REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 16

 

 

 

 

UM 

Literatura de “Praia” e Literatura “Académica”

Um dos fenómenos mais interessantes das últimas décadas no mundo da Literatura tem sido, inegavelmente, o dos “best-sellers”, verdadeiros “mastodontes”, quer seja no tamanho de cada exemplar, nos inúmeros volumes que se seguem ao sucesso inicial, nas promoções feitas em todos os meios de comunicação, nas inevitáveis - e geralmente deturpadas - adaptações para cinema, ou no número “obsceno” de vendas, que até em Portugal causam sensação; enfim, a denominação de fenómeno que se usa porque sugere “histeria de massas”, algo que terá a ver com a camada inculta da população, que prefere a cultura descartável, na moda e pouco difícil de apreender.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
Contacto: revista@triplov.com  
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GASPAR GARÇÃO

LIVROS, CINEMA E MÚSICA

TRÊS OLHARES

                                                                  
 

A distinção entre “Alta Cultura” e “Baixa Cultura”, geralmente feita pelos entendidos como sendo o entretenimento de elites e o entretenimento de massas, nada tem de científico, mas poderá começar a perceber-se através das categorias em que – subjectivamente – são alinhadas.

À Pintura Clássica ou dos Mestres, à Música Clássica, à Ópera e ao Cânone Literário estudado nas universidades, sem esquecermos o cinema de autor e os apelidados de “Filmes de Qualidade”, contrapõe-se na Baixa Cultura o comercial, o vendável, o instantâneo, as super-produções de Hollywood e os tão mal afamados “best-sellers”, a música pop e a Geração MTV, as séries de T.V. e a banda desenhada para “fanáticos”, a ideia de que se está a vender algo, que além de ser de pouca qualidade fará inevitavelmente no futuro com que o Coeficiente de Inteligência dos seres humanos baixe para níveis assustadoramente “americanizados”.

O interessante, a meu ver, nesta discussão útil, é que indiscutivelmente o Tempo é o grande nivelador, o grande árbitro em matérias de gosto e a não ser que a extrapolação futurista dos críticos na moda e das “eminências pardas” da cultura anglo-saxónica seja dum nível Nostradamiano, as suas “sentenças” serão apenas conjecturas baseadas no seu gosto pessoal, nos géneros artísticos em voga e nos seus desejos pessoais de influenciar a “grande corrente” cultural do mundo ocidental.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

E se mais provas forem necessárias em relação à importância do passar dos anos e das modas na asserção da qualidade cultural, basta lembrarmo-nos da forma como a “Opera Buffa”, as obras-primas de Shakespeare e o cinema dos “nickelodeons” eram vistos no início destas manifestações culturais: como um gosto abjecto, das classes populares mais baixas e pouco instruídas, os primeiros locais a fechar quando ocorriam epidemias e geralmente proibidas de tempos a tempos pelo seu carácter popular, revolucionário e contra as elites instituídas.

E voltando ao início desta crónica e aos “livros de hipermercado”: se o facto do meu gosto pessoal se inclinar mais para os geniais romances que li ultimamente, adquiridos por acaso em heróicas livrarias que teimam em remar contra a maré, como por exemplo “Kafka à Beira-Mar”, de Haruki Murakami, “2666”, de Roberto Bolano e a trilogia póstuma “Millenium”, de Stieg Larsson, é impossível negar o facto de que estes livros, que acredito irem perdurar muitos anos na mente de quem os leu – e talvez até um dia atinjam a suprema honra de subir ao panteão dos estudos literários, para uma dissecação impiedosa, – se terem encontrado nos tops portugueses e mundiais com obras dos inevitáveis Nicholas Sparks, Stephenie Meyer, Isabel Allende, Dan Brown e J.K. Rowling, entre muitos outros.

E quem nos poderá garantir quais os romances, filmes, discos ou quadros que farão parte do imaginário popular das gerações vindouras e do tesouro cultural da humanidade, os ícones que sobreviverão a um hollywoodesco fim do mundo tal como o conhecemos, um cenário saído do filme “Planeta dos Macacos”?

Eu certamente não me abalizarei a fazer tal previsão à “Zandinga”, lembrando-me do ódio figadal que tinha – juntamente com muitos amigos da mesma geração –, por dois prodígios de vendas de anos idos, Gabriel García Márquez (ainda que nobelizado, na altura por muitos considerado um fenómeno de “massas” perecível) e Patrick Suskind, dois romancistas admiráveis e fundamentais, que demorei a conhecer e que agora são imprescindíveis nas minhas releituras anuais, desde “O Perfume” e a “Crónica de uma Morte Anunciada” até ao “Amor em Tempos de Cólera” e “A Pomba”, ódio ridículo esse que começou porque no Verão de 1993 eram incontáveis os passageiros no comboio para Coimbra a “devorarem” os seus livros e eu futilmente prometi a mim próprio que nem sequer as primeiras páginas iria espreitar…

 

 

DOIS

Woody Allen: “ménage à trois” com sabor catalão

 

 

O que é que faz de Woody Allen, 40 anos depois do inicio da sua carreira, ainda um dos cineastas mais “frescos”, ousados e brilhantes do actual panorama cinematográfico?

