REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 16

 

 

 

 

Túmulo de Delphine Seyrig

 

É de um cisne paralizado

que me lembro

sob neve que disfarça mal

céu denso

vindo de Dezembro.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
Contacto: revista@triplov.com  
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FRANCISCO CRAVEIRO

 

Túmulo de Delphine Seyrig

e outros poemas

                                                                  
 

Cartório notarial

 

Ouço demarcar pela leitura

em voz de repartição

a terra  águas e serventias

de onde me ergui na infância.

 

Sou eu quem  assina a seguir.

Solto  o portão com lentidão.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

FNAC

 

É uma tarde de sábado

e eu faço o ziguezague das estantes

tendo um livro para comprar.

 

Não sei se o lerás

se é esta a última ocasião

em que o abro.

 

A mágoa ir-te-ia buscar

mas é na minha mãe

que penso

 

ocupada na compra de um lenço

que adeque o seu pescoço

ao guarda-roupa limitado.

   
 

Iraque, 2010

 

Procura de bruços

sobre a campa

aconchegar na terra

voz e lágrimas.

 

Fora da fotografia

o dia crescente ainda

não as enxuga.

Isola antes esta pedra

 

uma nas diagonais

de peso calcário

arrepiantes e mortais.

   
 

Lençol

 

Depois

vejo-te jacente sobre o asfalto.

Corpos e vozes tão longe

procurando não te estender

o lençol fraco.

 

Que te deixou

pés de fora e salientes.

   
 

Letter(s) home, 16 March 2009

 

Não houve sabe-se agora

uma maneira de enganar

a nuvem movida a gás

que  o seguia.

 

Escolheu disfarces.

Primeiro o pai. Alguns retratos

nos livros que ficaram para trás.

Depois e mais.

 

Deixava-o junto a um bar

um mercado

uma qualquer entrada.

 

Para um dia exasperada

forçar a porta

e lhe estender um nó ou um laço. 

   
 

Tóquio 

 

Já se sentia doente

quando entrou na escuridão do parque

que a diagonal rasgava.

 

A meio retirou de um espelho

a sua face de suores e água.

A última imagem terá sido do amante

 

 desorientado noutra ilha distante.

 Antes de no bojo de um Boeing moroso

 iniciar o regresso ao ocidente.

 

(memória  de T. B.)

   
 

Veneza (3)

 

Voltou mais vezes é verdade.

 

Na última sob um calor

de após meio de dia

encontrou a procura das raízes

humanas e apodrecidas

de palavras sons  e movimentos

no cemitério do tamanho da ilha.

 

À saída  de príncipe trazia

os olhos de perder cidades.

   
 

Tempo

 

Entendes assim

que o tempo que cabe

não chega  ao cimo.

 

Sentes no braço

o peso esquecido

que outro soltou.

   
 

O novo rosto de Rimbaud

 

Nenhum dos homens saberá

se o jovem é mercador de escravos

ou se  separou de outras palavras.

A senhora deslocada

do equilíbrio da fotografia

há-de mencionar alguém

de silêncio e fala seca.

Como a  aragem

inexistente de Aden.

 

Estaremos a uns dez anos.

Contra o corpo branco

não há batalha que se ganhe.

Assim mesmo

não serão tomados domínios

a este rosto estranhos. 

 

 

(para  Luís Quintais)

 

 

Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal)
Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde,  com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.