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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 14
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        |  |   I. O Imaginário Medieval   “Cumpre-nos, neste momento, lembrar que aquele mundomaterial pode ser transfigurado pela hipérbole e este mundo
 moral valorizado pela comparação. Em caso nenhum porém
 saem esses mundos, por estes motivos,
 alterados substancialmente, quando em confronto
 com a verdade histórica que lhes corresponde”.
 (António José Saraiva)
 É do conhecimento geral que em tudo o que possa 
		corresponder ao actual conceito de ”Maravilhoso”, e onde vemos nós uma 
		categoria do espírito ou da Literatura, viam os Clérigos da alta e baixa 
		Idade Média um universo sem dúvidas, moralizante ou ideal, todo um 
		imaginário que recorria a uma série de imagens e metáforas, alegorias e 
		personificações, entendíveis e quase palpáveis ou reais. |  
        | EDITOR | 
		TRIPLOV |  |  
        | ISSN 2182-147X |  |  
        | Dir. Maria Estela Guedes |  |  
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            | JOÃO SILVA DE 
							SOUSA   O Maravilhoso na 
							Idade MédiaUma Literatura Profana
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		Há, pelo menos três grandes questões fundamentais do 
		maravilhoso no Ocidente medieval. 
		A primeira é respeitante à atitude dos homens desses séculos (V a XV) em 
		relação às heranças das alegorias que receberam. A sociedade cristã 
		estendeu-se a mundos que lhe legaram culturas diversas, antigas e 
		modernas de transição, ricas e variadas, de um colorido humano e de 
		denso arbóreo, ora pálido e cinzento e visualmente nebuloso… Mais do que 
		outros elementos da cultura e da mentalidade, pertence, precisamente, às 
		camadas antigas. 
		Qualquer sociedade segrega maravilhoso e sonhos de espantar. Mas, 
		principalmente, vai alimentar-se de um maravilhoso antigo, atendo-se a 
		velhas maravilhas. É assim nas sociedades cristãs e assim é nas 
		muçulmanas: o Alcorão e a Sunna são riquíssimos em metáforas - que, 
		fundem, em um único, dois termos de comparação -, e hendíadis – pela 
		qual se divide uma ideia em duas - dão origem a variadas interpretações, 
		crenças, aceitações e, claro, por consequência a Escolas e seitas. 
		Os autores seguintes… até mesmo os de hoje, nas comparações que fazem e 
		nas irrealidades que transmitem, adoptam, aqui e ali, resquícios dessas 
		artimanhas poéticas nas suas prosas incontidas. 
		O Cristianismo criou pouco neste domínio. Tudo já vinha de trás, e, 
		pretendendo-se segurar as crenças, pela ética e pela moral, mantém-se 
		inalterável, tal qual nos seus outros domínios de que se assenhoreou. Há 
		um maravilhoso cristão, mas este surge como uma adaptação de um 
		anterior, cuja pressão, perante a religião, o forçou a pronunciar-se e a 
		afirmar-se. 
		Na Literatura, o fantástico é quase sempre de raízes pré-cristãs e, nos 
		séculos XII e XIII, verificou-se uma inesperada irrupção do maravilhoso 
		na cultura erudita, como acontecerá entre os pré-românticos e durante o 
		romantismo. O maravilhoso dos romances corteses encontrava-se 
		profundamente integrado na busca de uma identidade, individual e 
		colectiva, do cavaleiro idealizado. 
		 
		A segunda questão é a do papel do maravilhoso no interior de uma 
		religião monoteísta. O mundo do sobrenatural dividia-se, então, em três 
		domínios: 
 o mirabilis (de origens pré-celtas);
 
 o magicus (de um lado, uma magia negra – do diabo e, do outro, uma magia 
		branca, lícita);
 
 o miraculus (o milagroso, cristão e advindo de Deus).
 
 A última questão é a função do maravilhoso na Idade Média, isto é, o 
		modo como ele funcionou como escape ao quotidiano e como uma forma de 
		resistência à ideologia oficial do Cristianismo. O maravilhoso serviu 
		ainda, por último, para fins políticos, tendo sido utilizado pelos 
		dirigentes em todos os tempos e hoje pela Igreja.
 
