” (1989), “Maridos e Mulheres” (1992),
“Melinda & Melinda” (2004) e “Match Point” (2005). |
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Mickey Rourke: Queda e Ascensão de um Actor |
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Mickey Rourke, nos anos 80 apontado como um dos actores mais
promissores, talentosos e elegantes da sua geração, herdeiro do carisma
e da magnética presença no ecrã de ídolos como James Dean e Marlon
Brando, têm tido ao longo dos anos uma carreira acidentada, cheia de
altos e baixos que reflectem a sua vida.
O seu mais recente filme, “O Wrestler”, catapultou-o de novo para a
ribalta, com uma prodigiosa interpretação, que lhe valeu inúmeros
prémios, entre os quais o Globo de Ouro e o Bafta, e ainda a sua 1ª
nomeação para os Óscares.
Esta obra de Darren Aronosfsky, responsável anteriormente pelos
filmes “Pi”, “Requiem for a Dream – A Vida Não é um Sonho” e “The
Fountain – O Último Capítulo”, transforma a imagem de marca do
realizador, de argumentos complexos e vagueando entre a Fantasia e a F.
Científica, com efeitos elegantes e pirotécnicos, numa história linear,
contada sem os seus "flashbacks" habituais, um filme aparentemente
simples e sem embelezamentos – filmado à mão e com um tom granulado a
fazer lembrar os filmes dos anos 70 de Scorsese e Coppolla – mas que
esconde no seu âmago, tal como a personagem interpretada por Rourke, uma
profundidade e uma complexidade que se perdem à primeira vista (e
primeira visão).
O argumento do filme têm imensos paralelismos com a própria
carreira do actor, que depois de um início promissor nos anos 80, com
interpretações de grande qualidade e aceitação crítica em filmes como
“Adeus, Amigos”, “Rumble Fish – Juventude Inquieta”, “O Ano do Dragão”,
“Barfly – Amor Marginal” e “Angel Heart – Às Portas do Inferno”, sofreu
nos anos 90 e início do Século XXI um "calvário", tanto a nível pessoal
como profissional, desde o divórcio da sua mulher, por razões de
violência doméstica, o consumo desenfreado de álcool e drogas, até ao
comportamento errático no “set” dos filmes, o que levou alguns críticos
a considerar a sua performance e o seu “realismo” como um reflexo destes
anos de “perdição”. Todos estes paralelismos parecem fazer sentido,
tanto mais que o próprio actor os menciona em entrevistas – à revista
“Uncut”, depois do lançamento do filme, referiu que “é tudo sobre a
solidão. Vivi em solidão durante anos… Estive fora de controle, fora de
forma, fora da minha mente… Mas agora percebo que há consequências para
as acções que tomamos. Ainda tenho um grande caminho a percorrer…”
–, e se apoiam em factos incontornáveis: os anos de glória de Randy
coincidem com os do próprio Rourke, o actor reescreveu partes do
argumento, principalmente as intensas e dramáticas cenas com a sua filha
e o pungente discurso final. Mas será que este filme poderá apenas ser
reduzido a uma “sessão de terapia” em celulóide, uma performance onde
Rourke catalisa as memórias dos seus “anos perdidos”?
A sua personagem, Randy “The Ram” Robinson, embora esteja longe do
seu período áureo, danificado de corpo e alma, e cometa algumas
"indiscrições" – as várias lesões, o seu grave problema cardíaco, a
promiscuidade e uso de drogas da personagem espelham os conturbados anos
90 do actor –, recusa-se a abandonar o ringue e o seu cada vez menor,
mas fiel público, mantendo sempre a sua dignidade e carisma, tentando
corrigir os erros do passado, funcionar como um elemento útil de uma
sociedade que não (o) compreende, procurando uma relação estável com a
stripper Cassidy (Marisa Tomei, noutra interpretação cativante), que tal
como ele necessita de alguma estabilidade na sua vida, também está longe
dos seus anos de “sucesso” (o corpo, sempre o corpo e o fútil a limitar
os sonhos e as ambições das personagens) …
Randy é uma personagem “larger than life”, um Rocky Balboa para o
público dos anos 80 e 90, que cresceu com a música e a moda promovidas
pela MTV e pelo consumo de massas, fascinados por uma década de 80 que
passou de “pirosa” a kitsch, e que é aqui recordada através de roupas –
o vestuário de Randy ao longo do filme é completamente despojado, calças
de ganga coçadas e casaco remendado –, acessórios e uma banda sonora com
sons icónicos da época (Guns ‘n’ Roses, Scorpions), etc, além do bem
retratado universo do Wrestling, com a arrogância e bravata
características dos seus lutadores, mas também com a sua camaradagem e
os códigos de masculinidade a que os lutadores se agarram, uma
comunidade solidária e que parece não se aperceber da imagem
aparentemente ridícula, falsa e hipócrita que transmite a quem não
esteja por dentro do “segredo”, onde se leva a sério o que é
evidentemente fingido, uma “ilusão colectiva” que é compartilhada pela
audiência no ringue – e por extensão pela audiência do cinema, que sabe
que tudo o que está a ver é também “fingido”...