Será porventura a vontade de se reinventar a si próprio como realizador, em criar situações, personagens e enredos originais, mas também é a irónica revisitação de clichés e personagens-tipo da sua obra, como fez em “Stardust Memories/Recordações”, de 1980, em que os fãs constantemente lhe diziam: “. Gostávamos muito era dos seus filmes iniciais, os cómicos…”. 

Esta “inquietação” artística e fílmica são características que fazem com que Allen seja um dos realizadores contemporâneos mais surpreendentes, prolíficos e com um “olho” espantoso para actrizes magnéticas e camaleónicas (depois das divas Diane Keaton, Mia Farrow e Dianne Wiest, segue-se agora a subvalorizada Scarlett Johanson), o que se verifica mais uma vez de forma perfeita em “Vicky Cristina Barcelona”, que retira o seu título dos nomes das duas protagonistas e também do da deslumbrante Cidade-Condal, uma personagem por mérito próprio.  

O seu penúltimo filme (entretanto estreou “Whatever Works”, um regresso à sua Nova Iorque), é um delicioso e irreverente retrato do amor no estrangeiro, das paixões e abismos que se escondem no mais insuspeito dos corações, na mais sólida das relações.

É uma reflexão adulta mas generosa sobre o amor, o seu verdadeiro significado, a partilha, o ciúme, a arte e a inspiração, a ânsia de criar, de ir contra os espartilhos da sociedade, a norma, o conformismo...

Nota-se nas personagens e na trama a influência de Barcelona no cineasta, com as esfusiantes paisagens catalãs e as sumptuosas e surrealistas obras arquitectónicas de Gaudí a levarem as jovens turistas americanas a modificar as suas percepções da vida, e a cometerem actos românticos impensáveis numa qualquer cidade americana. 

Como em anteriores obras de Allen, nada é o que parece em termos de relações, e desenrola-se durante o filme um jogo de olhares e toques, de paixões súbitas e recuos, de arrependimentos, de descobertas amorosas e sexuais que culminam num escaldante “ménage à trois” entre Juan (Javier Bardem), Cristina (Scarlett Johanson) e Maria Elena, a deslumbrante Penélope Cruz, num papel almodovariano feito à sua medida, dois anos depois do seu brilhante papel em “Volver”.

É nas cenas entre Cruz (merecido Óscar de Melhor Actriz Secundária pelo seu papel) e Bardem que o filme brilha mais intensamente, com o par de actores espanhóis a transportarem para o ecrã uma química evidente, um misto de lascívia e charme, de ameaça latente e de desvarios. 

Mas o prazer do filme está na viagem das personagens (e do espectador) à descoberta de si próprias e da Espanha, um passeio mirabolante, erótico, cheio de tentações para os sentidos, através de cores, sons, paisagens, cheiros, sabores, experiências “latinas” que no final, surpreendentemente, se traduzem num regresso ao “status quo” do inicio, todas as personagens terminando o filme na mesma situação emotiva em que o iniciaram.

Excepto, claro, nas mudanças interiores e que não estão à superfície... 

Os “retratos” das duas personagens principais é uma das vertentes mais fascinantes para o espectador versado na filmografia de Allen, com a surpreendente Rebecca Hall (Vicky) como a revelação do filme, um misto de sensualidade e fragilidade, a personagem mais humana e mais “completa”, que começa o filme como uma intelectual ambiciosa e sensível, mas espartilhada pelas convenções, facto que se vai descobrindo à medida que o filme se desenrola, com um noivo obcecado pelo casamento e pela vida moderna. Scarlett Johanson têm talvez o papel mais complexo e matizado das suas recentes colaborações com Woody Allen (depois do brilhante “Match Point” e de “Scoop”), uma jovem “presa” no turbilhão emocional da vida, com uma ânsia urgente e rebelde de criar algo artístico (no seu caso, a fotografia), mas sem saber bem o que quer, apenas o que NÃO quer… 

Outras áreas em que o filme se destaca são a realização elegante de Allen, com o já habitual método da câmara “semi-invisível”, de forma natural deixando à interacção entre os actores e os diálogos o palco principal, a belíssima fotografia de Javier Aguirresarobe, nada convencional e muito longe do simples “retrato postal”, assim como a banda sonora, com a sensual e cativante guitarra flamenca de Emílio de Benito numa cena do filme em Oviedo, que nos remete de novo para o universo de Almodôvar e o filme “Fala com Ela”, além dos excertos de obras de Paco de Lucía e Isaac Albéniz (uma novidade na obra deste realizador, que geralmente utiliza clássicos americanos de jazz e blues).

“Vicky Cristina Barcelona” é mais uma obra-prima de Woody Allen, que em futuras visões irá decerto deleitar ainda mais o espectador habituado às angústias e às torturantes e estranhamente cómicas vidas dos personagens Allenianos, um adjectivo mais que merecido para um realizador genial, que retira da banalidade do dia-a-dia e do convencional algo de profundamente belo e duradouro.

Cineasta da metrópole nova-iorquina por excelência, Allan Stewart Konigsberg nasceu em 1935 em Brooklyn, Nova Iorque.

Iniciou a sua carreira no mundo do “show business” aos 15 anos, escrevendo piadas para os jornais, começando depois a trabalhar para outros comediantes, seguindo-se um breve período como “stand-up comedian” e dramaturgo de sucesso.