		Nos momentos posteriores, mas mais próximos da Idade média, no preciso 
		minuto da derrocada do regime feudal, prosadores e poetas recorreram a 
		estilos e ao uso de matérias que retrocederam às centúrias passadas, 
		como uma espécie de saudosismo: Na Hispânia, pelas lutas constantes das 
		guerras da Reconquista. 
		É um estilo novo? Claro que nada é igual. Mas a transparência do épico e 
		do heróico em Os Lusíadas, por exemplo, nas obras de Shakespeare, na 
		áurea mediocritas vicentina e das éclogas… apresentam-se aos leitores 
		como algo inabsolutamente espartilhado pelas ideias religiosas 
		anteriores de tão forte influência. 
		Este estilo que é possível considerar de diversos ângulos de visão, 
		encerra processos diferenciados, tais como:
 Sons (fechados ou abertos, graves ou agudos, mas nunca desajustados a um 
		ritmo pomposo e solene, alegre ou triste, consoante as circunstâncias;
 
		Adjectivos seleccionados em função do objectivo a enaltecer (não 
		raramente superlativados); 
		Perífrases empolgadas: o emprego, de novo, da comparação, da hipérbole, 
		da alegoria, da imagem, da personificação e de latinismos; a expressão 
		por múltiplas palavras do que poderia escrever-se, usando uma única
 Vejamos, para tentar clarificar:
 
 1. O real da grandiosidade, tomado em sentido rigorosamente etimológico, 
		temo-lo presente como um nome adjectivado. O real grandioso, da matéria 
		épica, assim usado, não é mais do que um adjectivo que qualifica o real; 
		o real grandioso em Camões ou em Shakespeare, traduz, precisamente, um 
		facto, a realidade no seu todo, alto, elevado, sublime e pomposo.
 
		2. Quer num caso quer no outro (entre os exemplos apontados), temos em 
		presença feitos extraordinários, pelas vitórias, aventuras ou desgraças 
		bem marcantes, excessos que não podem deixar de ser relatados (embora 
		num real fantasioso, cronístico e épico ou trágico) . 
		Desta feita, não são mais do que factos acontecidos, em torno de 
		momentos dos mais altos da História… como foram os compostos por Verdi 
		ou Bellini. Quem se não lembra de Calos I degolado, de um Otelo que se 
		sente traído, do melodrama I Purinati de Vicenzo Bellini, dos 
		padecimentos dos Servos Hebreus... e, na maior parte dos casos, do 
		contacto entre o Ocidente e o Oriente, ou, num lado ou noutro, do choque 
		das civilizações e das peripécias internas em Reinos desgovernados. 
		Assim, é de parecer que, seja em que altura for no rodar dos séculos, 
		não é difícil prever, antes até de uma leitura mais atenta, logo nas 
		primeiras cenas, que, à introdução deste real grandioso, deve toda a sua 
		atmosfera épica a mais considerável e melhor parte: é, pois, em si, 
		espectacular, perturbante, ainda hoje, para qualquer leitor 
		suficientemente integrado na época em que a acção decorre.Em duas palavras, vejamos mais de perto:
 
 - o mundo material a abranger os grandes fenómenos observáveis pelos 
		sentidos e pelo raciocínio: mudanças de política urgentes, amores 
		traídos de grandes personalidades políticas, batalhas, cercos, 
		embaixadas e convénios…
 
		- o mundo moral a reunir os estados psicológicos de quantos tomaram 
		parte na acção ou que, durante esta, são recortadas ou pressentidas em 
		profecia. Tenhamos em conta um grande mestre como Giacomo Puccini, que 
		vai ao Japão buscar a sua personagem mais sofrida pela maldição que 
		recai sobre uma mulher por cumprir a sua missão de gueixa. 
 3. O irreal mítico, para a maioria dos autores invocados e para tantos 
		outros não poderia ser, nas suas epopeias ou narrações épico-românticas 
		de uma
		importância secundária: essas personagens que surgem na épica 
		melodramática foram, outrora, uma explicação racional, bela e 
		susceptível tornando-se imprescindíveis para o desenrolar dos factos, e 
		sublimes da Natureza silenciosa.
 