Mas é nos paralelismos com o sacrifício crístico, e com a morte
pela redenção dos pecados, que o filme atinge o estatuto de verdadeira
obra-prima. Tal como é mencionado no início do filme, a propósito do
“sádico” “A Paixão de Cristo”, Jesus aguentou tudo o que os romanos lhe
fizeram, e Randy aguenta da mesma forma tudo o que lhe aconteceu desde a
sua “Queda”, o confrontar-se com as suas traições e tentativas falhadas
de perdão, as traições que imagina nos outros, a busca de um significado
para a sua vida e a tentativa de contacto, de intimidade, de empatia com
alguém, que no entanto, Randy recusa perto do final, substituindo uma
possível relação com Cassidy pela adulação/adoração do seu público, que
é tudo para ele, com quem se sente seguro. Aquando da entrada de Randy
no ringue para a derradeira luta, apercebemo-nos que este controla
totalmente o seu microcosmos, é uma figura icónica, dominante, mítica...
O filme culmina num confronto final, o seu momento de
Glória/Sacrifício, em cima das cordas, de pé e de braços estendidos,
como um Cristo na cruz, preparando-se para o seu característico golpe,
saltando para o tapete e para cima do seu adversário, com a sua mais que
provável morte a diluir-se num "fade-out" que nos remete para a
belíssima canção homónima de Bruce Springsteen, um portentoso final que
nos deixa surpreendidos e sem fôlego, embora no fundo saibamos que
chegou ao fim o reinado de Randy “The Ram” Robinson, o lutador que nunca
será esquecido pelos seus fãs…
*
Nascido em 1952 em Nova Iorque, com o nome de Philip Andre Rourke,
mudou-se ainda criança para a Florida, onde começou a actuar em peças
liceais. Regressou a N. Iorque na sua adolescência, para ter aulas
privadas com professores do famoso “Actor’s Studio”, depressa
enveredando por uma carreira amadora no Boxe, uma das suas outras
paixões.
Além dos filmes mencionados anteriormente, nos seus anos de “ouro”,
outro papel a que não se pode escapar quando se menciona uma biografia
de Rourke, embora manifestamente inferior na sua filmografia, é o êxito
de bilheteira e o fenómeno “Nove Semanas e Meia” (1986), que o
catapultou e à sua co-estrela, Kim Basinger, para a fama e para um papel
de sex-symbol, que nunca lhe agradou.
Nos anos 90, Rourke optou por seguir a carreira de boxeur
profissional, o que lhe provocou várias lesões e o deixou desfigurado,
tendo sido necessárias uma série de cirurgias plásticas, que no entanto
o tornaram irreconhecível. Além de alguns projectos de pouca
importância, filmes saídos directamente para DVD e alguns argumentos e
projectos pessoais, destacam-se apenas pequenos mas carismáticos papéis
em filmes como “O Poder da Justiça” (1997), “Escola para Criminosos”
(2000), “A Promessa” (2001) e “Homem em Fogo” (2004).
A 1ª e bem sucedida tentativa de “comeback” conseguiu-a em 2005 com
o papel de Marv, no filme “Sin City”, que lhe valeu vários prémios.