Realizou a primeira de mais de 40 longas-metragens em 1969, o filme “O Inimigo Público nº1”.

Depois de um inicio como realizador em que predominam as comédias de tom mais burlesco e “leves”, como “Bananas” (1971), “O ABC do Sexo” (1972), “O Herói do Ano 2000” (1973) e “Nem Guerra nem Paz” (1975), no final dos anos 70 Allen desenvolveu um registo mais diversificado, alternando entre sátiras, obras existencialistas e de humor negro, e filmes devedores das tragédias gregas e do universo fílmico do mestre sueco Ingmar Bergman, com análises e dissecações impiedosas da “psyche” humana.

Nomeado 21 vezes pela Academia de Hollywood, 14 como Argumentista, 6 como Realizador, e 1 como Actor Principal, Woody Allen venceu o Óscar de Melhor Realizador e Melhor Argumento Original em 1977, com a obra-prima “Annie Hall”, relato agridoce de uma relação atribulada, que ainda recebeu os galardões de Melhor Filme e de Melhor Actriz Principal (Diane Keaton). Outra das suas grandes obras, “Ana e as Suas Irmãs”, um mosaico de relações tempestuosas e traições, valeu-lhe em 1986 novo Óscar para Melhor Argumento Original, tendo ainda Michael Caine e Dianne Wiest recebido os Óscares de Melhor Actor e Actriz Secundária, respectivamente. 

Da sua vasta filmografia, destacam-se do registo mais sarcástico/retratos da condição humana, além dos já mencionados, também os filmes “Mannathan” (1979), “Zelig” (1983), “A Rosa Púrpura do Cairo” (1985), “Os Dias da Rádio” (1987), “Balas sobre a Broadway” (1994, Óscar de Melhor Actriz Secundária para Dianne Wiest), “Poderosa Afrodite” (1995, Óscar de Melhor Actriz Secundária para Mira Sorvino), “As Faces de Harry” (1997) e “Através da Noite” (1999).

Dos filmes mais bergmanianos, destacam-se “Uma Outra Mulher” (1988), “Crimes e Escapadelas” (1989), “Maridos e Mulheres” (1992), “Melinda & Melinda” (2004) e “Match Point” (2005).

  Mickey Rourke: Queda e Ascensão de um Actor
 

Mickey Rourke, nos anos 80 apontado como um dos actores mais promissores, talentosos e elegantes da sua geração, herdeiro do carisma e da magnética presença no ecrã de ídolos como James Dean e Marlon Brando, têm tido ao longo dos anos uma carreira acidentada, cheia de altos e baixos que reflectem a sua vida. 

O seu mais recente filme, “O Wrestler”, catapultou-o de novo para a ribalta, com uma prodigiosa interpretação, que lhe valeu inúmeros prémios, entre os quais o Globo de Ouro e o Bafta, e ainda a sua 1ª nomeação para os Óscares.

Esta obra de Darren Aronosfsky, responsável anteriormente pelos filmes “Pi”, “Requiem for a Dream – A Vida Não é um Sonho” e “The Fountain – O Último Capítulo”, transforma a imagem de marca do realizador, de argumentos complexos e vagueando entre a Fantasia e a F. Científica, com efeitos elegantes e pirotécnicos, numa história linear, contada sem os seus "flashbacks" habituais, um filme aparentemente simples e sem embelezamentos – filmado à mão e com um tom granulado a fazer lembrar os filmes dos anos 70 de Scorsese e Coppolla – mas que esconde no seu âmago, tal como a personagem interpretada por Rourke, uma profundidade e uma complexidade que se perdem à primeira vista (e primeira visão). 

O argumento do filme têm imensos paralelismos com a própria carreira do actor, que depois de um início promissor nos anos 80, com interpretações de grande qualidade e aceitação crítica em filmes como “Adeus, Amigos”, “Rumble Fish – Juventude Inquieta”, “O Ano do Dragão”, “Barfly – Amor Marginal” e “Angel Heart – Às Portas do Inferno”, sofreu nos anos 90 e início do Século XXI um "calvário", tanto a nível pessoal como profissional, desde o divórcio da sua mulher, por razões de violência doméstica, o consumo desenfreado de álcool e drogas, até ao comportamento errático no “set” dos filmes, o que levou alguns críticos a considerar a sua performance e o seu “realismo” como um reflexo destes anos de “perdição”. Todos estes paralelismos parecem fazer sentido, tanto mais que o próprio actor os menciona em entrevistas – à revista “Uncut”, depois do lançamento do filme, referiu que “é tudo sobre a solidão. Vivi em solidão durante anos… Estive fora de controle, fora de forma, fora da minha mente… Mas agora percebo que há consequências para as acções que tomamos. Ainda tenho um grande caminho a percorrer…” –, e se apoiam em factos incontornáveis: os anos de glória de Randy coincidem com os do próprio Rourke, o actor reescreveu partes do argumento, principalmente as intensas e dramáticas cenas com a sua filha e o pungente discurso final. Mas será que este filme poderá apenas ser reduzido a uma “sessão de terapia” em celulóide, uma performance onde Rourke catalisa as memórias dos seus “anos perdidos”?  

