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“[…]
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes
volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.
[…]”
Álvaro de Campos, Ode Triunfal
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Já lhe têm chamado
histérico. Ele próprio não repudiaria totalmente a classificação. E
génio, e louco, e visionário.
Eu prefiro esta última
designação.
Vejo neste poeta,
neste poema, a maravilhosa sintonia entre uma nova concepção de arte,
não a aristotélica, mas baseada na força ou na energia, e a essência do
que os místicos vêm dizendo desde que a humanidade se reconhece,
mais o mais recente discurso científico.
Álvaro de Campos, que
parece tão arrogante no seu triunfalismo, tão cheio de certezas nas suas
exclamações, tão invulnerável no seu entusiasmo, é, afinal, o mais
humilde dos humildes. Muito, muito mais que Caeiro, o mestre da
simplicidade.
É Campos que se curva
perante a máquina, é ele que venera a perfeição do motor e se confunde
por não saber onde acaba ele e os seus nervos, e onde começa a correia
de transmissão ou o êmbolo.
É ele que não
reconhece a própria pele como uma fronteira, mas que a atravessa e a
prolonga e a estende como uma estrada em direcção ao exterior, neste
caminho confundindo fora e dentro, eu e tu, humano e máquina. Quando
chega ao exterior já não tem a certeza que não esteja dentro. De si, da
máquina?
Não há separação, em
Campos. Que outra coisa poderia dizer um místico? Este místico da
totalidade leva o seu amor erótico e incondicional até à matéria mais
escravizada, mais manipulada da civilização industrial. Sabendo que tudo
é a mesma coisa, que quando se deu o bigbang, o que daí
nasceu foi exactamente o mesmo que hoje ainda aqui se encontra. Nem
mais, nem menos. Quando se deu a divina explosão já
lá estávamos todos, nós, os minerais e os vegetais, os animais e tudo o
que existe, porque nada de novo foi criado desde então. Apenas foi
acontecendo a transformação das formas, a sua extensão, ou expansão. Mas
a essência é a mesma. Em tudo o que existe.
Átomos que compuseram
o corpo e a mente e a alma de Platão, por onde andais? Num monte, num
outro cérebro ou numa máquina? É esta a grande exclamação de
Pessoa-Campos.
Assim sendo, como
poderemos dizer que Ésquilo ou Platão são do passado se eles aqui
permanecem e aqui permanecerão?
Somos tão antigos,
somos tão modernos, somos tão eternos… todos, do malmequer à máquina. É
esta a nova democracia. O reconhecimento da inalienável eternidade de
tudo o que existe. Através do imparável e alucinante espectáculo da
transformação das formas.
É esta a nova
democracia, a que tudo inclui, a que nada despreza, a que não
hierarquiza, a que une ou recorda que nunca nada esteve separado. Que
essa separação é, apenas, a maior das alucinações.
Isto é perigoso para
os poderes, para os inúmeros e diversos poderes, dos maiores aos mais
pequeninos. Por isso, porque não sou Campos, nem mística, nem cientista,
apenas segredo esta verdade às rosas, às pedras, aos gatos e às
máquinas, digo, a Ésquilo e Platão, que já viram tanto que já com nada
se espantam. Mas sabem. Como as rosas. E as rodas.
Risoleta C. Pinto
Pedro
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Risoleta C Pinto Pedro (Elvas, Portugal)
Publicou até hoje: A Criança Suspensa, Prémio
Ferreira de Castro, O Corpo e a Tela, Hugin, O Aniversário, Prémio
Revelação APE/IPBL 1994, Difel, O Arquitecto, Hugin, Venite In Silentio,
Unicepe, Porto, 2004, O Sol do Tarot de Sintra, Indícios de Oiro, 2009,
Adelaide Cabete e a Palavra encontrada, Padrões Culturais, 2010, entre
outros. Foi também premiada na poesia pela SLP, tem escrito teatro,
canções, libretos de ópera, cantata, musical, texto para bandas
desenhadas. Fez crónica (“Quarta-Crescente”) para a Antena 2. Continua a
publicar crónicas em periódicos generalistas,
literários e de artes plásticas.
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