Depois da interpretação de Randy “The Ram” Robinson, o regresso à elite
de Hollywood parece garantido, embora com o comportamento anárquico e
imprevisível de Rourke nunca se possa garantir esse facto. Planeados
para 2010 estão papéis em filmes de grande orçamento, como a sequela de
“Iron Man”, e o filme “The Informers”, baseado no romance homónimo de
Bret Easton Ellis. |
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TRÊS
O
Regresso dos “Rebeldes”
Parte 1
Num mundo musical dominado pelo Rock e pela Pop, e cada vez mais
fragmentado e esquizofrénico, refém de programas musicais para amadores,
concursos de popularidade e fenómenos virtuais passageiros, que usam e
abusam da publicidade, é reconfortante para o apreciador melómano da
música de qualidade saber que ainda existem resistentes ao ataque do
“mau gosto instituído”, monstros sagrados icónicos como Bob Dylan e Neil
Young, que continuam hoje em dia a lançar trabalhos de qualidade,
provando verdadeiro o adágio de que “velhos são os trapos”...
Robert Allen Zimmerman, mais conhecido como Bob Dylan, é
inquestionavelmente um dos artistas e compositores mais importantes da
história da música, que dispensa apresentações, tendo sido ainda
recentemente caracterizado pela conceituada revista “Time”, como “o
artista americano mais importante dos últimos 50 anos”.
São intemporais os álbuns e as canções que lançou nos anos 60, a
sua voz inconfundível fundindo-se com letras inspiradas e “reféns” do
universo folk de Woody Guthrie, que se reinventou como um músico
rebelde, inclassificável e devedor nesses anos fundamentais aos
surrealistas e aos poetas da “Beat Generation”. Depois dos hinos de
transformação e de protesto do início dos anos 60, indissociáveis do
movimento anti-guerra e da luta pelos direitos civis, como “Blowin’ in
the Wind”, “The Times They are A-Changin’” e “A Hard Rain’s A-Gonna
Fall”, dá-se a sua recusa em ser rotulado como o “profeta” da geração
hippie, e a sua "traição", na mudança da guitarra acústica para a
eléctrica, que está patente em canções auto-biográficas e surreais, como
“Like a Rolling Stone”, “Subterranean Homesick Blues” e “Just Like a
Woman”, um período fértil que produziu três dos mais geniais álbuns da
história da música, e em apenas dois anos: “Bringing It All Back Home”
(1965), “Highway 61 Revisited” (1965) e “Blonde on Blonde” (1966).
Nos anos seguintes, depois de um período de semi-exílio musical
devido a um grave acidente de mota, Dylan – com a ajuda dos seus
comparsas habituais de digressões, os membros dos The Band – continuou a
sua reinvenção e a sua deambulação por géneros e experiências musicais,
desde o regresso ao Folk, ao Country e às colaborações com Johnny Cash
(com quem regravou "Girl From the North Country", em 1969), até aos
álbuns seminais dos anos 70, lidando com o seu próprio divórcio e
diversas causas políticas e sociais, em “Blood on the Tracks” (1975) e
“Desire” (1976) – e as músicas "Shelter From the Storm", "Hurricane" e
"Oh, Sister" –, “vagueando” depois no final dos anos 70 por um período
religioso musicalmente linear, uns anos 80 em que perdeu por vezes o
rumo, atravessando uma crise de meia-idade artística, em constantes
digressões – embora lançando trabalhos irregulares, nessa época nunca
perdeu a parte fascinante e única do seu trabalho, destacando-se
"Infidels" (1983) e "Empire Burlesque" (1985). Dylan regressa em força
no final dos anos 80 e início dos 90, com “Oh Mercy” (1989), dois álbuns
de versões de blues e folk, e posteriormente dois registos fascinantes,
que o levaram de volta à ribalta, aos "braços" da crítica e aos prémios
musicais: “Time Out of Mind” (1997) e “Love and Theft” (2001), criando
clássicos "instantâneos" com "Lovesick" e "Not Dark Yet", e
confirmando-se como uma referência contemporânea imprescindível para
músicos tão talentosos como os White Stripes, Andrew Bird e Nick Cave,
por exemplo.
Em meados do novo século, Dylan lançou mais dois trabalhos de
originais, que algo surpreendentemente se tornaram um sucesso de vendas
global, um 3º fôlego que o tornou no músico mais velho a chegar ao
número 1 do top americano.
Depois de “Modern Times”, de 2006, chegou “Together Through Life”,
em 2009, o seu 33º álbum de originais, que nos mostra aos 68 anos de
idade um Dylan mais descontraído, embora sempre relevante nas suas
reflexões sobre a velhice, a vida e a morte, ao som do blues da sua
adolescência, uma paleta sonora que homenageia a mítica “Chess Records”.