A sua personagem, Randy “The Ram” Robinson, embora esteja longe do seu período áureo, danificado de corpo e alma, e cometa algumas "indiscrições" – as várias lesões, o seu grave problema cardíaco, a promiscuidade e uso de drogas da personagem espelham os conturbados anos 90 do actor –, recusa-se a abandonar o ringue e o seu cada vez menor, mas fiel público, mantendo sempre a sua dignidade e carisma, tentando corrigir os erros do passado, funcionar como um elemento útil de uma sociedade que não (o) compreende, procurando uma relação estável com a stripper Cassidy (Marisa Tomei, noutra interpretação cativante), que tal como ele necessita de alguma estabilidade na sua vida, também está longe dos seus anos de “sucesso” (o corpo, sempre o corpo e o fútil a limitar os sonhos e as ambições das personagens) … 

Randy é uma personagem “larger than life”, um Rocky Balboa para o público dos anos 80 e 90, que cresceu com a música e a moda promovidas pela MTV e pelo consumo de massas, fascinados por uma década de 80 que passou de “pirosa” a kitsch, e que é aqui recordada através de roupas – o vestuário de Randy ao longo do filme é completamente despojado, calças de ganga coçadas e casaco remendado –, acessórios e uma banda sonora com sons icónicos da época (Guns ‘n’ Roses, Scorpions), etc, além do bem retratado universo do Wrestling, com a arrogância e bravata características dos seus lutadores, mas também com a sua camaradagem e os códigos de masculinidade a que os lutadores se agarram, uma comunidade solidária e que parece não se aperceber da imagem aparentemente ridícula, falsa e hipócrita que transmite a quem não esteja por dentro do “segredo”, onde se leva a sério o que é evidentemente fingido, uma “ilusão colectiva” que é compartilhada pela audiência no ringue – e por extensão pela audiência do cinema, que sabe que tudo o que está a ver é também “fingido”... 

Mas é nos paralelismos com o sacrifício crístico, e com a morte pela redenção dos pecados, que o filme atinge o estatuto de verdadeira obra-prima. Tal como é mencionado no início do filme, a propósito do “sádico” “A Paixão de Cristo”, Jesus aguentou tudo o que os romanos lhe fizeram, e Randy aguenta da mesma forma tudo o que lhe aconteceu desde a sua “Queda”, o confrontar-se com as suas traições e tentativas falhadas de perdão, as traições que imagina nos outros, a busca de um significado para a sua vida e a tentativa de contacto, de intimidade, de empatia com alguém, que no entanto, Randy recusa perto do final, substituindo uma possível relação com Cassidy pela adulação/adoração do seu público, que é tudo para ele, com quem se sente seguro. Aquando da entrada de Randy no ringue para a derradeira luta, apercebemo-nos que este controla totalmente o seu microcosmos, é uma figura icónica, dominante, mítica...

O filme culmina num confronto final, o seu momento de Glória/Sacrifício, em cima das cordas, de pé e de braços estendidos, como um Cristo na cruz, preparando-se para o seu característico golpe, saltando para o tapete e para cima do seu adversário, com a sua mais que provável morte a diluir-se num "fade-out" que nos remete para a belíssima canção homónima de Bruce Springsteen, um portentoso final que nos deixa surpreendidos e sem fôlego, embora no fundo saibamos que chegou ao fim o reinado de Randy “The Ram” Robinson, o lutador que nunca será esquecido pelos seus fãs…

Nascido em 1952 em Nova Iorque, com o nome de Philip Andre Rourke, mudou-se ainda criança para a Florida, onde começou a actuar em peças liceais. Regressou a N. Iorque na sua adolescência, para ter aulas privadas com professores do famoso “Actor’s Studio”, depressa enveredando por uma carreira amadora no Boxe, uma das suas outras paixões.

Além dos filmes mencionados anteriormente, nos seus anos de “ouro”, outro papel a que não se pode escapar quando se menciona uma biografia de Rourke, embora manifestamente inferior na sua filmografia, é o êxito de bilheteira e o fenómeno “Nove Semanas e Meia” (1986), que o catapultou e à sua co-estrela, Kim Basinger, para a fama e para um papel de sex-symbol, que nunca lhe agradou. 

Nos anos 90, Rourke optou por seguir a carreira de boxeur profissional, o que lhe provocou várias lesões e o deixou desfigurado, tendo sido necessárias uma série de cirurgias plásticas, que no entanto o tornaram irreconhecível. Além de alguns projectos de pouca importância, filmes saídos directamente para DVD e alguns argumentos e projectos pessoais, destacam-se apenas pequenos mas carismáticos papéis em filmes como “O Poder da Justiça” (1997), “Escola para Criminosos” (2000), “A Promessa” (2001) e “Homem em Fogo” (2004). 

A 1ª e bem sucedida tentativa de “comeback” conseguiu-a em 2005 com o papel de Marv, no filme “Sin City”, que lhe valeu vários prémios. Depois da interpretação de Randy “The Ram” Robinson, o regresso à elite de Hollywood parece garantido, embora com o comportamento anárquico e imprevisível de Rourke nunca se possa garantir esse facto. Planeados para 2010 estão papéis em filmes de grande orçamento, como a sequela de “Iron Man”, e o filme “The Informers”, baseado no romance homónimo de Bret Easton Ellis.