		No espírito do homem medieval tal como sucede nos melhores e mais 
		significativos autores da corrente da história literária cabem, a par, a 
		crença cristã e o entendimento do sentido profundo das velhas crenças 
		extintas. Não eram nem são símbolos mortos: Miguel Torga, Aquilino 
		Ribeiro, Jorge Amado, Paulo Coelho, C. S. Lewis… Existiam, antes, 
		enquanto espíritos que sinceramente neles criam… e os leitores 
		acreditariam. A Divina Comédia antecipou e ultrapassou Dante Alighieri. 
		Deste autor, é um poema viés, épico e teológico da literatura italiana e 
		mundial. |  
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 Mostrado em um exemplar da Divina Comédia: ao lado da entrada para o 
		inferno, os sete terraços do Monte Purgatório e a cidade de Florença, 
		com as esferas do Céu acima. Afresco de Michelino
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		A Comédia divina foi criada por poetas com o objectivo único e simples 
		de promover o engrandecimento dos homens, coadjuvados por divindades, a 
		fim de, longe das nossa compreensão imediata, as obrigar a declarar a 
		autofalsidade, ultrapassado que era o momento culminante do encontro dos 
		heróis com os homens comuns.
 4. O milagre ou a ruptura de um véu nebuloso que nos parece querer 
		separar o chamado mundo contingente do Além. É, todavia, um constante 
		motivo de admiração para quem dela tem consciência, mesmo através dos 
		olhos a que as deusas e outros seres mitológicos emprestam algo de seu 
		para a concretização dos objectivos, dos primários aos mais difíceis.
 
		Pelo menos, por esse motivo, o milagre é um factor de atmosfera épica, e 
		nenhum autor da Idade Média ao século XVI o desprezou. Camões, como se 
		sabe, é, entre eles, disso o melhor exemplo. Por outro lado, fora larga 
		a importância concedida à mitologia e à interferência de Deus, Pai e 
		Filho, da Virgem e de todos os Santos e era, pois, prudente incluir 
		milagres cristãos, numa obra que teria de sair com a chancela do Santo 
		Ofício - de Itália, desde o século XII, à Península Hispânica, dos finais 
		do século XVI ao XIX. À censura Franquista e Salazarista.  |  
        |  | II. Uma Literatura Profana |  
        |  | “A literatura laica neste período não foi tão produtiva como a literatura religiosa, mas grande parte
 do material tem sobrevivido, e possuímos hoje uma grande
 quantidade de obras da época, crítica com a corrupção do clero”.
 (Roger Sherman)
   Com efeito, o Cristianismo deformou e mudou a função das lendas que 
		advinham de um sistema pré-cristão (Graal – como fixaremos adiante – da 
		taça mágica ao cálice, existindo no mundo, pelo menos, meio milhar 
		delas, cada uma com a sua verdade…) tolerando, desta feita, a sua 
		componente de maravilhoso. Uma história foi escrita há mais de 800 anos, a qual faz parte do livro 
		Le Conte du Graal, de Chétien de Troyes (1135-1183), um dos maiores 
		escritores franceses da Idade Média, o mesmo, deixando de lado a 
		antiguidade clássica e aproveitando-se das lendas celtas e das ricas 
		fontes folclóricas europeias, passando a dedicar-se ao ciclo arturiano e 
		ao tema do amor cortês, duas fontes inesgotáveis da literatura 
		ocidental.
 No seu livro, acha-se escrito:
 