Bob Dylan têm tido também uma carreira prolifica noutros campos,
com várias exposições de pintura na Europa e E. Unidos, um programa de
rádio temático, incidindo sobre os seus clássicos favoritos do blues,
soul e rock, que foi um sucesso de audiências, além das suas várias
contribuições para bandas sonoras, que lhe valeram em 2001 o Óscar e o
Globo de Ouro de Melhor Música Original, com a canção “Times Have
Changed”, do filme “Wonderboys/Prodígios”.
Dylan continua por tudo isto a ser uma figura dominante no
“espectro” cultural pós-moderno, quer através das compilações das suas
letras, que o levaram a ser várias vezes nomeado para o Prémio Nobel da
Literatura, ou da sua fascinante autobiografia, “Crónicas”, cujo 1º
volume saiu em 2004, e ainda as muitas colectâneas de raridades e álbuns
ao vivo do seu período áureo, compiladas na série “Bootlegs”, com vários
volumes desde os anos 90.
Se ainda mencionarmos todos os livros em que os críticos de música
tentam “dissecar” – geralmente sem conseguirem – a sua música e a sua
poesia, e os filmes e documentários sobre a sua vida e carreira – como o
magistral “No Direction Home”, de Martin Scorsese, de 2005, ou o filme
“mosaico” de Todd Haynes de 2007, “I’m Not There/Não Estou Aí”, em que
Dylan é retratado por 6 actores diferentes, num caleidoscópio de
retratos ficcionais, autobiográficos e oníricos –, facilmente se
compreende porque é que o jovem tocador de harmónica do Minnesota se
tornou um fenómeno e um ícone cultural, recipiente do Prémio Pulitzer,
do Polar (o Nobel da Música), e das condecorações culturais mais
importantes de países como a Espanha e a França, além de inúmero
doutoramentos “honoris causa” e da indução no “Hall of Fame” dos
artistas e compositores.
Mas Dylan, para além da fama, do sucesso e dos prémios, é acima de
tudo para os seus fãs, um poeta da música, um músico que usa a poesia de
uma forma transcendental e ímpar…
Na segunda parte deste “passeio” pelos universos musicais que
marcaram (e marcam ainda) gerações, falaremos de outro artista talentoso
e irreverente, que por vezes confunde os próprios fãs com a sua ânsia de
mudança e experimentação – mas é também muitas vezes incompreendido pela
crítica –, o genial, “rabugento” e iconoclasta Neil Young.
Parte 2
Depois de termos centrado a nossa atenção em Bob Dylan, o artista
“rebelde” em destaque no panteão musical é pois Neil Young, canadiano
nascido em 1945 na província de Ontário, um iconoclasta, experimentador
ousado e sensível, alguns dirão mesmo “casmurro”, que leva a sua avante
sem se preocupar com modas e vendas, um talentoso guitarrista e
compositor, que imprime às suas letras um cunho muito pessoal, num
universo lírico que gira à volta de preocupações políticas e sociais, o
"american way of life", carros, basebol, a cultura Nativo-Americana,
etc, inquestionavelmente a par de Dylan e Johnny Cash um dos músicos
mais importantes e influentes do final do século XX.
Esta breve recensão crítica sobre Neil Young será feita em duas
partes, tamanha é a sua qualidade e produtividade musical (e não só).
Young iniciou a sua carreira no início dos anos 60 no Canadá, em
bandas convencionais, emigrando depois para os E. Unidos, formando os
The Buffalo Springfield (1966-68), onde começou a sua já longa e
atribulada viagem musical pelos meandros da cultura pop americana. Nos
B. Springfield, um dos grupos mais importantes da época, iniciou uma
tensa e rica colaboração com Stephen Stills, compositor de “For What
it’s Worth”, de 1967, ainda hoje o hino da contracultura e da geração
hippie, mantendo-se relevante no imaginário das gerações seguintes
através de aparições em bandas sonoras de filmes, como “Forrest Gump”,
até às incontáveis versões de dezenas de grupos. Dessa época, são também
as primeiras composições fundamentais de Young, como “Mr. Soul” e “I Am
a Child”, ainda hoje parte do seu repertório ao vivo.