   
 

TRÊS
 

O Regresso dos “Rebeldes”  

Parte 1

Num mundo musical dominado pelo Rock e pela Pop, e cada vez mais fragmentado e esquizofrénico, refém de programas musicais para amadores, concursos de popularidade e fenómenos virtuais passageiros, que usam e abusam da publicidade, é reconfortante  para o apreciador melómano da música de qualidade saber que ainda existem resistentes ao ataque do “mau gosto instituído”, monstros sagrados icónicos como Bob Dylan e Neil Young, que continuam hoje em dia a lançar trabalhos de qualidade, provando verdadeiro o adágio de que “velhos são os trapos”... 

Robert Allen Zimmerman, mais conhecido como Bob Dylan, é inquestionavelmente um dos artistas e compositores mais importantes da história da música, que dispensa apresentações, tendo sido ainda recentemente caracterizado pela conceituada revista “Time”, como “o artista americano mais importante dos últimos 50 anos”.

São intemporais os álbuns e as canções que lançou nos anos 60, a sua voz inconfundível fundindo-se com letras  inspiradas e “reféns” do universo folk de Woody Guthrie, que se reinventou como um músico rebelde, inclassificável e devedor nesses anos fundamentais aos surrealistas e aos poetas da “Beat Generation”. Depois dos hinos de transformação e de protesto do início dos anos 60, indissociáveis do movimento anti-guerra e da luta pelos direitos civis, como “Blowin’ in the Wind”, “The Times They are A-Changin’” e “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, dá-se a sua recusa em ser rotulado como o “profeta” da geração hippie, e a sua "traição", na mudança da guitarra acústica para a eléctrica, que está patente em canções auto-biográficas e surreais, como “Like a Rolling Stone”, “Subterranean Homesick Blues” e “Just Like a Woman”, um período fértil que produziu três dos mais geniais álbuns da história da música, e em apenas dois anos: “Bringing It All Back Home” (1965), “Highway 61 Revisited” (1965) e “Blonde on Blonde” (1966).  

Nos anos seguintes, depois de um período de semi-exílio musical devido a um grave acidente de mota, Dylan – com a ajuda dos seus comparsas habituais de digressões, os membros dos The Band – continuou a sua reinvenção e a sua deambulação por géneros e experiências musicais, desde o regresso ao Folk, ao Country e às colaborações com Johnny Cash (com quem regravou "Girl From the North Country", em 1969), até aos álbuns seminais dos anos 70, lidando com o seu próprio divórcio e diversas causas políticas e sociais, em “Blood on the Tracks” (1975) e “Desire” (1976) – e as músicas "Shelter From the Storm", "Hurricane" e "Oh, Sister" –, “vagueando” depois no final dos anos 70 por um período religioso musicalmente linear, uns anos 80 em que perdeu por vezes o rumo, atravessando uma crise de meia-idade artística, em constantes digressões – embora lançando trabalhos irregulares, nessa época nunca perdeu a parte fascinante e única do seu trabalho, destacando-se "Infidels" (1983) e "Empire Burlesque" (1985). Dylan regressa em força no final dos anos 80 e início dos 90, com “Oh Mercy” (1989), dois álbuns de versões de blues e folk, e posteriormente dois registos fascinantes, que o levaram de volta à ribalta, aos "braços" da crítica e aos prémios musicais: “Time Out of Mind” (1997) e “Love and Theft” (2001), criando clássicos "instantâneos" com "Lovesick" e "Not Dark Yet", e confirmando-se como uma referência contemporânea imprescindível para músicos tão talentosos como os White Stripes, Andrew Bird e Nick Cave, por exemplo.  

Em meados do novo século, Dylan lançou mais dois trabalhos de originais, que algo surpreendentemente se tornaram um sucesso de vendas global, um 3º fôlego que o tornou no músico mais velho a chegar ao número 1 do top americano.

Depois de “Modern Times”, de 2006, chegou “Together Through Life”, em 2009, o seu 33º álbum de originais, que nos mostra aos 68 anos de idade um Dylan mais descontraído, embora sempre relevante nas suas reflexões sobre a velhice, a vida e a morte, ao som do blues da sua adolescência, uma paleta sonora que homenageia a mítica “Chess Records”. 

Bob Dylan têm tido também uma carreira prolifica noutros campos, com várias exposições de pintura na Europa e E. Unidos, um programa de rádio temático, incidindo sobre os seus clássicos favoritos do blues, soul e rock, que foi um sucesso de audiências, além das suas várias contribuições para bandas sonoras, que lhe valeram em 2001 o Óscar e o Globo de Ouro de Melhor Música Original, com a canção “Times Have Changed”, do filme “Wonderboys/Prodígios”.

Dylan continua por tudo isto a ser uma figura dominante no “espectro” cultural pós-moderno, quer através das compilações das suas letras, que o levaram a ser várias vezes nomeado para o Prémio Nobel da Literatura, ou da sua fascinante autobiografia, “Crónicas”, cujo 1º volume saiu em 2004, e ainda as muitas colectâneas de raridades e álbuns ao vivo do seu período áureo, compiladas na série “Bootlegs”, com vários volumes desde os anos 90. 