 “O jovem Sir Percival estava exausto depois de cavalgar o dia inteiro. 
		Tinha partido, meses antes, da corte do rei Arthur em busca de fama e 
		aventuras, mas, naquela noite, tudo que ele queria era dormir. Foi, 
		então, que avistou um castelo. Os portões estavam abertos e Percival 
		entrou. Lá, no seu interior, foi recebido por um certo “Rei-pescador”, 
		um velho nobre que o convidou para cear. Antes de o banquete começar, 
		duas crianças atravessaram a sala. Primeiro, um menino passou, trazendo 
		nas mãos uma longa lança de uma brancura deslumbrante, cuja ponta 
		sangrava como se estivesse viva. Em seguida, apareceram dois homens 
		muito belos, carregando cada um em sua mão um lustro de ouro niquelado, 
		e em cada um brilhavam pelo menos dez círios.
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				|  | Logo depois, surgiu uma menina em roupas 
				majestosas, carregando um recipiente de ouro puro, incrustado 
				pelas jóias mais preciosas da Terra ou do Mar, embora nenhuma 
				gema pudesse comparar-se com o Graal. Quando a mesma entrou com o Graal, um clarão atravessou a sala, tão 
		grande e intenso, que os círios do castelo perderam o brilho como as 
		estrelas ou a lua quando desapareceu o Sol. Atrás dessa donzela, vinham 
		outras, levando um ábaco de prata”.  |  |  
        |  | Conta-se, nas lendas arturianas, que todo aquele que saía à procura do 
		Santo Graal, após ter encontrado o castelo do Graal, tinha de passar por 
		uma certa prova, e se conseguisse realizar a mesma com êxito, o 
		Rei-pescador seria curado e as terras desoladas tornar-se-iam férteis. A 
		referida prova nada mais era do que perguntar o significado do que via, 
		quando os objectos sagrados eram expostos, e a quem o cálice do Graal 
		servia?! No caso de não efectuar o seu questionamento, o castelo, o rei, 
		o Graal, tudo mais se dissolveria como num sonho, e as terras 
		permaneceriam estéreis, até que ele ou uma outra pessoa pudessem 
		alcançar o castelo novamente, quando teria, então, uma segunda 
		oportunidade de fazer as perguntas. Sir Percival ficou deslumbrado e 
		dominado de admiração causada pela misteriosa procissão do Graal, mas, 
		por timidez, não perguntou o significado do que via.  No dia seguinte, o cavaleiro seguiu viagem. Aquela cena nunca mais saíra 
		de sua cabeça. Um dia, decidiu reencontrar os tesouros e desvendar seus 
		segredos, mesmo que a aventura lhe custasse a vida. Naquela 
		oportunidade, a busca pelo Graal acabava de começar. Sir Gawain, da 
		mesma forma, foi dominado pelo sono no momento crítico, de maneira que 
		também nada perguntou acerca de qual o seu significado. Chrétien de Troyes faleceu antes de concluir o seu livro, e, neste, 
		nenhuma explicação deixou: o que seria aquele recipiente portador 
		daquele brilho, e o que ele continha?! Quem era o rei-pescador?! Qual o 
		significado daquela lança que sangrava?! Essa série de perguntas fora, 
		pois, respondida pelo escritor. O cálice, segundo as lendas, tem certos poderes associados, tais como: - Capacidades para curar e restaurar fisicamente o corpo humano; - Comunicação com Deus ou o conhecimento do próprio Deus; - Invisibilidade para o mal ou para olhos que sejam desmerecedores; - Capacidade para “alimentar” e proteger, fosse de que forma fosse, os 
		presentes; - Imortalidade: “Capacidade para chamar para junto de Si todos aqueles 
		que forem merecedores”. O simbolismo sexual do Graal é indiscutível: é uma taça. E, como tal, é 
		a imagem do seio da mulher que dispensa alimento. Por analogia, é um 
		continente, e seu conteúdo, na versão cristianizada, poderíamos dizer, é 
		o sangue de Jesus. Por isso, é fácil deduzirmos que o Graal, mais do que 
		a imagem do seio, representa o útero da Deusa Mãe, que dá vida a todas 