Depois de iniciar a sua carreira a solo com três brilhantes álbuns,
“Neil Young” (1969), “Everybody Knows This is Nowhere” (1969, o primeiro
álbum com a sua fiel e talentosa banda, os Crazy Horse, e um dos seus
melhores registos, com canções tão intemporais como “Cinnamon Girl”,
“Down By the River” e “Cowgirl in the Sand”), e “After the Goldrush”
(1970, onde lança uma violenta acusação ao racismo instituído nos
estados sulistas, com “Southern Man”), Young abriu um dos capítulos mais
importantes na sua carreira, juntando-se ao grupo mais popular, crítica
e comercialmente, da época, os Crosby, Stills & Nash, formado a partir
de ex-membros dos The Byrds, dos B.Springfield e dos The Hollies, que
depois de um magistral álbum homónimo em 69, entraram na memória
colectiva de uma geração após a sua actuação deslumbrante em Woodstock,
onde tocaram juntos apenas pela segunda vez. A mescla de harmonias
sofisticadas, composições delicadas e letras socialmente interventivas,
apenas igualadas pelos quatro egos, tão enormes e indomáveis como o seu
talento conjunto, levaram a uma das obras-primas dos anos 70, “Déjà Vu”
(1970), onde Young “apresenta” aos colegas uma das suas canções mais
marcantes, “Helpless”, sobre a sua terra natal.
“Déjà Vu”, “Four Way Street” (ao vivo) e “Ohio” (single de 1970,
sobre o massacre de estudantes na universidade americana de Kent, às
mãos da polícia, escrita por Young e Stills num dia), foram marcos de
vendas e de sucesso crítico, os primeiros e mais compensadores capítulos
de uma saga que já passou por zangas épicas, desintoxicações, álbuns
ocasionais longe do fulgor de outrora e digressões com muito sucesso, e
que ainda hoje continua em força (em 2008 saiu o polémico
álbum/documentário ao vivo “CSNY/ Déjà Vu Live”, realizado por Young,
que curiosamente incide mais sobre músicas anti-Bush, que sobre os
clássicos do quarteto). O trio CS& N está actualmente a gravar um disco
de versões, com o produtor Rick Rubin, que “ressuscitou” as carreiras de
Johnny Cash e Neil Diamond.
Continuando este período artisticamente fértil, Young lançou o
álbum de maior sucesso da sua carreira, “Harvest” (1972, juntamente com
o single “Heart of Gold”, chegou ao topo das vendas nos E.U.A.), a que
se segue a chamada “Doom Trilogy/Trilogia do Desespero”, com os álbuns
“Time Fades Away” (1973), “On the Beach” (1974) e “Tonight’s the Night”
(1975), reflexões negras e adultas sobre o sucesso, a mortalidade,
envoltos por um tema de inevitabilidade e de tragédia, pessoais e
brilhantes, mas também fruto de uma época de instabilidade e desvios,
que culminou com a morte por overdose de um dos seus guitarristas (a
composição “The Needle and the Damage Done”, o seu libelo anti-drogas, é
sobre uma perda à espera de se dar). A este período mais sombrio,
segue-se outro musicalmente brilhante e enérgico, de rock inadulterado e
seminal, que irá até ao início da década de 80, destacando-se os álbuns
“Zuma” (1975) e “Rust Never Sleeps”, de 1979, e as músicas “Like a
Hurricane” (um dos seus "hinos" ao vivo), “Hey, Hey, My, My (Into the
Black), cujos versos “it’s better to burn out than to fade away”, foram
usadas pelo cantor Kurt Cobain na sua nota de suicídio, anos depois, e
“Pocahontas”, que retrata o seu fascínio e admiração pelo mundo e a
cultura em extinção dos nobres índios americanos.
A década de 80 foi para Young um período de grande turbulência
pessoal, de experiências (a exemplo de muitos dos seus contemporâneos),
no mundo da electrónica, do rockabilly e do jazz, de deriva musical e de
regressos pouco inspirados às suas origens country e folk, destacando-se
apenas momentos de interesse em alguns álbuns (“Trans”, em 1982, em que
usa um distorcedor de voz, pensado como uma forma de aproximação e
comunicação com o seu filho, com deficiências motoras, "Old Ways", de
1985, etc).