Se ainda mencionarmos todos os livros em que os críticos de música tentam “dissecar” – geralmente sem conseguirem – a sua música e a sua poesia, e os filmes e documentários sobre a sua vida e carreira – como o magistral “No Direction Home”, de Martin Scorsese, de 2005, ou o filme “mosaico” de Todd Haynes de 2007, “I’m Not There/Não Estou Aí”, em que Dylan é retratado por 6 actores diferentes, num caleidoscópio de retratos ficcionais, autobiográficos e oníricos –, facilmente se compreende porque é que o jovem tocador de harmónica do Minnesota se tornou um fenómeno e um ícone cultural, recipiente do Prémio Pulitzer, do Polar (o Nobel da Música), e das condecorações culturais mais importantes de países como a Espanha e a França, além de inúmero doutoramentos “honoris causa” e da indução no “Hall of Fame” dos artistas e compositores.  

Mas Dylan, para além da fama, do sucesso e dos prémios, é acima de tudo para os seus fãs, um poeta da música, um músico que usa a poesia de uma forma transcendental e ímpar… 

Na segunda parte deste “passeio” pelos universos musicais que marcaram (e marcam ainda) gerações, falaremos de outro artista talentoso e irreverente, que por vezes confunde os próprios fãs com a sua ânsia de mudança e experimentação – mas é também muitas vezes incompreendido pela crítica –, o genial, “rabugento” e iconoclasta Neil Young.

 

Parte 2 

Depois de termos centrado a nossa atenção em Bob Dylan, o artista “rebelde” em destaque no panteão musical é pois Neil Young, canadiano nascido em 1945 na província de Ontário, um iconoclasta, experimentador ousado e sensível, alguns dirão mesmo “casmurro”, que leva a sua avante sem se preocupar com modas e vendas, um talentoso guitarrista e compositor, que imprime às suas letras um cunho muito pessoal, num universo lírico que gira à volta de preocupações políticas e sociais, o "american way of life", carros, basebol, a cultura Nativo-Americana, etc, inquestionavelmente a par de Dylan e Johnny Cash um dos músicos mais importantes e influentes do final do século XX. 

Esta breve recensão crítica sobre Neil Young será feita em duas partes, tamanha é a sua qualidade e produtividade musical (e não só). 

Young iniciou a sua carreira no início dos anos 60 no Canadá, em bandas convencionais, emigrando depois para os E. Unidos, formando os The Buffalo Springfield (1966-68), onde começou a sua já longa e atribulada viagem musical pelos meandros da cultura pop americana. Nos B. Springfield, um dos grupos mais importantes da época, iniciou uma tensa e rica colaboração com Stephen Stills, compositor de “For What it’s Worth”, de 1967, ainda hoje o hino da contracultura e da geração hippie, mantendo-se relevante no imaginário das gerações seguintes através de aparições em bandas sonoras de filmes, como “Forrest Gump”, até às incontáveis versões de dezenas de grupos. Dessa época, são também as primeiras composições fundamentais de Young, como “Mr. Soul” e “I Am a Child”, ainda hoje parte do seu repertório ao vivo. 

Depois de iniciar a sua carreira a solo com três brilhantes álbuns, “Neil Young” (1969), “Everybody Knows This is Nowhere” (1969, o primeiro álbum com a sua fiel e talentosa banda, os Crazy Horse, e um dos seus melhores registos, com canções tão intemporais como “Cinnamon Girl”, “Down By the River” e “Cowgirl in the Sand”), e “After the Goldrush” (1970, onde lança uma violenta acusação ao racismo instituído nos estados sulistas, com “Southern Man”), Young abriu um dos capítulos mais importantes na sua carreira, juntando-se ao grupo mais popular, crítica e comercialmente, da época, os Crosby, Stills & Nash, formado a partir de ex-membros dos The Byrds, dos B.Springfield e dos The Hollies, que depois de um magistral álbum homónimo em 69, entraram na memória colectiva de uma geração após a sua actuação deslumbrante em Woodstock, onde tocaram juntos apenas pela segunda vez. A mescla de harmonias sofisticadas, composições delicadas e letras socialmente interventivas, apenas igualadas pelos quatro egos, tão enormes e indomáveis como o seu talento conjunto, levaram a uma das obras-primas dos anos 70, “Déjà Vu” (1970), onde Young “apresenta” aos colegas uma das suas canções mais marcantes, “Helpless”, sobre a sua terra natal. 

“Déjà Vu”, “Four Way Street” (ao vivo) e “Ohio” (single de 1970, sobre o massacre de estudantes na universidade americana de Kent, às mãos da polícia, escrita por Young e Stills num dia), foram marcos de vendas e de sucesso crítico, os primeiros e mais compensadores capítulos de uma saga que já passou por zangas épicas, desintoxicações, álbuns ocasionais longe do fulgor de outrora e digressões com muito sucesso, e que ainda hoje continua em força (em 2008 saiu o polémico álbum/documentário ao vivo “CSNY/ Déjà Vu Live”, realizado por Young, que curiosamente incide mais sobre músicas anti-Bush, que sobre os clássicos do quarteto). O trio CS& N está actualmente a gravar um disco de versões, com o produtor Rick Rubin, que “ressuscitou” as carreiras de Johnny Cash e Neil Diamond.