		as criaturas do mundo, na condição de ser fecundada: “Rainha Hécuba”, 
		como lhe chamou Carl Off, na Carmina Burana:  |  
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				|  | “Gira roda da fortuna eu desço e pereço
 outro é levado para cima;
 no cimo de tudo
 senta-se o rei, no vértice:
 ele que se guarde de cair!
 E sob o eixo da roda lê-se:
 Rainha Hécuba”.
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        |  | Sabemos que o País do Graal é estéril, está devastado e que espera o 
		cavaleiro eleito que deve devolver a fertilidade perdida. Como o 
		Rei-pescador tem um ferimento que afectou suas partes viris, portanto, a 
		taça – que também teria uma boca circular perfeita, como a Távola 
		Redonda e a Roda da Fortuna ou do Destino -, do Graal, como útero 
		materno, só poderá ser fecundado por um homem eleito (futuramente iremos 
		abordar a figura do Graal como sendo – o sangue). Por analogia, Jesus 
		seria esse eleito, mas qual foi o útero que Ele fecundou. A procura do 
		Grall em forma de um cálice despertou inclusive a curiosidade dos Nazis. 
		Segundo Stephen O´Shea e M. Sabbehedin, o Terceiro Reich teria, 
		efectivamente, patrocinado uma busca ao Cálice, antes da Segunda Guerra 
		Mundial. Tudo teria começado com as pesquisas do místico nazi Otto Rahn. 
		Para ele, o Graal era uma relíquia do paganismo, símbolo da resistência 
		germânica contra o Cristianismo. Para Rahn, os guardiões do Graal teriam 
		sido os Cátaros hereges, perseguidos e exterminados pela Igreja, nos 
		séculos XI e XII, e o Cálice estaria escondido nas ruínas de Montségur, 
		antiga fortaleza dos Cártaros, no sul da França.  As teorias de Rahn chegaram aos ouvidos de Heinrich Himmler, comandante 
		das SS e entusiasta das ciências ocultas. Himmler convidou Rahn a 
		unir-se à divisão de pesquisas arqueológicas das SS e ordenou que fossem 
		efectuadas escavações em Montségur. Alguns afirmam que, posteriormente, 
		Rahn enviou a Himmler um grande cristal de quartzo, que se assemelhava à 
		descrição do Graal, efectuada por Wolfram Von Eschenbach. O mais 
		provável, no entanto, é que isso também não
		passasse de uma lenda, o que não faz História. |  
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 Representações da Taça do Graal. Há para cima de 
				500 taças distintas espalhadas por todo o mundo.
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        |  | Quem se não recorda da Lenda de Cárquere e da de Ourique, ocorridas 
		durante a vida de D. Afonso Henriques e maquinadas no século XVII? E da 
		lápide que conta 400 anos e se encontra na Capelinha em Guimarães, 
		afirmando que, em 1106, se baptizou D. Afonso Henriques, na respectiva 
		Pia Baptismal, quando este nasceu por Julho/Agosto de 1109? E o tão 
		propalado Milagre das Rosas da Santa Rainha Isabel que calou a 
		curiosidade ao marido, D. Dinis? Se há lendas medievais, a grande 
		maioria foram só construídas, muitos séculos mais tarde, com propósitos 
		muito políticos muito concretos. Entre as origens do Maravilhoso 
		medieval (nomeadamente da lenda arturiana), encontram-se:
 - As maravilhas bárbaras;
 - A mitologia germânica;  - E o imenso reservatório céltico – como a matéria da Bretanha, a 
		cortesia ou a aventura como maravilha. 
 Como resultado, há elementos pagãos presentes na Literatura da Idade 
		Média, tais como sonhos, aparições e visões – o maravilhoso mágico e a 
		feitiçaria, que existe para lá do maravilhoso simbólico e moralizante e, 
		também, o maravilhoso literário. Leiam-se as historietas dos Livros de 
		Linhagens, coligidas por Herculano nas suas Lendas e Narrativas. 
		Historietas que envolvem Famílias dos primeiros séculos da História 
		Portuguesa.
 