O final da década viu Young regressar para o que podemos considerar
o seu 2º grande fulgor criativo (depois da década de 70), mostrando
nessa época a razão porque é considerado uma influência maior para
bandas como os Nirvana, Radiohead e Pearl Jam, tendo até sido
considerado o “Padrinho do Grunge” (em 1989 foi lançada uma fundamental
compilação de homenagem à sua obra, “The Bridge”, com versões inspiradas
de grupos como Nick Cave, Pixies, Flaming Lips, Sonic Youth, Dinossaur
Jr, entre outros). O hino anti-opressão “Rockin’ in the Free World”, de
1989, o genial “Harvest Moon” (1992) e o subsequente e intimista “MTV
Unplugged” (1993), “Sleeps with Angels” (1994, homenagem/reflexão sobre
a perda e a tragédia do suicídio de Kurt Cobain, músico que muito
admirava), “Mirrorball” (1995, em conjunto com os Pearl Jam de Eddie
Vedder), marcam um período que significou o regresso à ribalta de um
músico insaciável, experimentador e inovador, sempre em busca da
"alquimia" musical...
A seguir, concluiremos esta breve recensão da carreira de Neil
Young, com uma descrição do final da década de 90 e do que tem sido o
novo século para este músico sempre insatisfeito, além de espreitarmos
as suas aventuras pelos universos extra-musicais, desde o trabalho em
várias beneficências criadas por si, até ao mundo do cinema e das novas
tecnologias, passando por diversas causas sociais e políticas.
Parte 3
Deixámos Young em meados dos anos 90, um período musicalmente
fértil para o cantor. No entanto, o final da década de 90 foi mais uma
vez uma época de experimentalismos e “tiros no pé”, um padrão que parece
recorrente na sua carreira. A falta de inspiração e variações sobre o
mesmo tema, mesmo assim não escondem alguns pontos altos e ideias
originais, como “Let’s Roll”, homenagem às vítimas do 11 de Setembro de
2001, o álbum “Are You Passionate?”, de 2002, incursão bem-intencionada
pelo mundo da soul com os míticos Booker T. & the MG’s, e “Greendale”,
de 2003, uma ópera rock ecológica ambiciosa, que dividiu os críticos.
Antes de analisarmos a produção recente de Young, destacaremos
brevemente os seus outros interesses extra-criação musical, dos quais se
destacam o papel preponderante que teve na criação de várias
beneficências nos anos 80: a “Farm Aid”, de apoio aos agricultores
americanos, que todos os anos realiza um concerto, sempre com grandes
nomes da música americana, e a “The Bridge School”, de apoio a crianças
com deficiências mentais e epilepsia (Young tem um filho que sofre da
primeira maleita, e ele próprio sofre da segunda), que também realiza
anualmente um concerto de recolha de fundos. Young mantêm também um
papel bastante activo e vocal em questões sociais, ecológicas e
políticas, tendo sido muito crítico das políticas bélicas de George W.
Bush, o que levou alguns congressistas a levantar a possibilidade de
Young ser expulso do país, ele que nunca renunciou à nacionalidade
canadiana, além de ter sido um apoiante de primeira hora de Barack
Obama.
Em termos cinematográficos, além dos cinco filmes realizados por
si, todos projectos muito pessoais e “sui generis” que assina com o
pseudónimo de Bernard Shakey - “Journey Through the Past” (1973,
reminiscência/documentário sobre a sua, na altura breve, carreira),
“Rust Never Sleeps” (1979, concerto ao vivo, com elementos fantásticos e
surrealistas apropriados do universo de “Star Wars”, lançado depois ao
vivo como “Live Rust”), “Human Highway” (1982, em conjunto com membros
dos Devo, uma comédia/fábula ecológica), e os já mencionados “Greendale”
(2003) e “CSNY/ Déjà Vu Live” (2008) - destacam-se a canção
“Philadelphia”, que compôs para o filme homónimo de Jonathan Demme, e
que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Canção, e a sua
original banda sonora para o filme “Homem Morto”, de Jim Jarmush, com
Johnny Depp e Gregory Peck, uma revisitação pós-moderna ao universo
americano dos Westerns.
Dos seus muitos filmes de concertos ao vivo, destacam-se dois de
realizadores consagrados: “Ano do Cavalo”, de Jarmush, que relata
brilhantemente a digressão com os Crazy Horse em 1996, contendo ainda
imagens de arquivo de 20 anos antes, e “Heart of Gold”, de Jonathan
Demme, gravado no prestigiado Ryman Auditorium, em Nashville,
Tennessee. Recentemente, foi lançado outro projecto com Demme,
acompanhando a sua digressão de 2007, “Neil Young Trunk Show”.