Continuando este período artisticamente fértil, Young lançou o álbum de maior sucesso da sua carreira, “Harvest” (1972, juntamente com o single “Heart of Gold”, chegou ao topo das vendas nos E.U.A.), a que se segue a chamada “Doom Trilogy/Trilogia do Desespero”, com os álbuns “Time Fades Away” (1973), “On the Beach” (1974) e “Tonight’s the Night” (1975), reflexões negras e adultas sobre o sucesso, a mortalidade, envoltos por um tema de inevitabilidade e de tragédia, pessoais e brilhantes, mas também fruto de uma época de instabilidade e desvios, que culminou com a morte por overdose de um dos seus guitarristas (a composição “The Needle and the Damage Done”, o seu libelo anti-drogas, é sobre uma perda à espera de se dar). A este período mais sombrio, segue-se outro musicalmente brilhante e enérgico, de rock inadulterado e seminal, que irá até ao início da década de 80, destacando-se os álbuns “Zuma” (1975) e “Rust Never Sleeps”, de 1979, e as músicas “Like a Hurricane” (um dos seus "hinos" ao vivo), “Hey, Hey, My, My (Into the Black), cujos versos “it’s better to burn out than to fade away”, foram usadas pelo cantor Kurt Cobain na sua nota de suicídio, anos depois, e “Pocahontas”, que retrata o seu fascínio e admiração pelo mundo e a cultura em extinção dos nobres índios americanos. 

A década de 80 foi para Young um período de grande turbulência pessoal, de experiências (a exemplo de muitos dos seus contemporâneos), no mundo da electrónica, do rockabilly e do jazz, de deriva musical e de regressos pouco inspirados às suas origens country e folk, destacando-se apenas momentos de interesse em alguns álbuns (“Trans”, em 1982, em que usa um distorcedor de voz, pensado como uma forma de aproximação e comunicação com o seu filho, com deficiências motoras, "Old Ways", de 1985, etc). 

O final da década viu Young regressar para o que podemos considerar o seu 2º grande fulgor criativo (depois da década de 70), mostrando nessa época a razão porque é considerado uma influência maior para bandas como os Nirvana, Radiohead e Pearl Jam, tendo até sido considerado o “Padrinho do Grunge” (em 1989 foi lançada uma fundamental compilação de homenagem à sua obra, “The Bridge”, com versões inspiradas de grupos como Nick Cave, Pixies, Flaming Lips, Sonic Youth, Dinossaur Jr, entre outros).  O hino anti-opressão “Rockin’ in the Free World”, de 1989, o genial “Harvest Moon” (1992) e o subsequente e intimista “MTV Unplugged” (1993), “Sleeps with Angels” (1994, homenagem/reflexão sobre a perda e a tragédia do suicídio de Kurt Cobain, músico que muito admirava), “Mirrorball” (1995, em conjunto com os Pearl Jam de Eddie Vedder), marcam um período que significou o regresso à ribalta de um músico insaciável, experimentador e inovador, sempre em busca da "alquimia" musical...  

A seguir, concluiremos esta breve recensão da carreira de Neil Young, com uma descrição do final da década de 90 e do que tem sido o novo século para este músico sempre insatisfeito, além de espreitarmos as suas aventuras pelos universos extra-musicais, desde o trabalho em várias beneficências criadas por si, até ao mundo do cinema e das novas tecnologias, passando por diversas causas sociais e políticas. 

 

Parte 3 

Deixámos Young em meados dos anos 90, um período musicalmente fértil para o cantor. No entanto, o final da década de 90 foi mais uma vez uma época de experimentalismos e “tiros no pé”, um padrão que parece recorrente na sua carreira. A falta de inspiração e variações sobre o mesmo tema, mesmo assim não escondem alguns pontos altos e ideias originais, como “Let’s Roll”, homenagem às vítimas do 11 de Setembro de 2001, o álbum “Are You Passionate?”, de 2002, incursão bem-intencionada pelo mundo da soul com os míticos Booker T. & the MG’s, e “Greendale”, de 2003, uma ópera rock ecológica ambiciosa, que dividiu os críticos. 

Antes de analisarmos a produção recente de Young, destacaremos brevemente os seus outros interesses extra-criação musical, dos quais se destacam o papel preponderante que teve na criação de várias beneficências nos anos 80:  a “Farm Aid”, de apoio aos agricultores americanos, que todos os anos realiza um concerto, sempre com grandes nomes da música americana, e a “The Bridge School”, de apoio a crianças com deficiências mentais e epilepsia (Young tem um filho que sofre da primeira maleita, e ele próprio sofre da segunda), que também realiza anualmente um concerto de recolha de fundos. Young mantêm também um papel bastante activo e vocal em questões sociais, ecológicas e políticas, tendo sido muito crítico das políticas bélicas de George W. Bush, o que levou alguns congressistas a levantar a possibilidade de Young ser expulso do país, ele que nunca renunciou à nacionalidade canadiana, além de ter sido um apoiante de primeira hora de Barack Obama. 

Em termos cinematográficos, além dos cinco filmes realizados por si, todos projectos muito pessoais e “sui generis” que assina com o pseudónimo de Bernard Shakey - “Journey Through the Past” (1973, reminiscência/documentário sobre a sua, na altura breve, carreira), “Rust Never Sleeps” (1979, concerto ao vivo, com elementos fantásticos e surrealistas apropriados do universo de “Star Wars”, lançado depois ao vivo como “Live Rust”), “Human Highway” (1982, em conjunto com membros dos Devo, uma comédia/fábula ecológica), e os já mencionados “Greendale” (2003) e “CSNY/ Déjà Vu Live” (2008) - destacam-se a canção “Philadelphia”, que compôs para o filme homónimo de Jonathan Demme, e que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Canção, e a sua original banda sonora para o filme “Homem Morto”, de Jim Jarmush, com Johnny Depp e Gregory Peck, uma revisitação pós-moderna ao universo americano dos Westerns. 