 Na verdade, os romances mais belos e delicados, animados de ideias são 
		os do ciclo bretão, que se socorrem de mitos maravilhosos e fantásticos 
		e em que o ideal da cavalaria é nobilitado pelo ideal religioso, através 
		dos quais os heróis procuram orientar a sua acção, mas acabam por 
		sucumbir, na sua maior parte, por fraqueza humana, a tentações que os 
		desviam do seu propósito.
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        |  | III.  O Tema da Floresta na Literatura Medieval |  
        |  | “Pinhais desciam as encostas, ao compasso desmedidodas suas pernas altas, dando a impressão de que, à marcha
 que levavam, breve se não veriam mais. Bosquedos
 de giesta e urze, moitas e brejos mal marchetavam com
 seu verde difuso a vaga soalheira que enrubescia a terra
 os picotos, recortados na brancura espacial, tinham o ar
 expectante de ser alguma vez Sinai, enquanto os penedos dormiam
 os sonos brutescos, letárgicos, dos primeiros monstros da criação”.
 (Aquilino Ribeiro)
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        |  | No Ocidente medieval, a floresta foi para o Homem o lugar dos seus 
		lendários mistérios, aventuras e terrores. Serviu de refúgio para cultos 
		pagãos, para os eremitas, para os vencidos e para os marginais. Os 
		sentidos simbólico e enigmático exprimiram-se, pois, na produção do 
		imaginário e da fantasia, conforme testemunham dois dos maiores 
		criadores da Literatura em Francês arcaico: Béroul, com a sua lenda 
		manuscrita Tristão e Isolda e Chrétien de Troyes, com os seus romances. 
		É principalmente na Literatura cortês que a floresta desempenha um papel 
		primordial e simbólico de capital importância. A floresta está no 
		coração da aventura cavaleiresca, ou melhor, esta encontra na floresta o 
		seu lugar de eleição e o tema preponderante é o da floresta-provação. 
		Está também ligada à ideia de solidão. De 500 a 1200, conheceu-se a existência de uma fase climática quente 
		e, consequentemente, um retorno ininterrupto da floresta que, 
		rapidamente, a par do deserto, é associada à ideia de solidão, ou as 
		vastae solitudines, lugares incultos, charnecas arborizadas: forez i a 
		granz e gastines, escreve, no século XII, o trovador anglo-normando 
		Benoît de Saint-Maure. Mas o sentido simbólico profundo da floresta 
		manifestou-se na produção do imaginário e, não raras vezes, do medonho. Os mortais comuns têm, pois, medo da floresta, pelo emaranhado dos 
		caminhos quase impossíveis de trilhar, as escuras grutas que de dentro, 
		de dia, brilham com os reflexos do Sol, o seu silêncio enigmático 
		quebrado pelo piar da coruja e pelo elevar das asas de um pássaro que 
		surge repentinamente… pelos seus silêncios e, quantas vezes, também 
		pelas suas vozes que atordoam os homens mais aventureiros. É lugar de 
		bruxas,•magos, faunos, de animais nunca vistos, uns alados outros não, 
		em lugares normais, onde só aventureiros e corajosos ousam internar-se. 
		Em Chrétien de Troyes, a floresta é lugar de provações e de aventuras, 
		tendo um papel importante no seu último romance: Perceval ou le Conte du 
		Graal: “qui est si effrayante que nul nose y entrer”. É um episódio 
		complexo, no qual se misturam o medo, a valorização da vida selvagem do 
		deserto, o significado de floresta-deserto como penitência e asilo, no 
		dizer de Le Goff. O presente poema é iniciado com o jovem Perceval, encontrando 
		cavaleiros, e percebendo que também gostaria de ser um. Sua mãe criara-o 
		fora dos domínios da civilização, nas florestas do País de Gales, desde 
		a morte do pai. A contragosto da progenitora, o garoto parte para a 
		corte do rei Artur, onde uma rapariga prevê grandes conquistas na sua 
		vida. Ele é caçoado por Kay, mas torna-se cavaleiro e segue caminho à 
		aventura. Perceval salva e apaixona-se pela jovem princesa Brancaflor e 
		treina com o experiente Gornemant. Em um momento de sua vida conhece o 
		Rei-pescador, que convida Perceval a permanecer em seu castelo. Enquanto 
		aí fica, o cavaleiro presenciou uma procissão, em que jovens carregam 
		objectos magníficos entre cómodos, passando por ele em cada fase do 
		evento. Primeiro aparece um jovem carregando uma lança coberta de sangue 
		e, depois, dois jovens empunhando candelabros. Por fim, uma jovem 
		aparece trazendo consigo um decorado cálice, o Graal. O objecto contém 
		um alimento que, miraculosamente, sustém o pai ferido do Rei-pescador. 
		Tendo sido aconselhado para tal, o jovem cavaleiro permanece em silêncio 
		durante toda a cerimónia, apesar de não entender o seu significado. No 
		dia seguinte, ele volta para a corte do Rei Artur. A floresta aqui, é também traidora, lugar de alucinações, das 
		tentações (em termos de uma moral feudalizante) e de emboscadas. A 
		floresta opõe-se, deste modo, no sistema de valores medievais, à 
		sociedade organizada – no romance cortês, à corte de Artur, em Camelot.
		 Contudo, também o monarca vai à floresta beber sacralidade e 
		legitimidade. Na Literatura, vemos, principalmente, a oposição 
		Floresta/Castelo. Finalmente, é na floresta protegida por si mesma e não 
		no Castelo defendido pelos seus homens e por outros que levantaram altas 
		e espessas muralhas. Finalmente, é na Floresta que Tristan e Isolda (em 
		Tristan de Béroul), fugindo à ira do rei Mark, se refugiam para se 
		sentirem a salvo, que Richard Wagner pôs em cena operática de excepção. É de ver que, no que respeita ao mito do Graal, há uma diversidade de 
		soluções para a questão do mistério, sendo como tal mais oportuno falar 
		de lendas do que de uma só lenda. O poema francês de Chrétien de Troyes [c.1135-c.1191] talvez tenha 
		sido o grande impulsionador para a popularidade do mistério do Graal. A 
		extraordinária diversidade de romances no que se refere a este tema pode 
		ser explicada por ramificações pré-literárias e de padrões celtas, 
		identificáveis na Literatura do Graal. Com efeito, as verdadeiras e 
		últimas fontes das lendas foram, muito provavelmente, as sagas 
		irlandesas precoces, tendo sido as personagens originais substituídas. A 
		diversidade presente nas sagas terá gerado, pois, uma confusão de 
		informação transmitida oralmente pelos Bretões aos Francos e 
		Anglo-Normandos, levantando, por fim, todo um mistério e obscuridade em 
		torno do Graal e da lenda que envolve a mesma. Por sua vez, os letrados 
		terão solucionado, cada um com a sua própria imaginação, os contos 
		originais que propalavam os Contadores. Mais tarde, uma falsa pista nas palavras cors beneiz terá conduzido à 
		cristianização da lenda e, a partir de então, os clérigos terão 
		procurado explicações religiosas para o mistério do Graal. |  
        |  | “O Rei Artur é uma figura histórica ou o herói que deu corpo a uma lenda?
 Cabe ao leitor decidir – porque Artur é o simbolo da luta
 incessante do bem contra o mal,
 da luz contra as trevas”.
 (Raquel Ribeiro)
 