Para além de todas estas actividades e filmes, o projecto mais
ambicioso de Young, e que já o ocupa há mais de 20 anos, é o lançamentos
dos seus “Arquivos” (que viram finalmente a edição do seu 1º volume, de
1963 a 1972, há poucos meses, com os próximos a seguirem-se num ritmo
esperemos que mais célere), consistindo em 8 CDS e 1 DVD, de demos,
músicas ao vivo, remisturas e inéditos, além de concertos integrais do
seu início de carreira, no formato CD, DVD e Blue-Ray, segundo ele o
futuro da música, que permite variados conteúdos alternativos e
adicionais, e a razão pela qual esperou tanto tempo por este lançamento,
que já se tinha tornado “mitológico” na indústria da música e nas
expectativas dos seus fãs.
Finalmente, um breve olhar sobre o 3º período de grande fulgor
artístico de Young, prova de que este “trapo resmungão” ainda não está
“velho"…
Depois de lhe ter sido detectado um aneurisma cerebral em 2005,
Young decidiu gravar num espaço de semanas um novo álbum (a operação,
que o poderia ter deixado incapacitado ou pior, foi um sucesso),
“Prairie Wind”, um regresso às origens ancestrais e uma homenagem ao seu
pai, novelista e jornalista desportivo recentemente falecido, num
registo elegíaco. Seguiu-se em 2006 um projecto ainda mais imediato,
gravado num mês, o polémico “Living with War”, álbum temático e violento
anti-Bush e Guerra do Iraque, que ganha com a imediatez, a
espontaneidade, a sinceridade e a força da mensagem, mas que está
condenado a ficar musicalmente datado. Em 2007, lança inesperadamente
“Chrome Dreams II”, a suposta continuação de mais um dos seus famosos
“álbuns perdidos”, uma potente mescla de composições antigas de vários
minutos ao seu estilo, e novas músicas, reminiscentes dos seus tempos
nos anos 70 com os Crazy Horse.
Em 2009, surgiu outro álbum temático, surpreendente, que teria tudo
no papel para ser um fracasso, mas que é de uma riqueza e de uma energia
musical admiráveis para um músico de 64 anos, “Fork in the Road”, sobre
uma das suas paixões, as energias alternativas e os carros eléctricos,
com os vídeos deste disco a serem filmados apenas consigo e por si, à
mão, de forma artesanal, dentro do seu precioso “LincVolt”, e colocados
sem aviso no seu MySpace oficial.
Concluindo esta digressão, é um facto inequívoco que Neil Young,
músico já eleito duas vezes para o “Rock’n Roll Hall of Fame” (a solo e
com os Buffalo Springfield), continua irreverentemente a desbravar
caminhos novos, musicalmente e não só, usando as novas tecnologias
disponíveis na internet de uma forma original (merchandising, iTunes,
MySpace, etc), continuando para deleite e aclamação dos seus fãs (talvez
os mais pacientes e compreensivos no mundo da música), a fazer extensas
digressões musicais (passou em 2008 por Portugal, no festival Alive),
regressando sempre à Califórnia, ao seu rancho “Broken Arrow”, comprado
em 1970, para aí continuar a fazer o que melhor sabe e verdadeiramente
lhe interessa, compor canções…
Gaspar Garção |
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Gaspar Garção (1974) - Portalegre,
Portugal.
É actualmente o Relações Públicas do Centro de Artes de Portalegre,
sendo igualmente tradutor e editor da sua Agenda Cultural. Colaborador e
Editor da revista cultural Pormenores e membro do Cineclube da Escola
Superior de Portalegre, onde estuda no curso de Jornalismo e
Comunicação. Tem também colaborado no TriploV e Agulha Hispânica. Possui
o curso Técnico de Biblioteca e Documentação, trabalhou em várias
livrarias e na Biblioteca Municipal de Portalegre e estudou na
Universidade de Coimbra, no curso de Línguas e Literaturas Modernas,
Variante de Estudos Portugueses e Ingleses. Foi colaborador do Cineclube
de Guimarães, do Centro de Estudos Cinematográficos da Universidade de
Coimbra e da Associação Cultural Prometeu, onde programou festivais de
cinema mudo e música ao vivo, tendo ainda vasta experiência em programas
culturais radiofónicos, além de larga participação no associativismo
como Director Desportivo em vários clubes de futebol. Conta vários
trabalhos publicados sobre cinema, nomeadamente science-fiction.
Contacto:
ggarcao@hotmail.com |
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