Dos seus muitos filmes de concertos ao vivo, destacam-se dois de realizadores consagrados: “Ano do Cavalo”, de Jarmush, que relata brilhantemente a digressão com os Crazy Horse em 1996, contendo ainda imagens de arquivo de 20 anos antes, e “Heart of Gold”, de Jonathan Demme, gravado no prestigiado Ryman Auditorium, em Nashville, Tennessee. Recentemente, foi lançado outro projecto com Demme, acompanhando a sua digressão de 2007, “Neil Young Trunk Show”. 

Para além de todas estas actividades e filmes, o projecto mais ambicioso de Young, e que já o ocupa há mais de 20 anos, é o lançamentos dos seus “Arquivos” (que viram finalmente a edição do seu 1º volume, de 1963 a 1972, há poucos meses, com os próximos a seguirem-se num ritmo esperemos que mais célere), consistindo em 8 CDS e 1 DVD, de demos, músicas ao vivo, remisturas e inéditos, além de concertos integrais do seu início de carreira, no formato CD, DVD e Blue-Ray, segundo ele o futuro da música, que permite variados conteúdos alternativos e adicionais, e a razão pela qual esperou tanto tempo por este lançamento, que já se tinha tornado “mitológico” na indústria da música e nas expectativas dos seus fãs. 

Finalmente, um breve olhar sobre o 3º período de grande fulgor artístico de Young, prova de que este “trapo resmungão” ainda não está “velho"…  

Depois de lhe ter sido detectado um aneurisma cerebral em 2005, Young decidiu gravar num espaço de semanas um novo álbum (a operação, que o poderia ter deixado incapacitado ou pior, foi um sucesso), “Prairie Wind”, um regresso às origens ancestrais e uma homenagem ao seu pai, novelista e jornalista desportivo recentemente falecido, num registo elegíaco. Seguiu-se em 2006 um projecto ainda mais imediato, gravado num mês, o polémico “Living with War”, álbum temático e violento anti-Bush e Guerra do Iraque, que ganha com a imediatez, a espontaneidade, a sinceridade e a força da mensagem, mas que está condenado a ficar  musicalmente datado. Em 2007, lança inesperadamente “Chrome Dreams II”, a suposta continuação de mais um dos seus famosos “álbuns perdidos”, uma potente mescla de composições antigas de vários minutos ao seu estilo, e novas músicas, reminiscentes dos seus tempos nos anos 70 com os Crazy Horse.

Em 2009, surgiu outro álbum temático, surpreendente, que teria tudo no papel para ser um fracasso, mas que é de uma riqueza e de uma energia musical admiráveis para um músico de 64 anos, “Fork in the Road”, sobre uma das suas paixões, as energias alternativas e os carros eléctricos, com os vídeos deste disco a serem filmados apenas consigo e por si, à mão, de forma artesanal, dentro do seu precioso “LincVolt”, e colocados sem aviso no seu MySpace oficial.

Concluindo esta digressão, é um facto inequívoco que Neil Young, músico já eleito duas vezes para o “Rock’n Roll Hall of Fame” (a solo e com os Buffalo Springfield), continua irreverentemente a desbravar caminhos novos, musicalmente e não só, usando as novas tecnologias disponíveis na internet de uma forma original (merchandising, iTunes, MySpace, etc), continuando para deleite e aclamação dos seus fãs (talvez os mais pacientes e compreensivos no mundo da música), a fazer extensas digressões musicais (passou em 2008 por Portugal, no festival Alive), regressando sempre à Califórnia, ao seu rancho “Broken Arrow”, comprado em 1970, para aí continuar a fazer o que melhor sabe e verdadeiramente lhe interessa, compor canções…

 

 

                                                                                           Gaspar Garção

 

 

Gaspar Garção (1974) - Portalegre, Portugal.
É actualmente o Relações Públicas do Centro de Artes de Portalegre, sendo igualmente tradutor e editor da sua Agenda Cultural. Colaborador e Editor da revista cultural Pormenores e membro do Cineclube da Escola Superior de Portalegre, onde estuda no curso de Jornalismo e Comunicação. Tem também colaborado no TriploV e Agulha Hispânica. Possui o curso Técnico de Biblioteca e Documentação, trabalhou em várias livrarias e na Biblioteca Municipal de Portalegre e estudou na Universidade de Coimbra, no curso de Línguas e Literaturas Modernas, Variante de Estudos Portugueses e Ingleses. Foi colaborador do Cineclube de Guimarães, do Centro de Estudos Cinematográficos da Universidade de Coimbra e da Associação Cultural Prometeu, onde programou festivais de cinema mudo e música ao vivo, tendo ainda vasta experiência em programas culturais radiofónicos, além de larga participação no associativismo como Director Desportivo em vários clubes de futebol. Conta vários trabalhos publicados sobre cinema, nomeadamente science-fiction.
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