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        |  | V. A Matéria Britânica |  
        |  | Foi sobretudo através de França que a matéria britânica se espalhou 
		pelos países baixos europeus. De facto, aquela região, na Idade Média, 
		produziu mesmo uma maior quantidade de Literatura arturiana que a 
		Inglaterra. Contudo, foi devido aos Bretões que a lenda se espalhou até 
		ao reino dos Francos. Efectivamente, a Literatura celta precoce já tinha dado origem, no 
		século IX, a uma série de lendas locais, nas quais Artur era a figura 
		central. Estas eram recheadas de folclore, lenda e rastos de mitologia 
		pagã, tudo contado em prosa para entretenimento popular. Os textos celtas variam de tal maneira que isto sugere que haveria uma 
		considerável história de tradição oral. Assim, a tradição celta foi 
		herdada pela Bretanha e pela Irlanda, tradição esta sobretudo oral, mas 
		também escrita. |  
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 (O reino terreal de Artur e seus Cavaleiros da Mesa Redonda, inspirado 
		no Reino celestial da harmonia cósmica, seria o modelo oferecido aos 
		homens para que, também inspirados nele, acedessem ao caminho de sua 
		própria perfeição)
 |  |  
        |  | No século XII, começa a aparecer na Europa uma vasta literatura, também 
		na qual Artur era a personagem mais destacada. Para os historiadores, 
		cada vez se torna mais claro que ter-se-á devido provavelmente aos 
		Bretões a difusão deste fenómeno e muitos concordam em atribuir-lhes não 
		só a circulação das histórias que envolvem o Rei (e a sua espada mágica) 
		mas também a ideia da Távola Redonda e o magno sentido que ela envolve, 
		a igualdade de todos ante os destinos do Reino – algo que é 
		absolutamente inovador e precoce a ideais que se formaram noutros Países 
		-, da sua passagem por Avalon e dos seus fiéis companheiros.As 
		semelhanças entre os romances franceses e anglo-normandos são, com efeito, muitas, parecendo ser seguro atribuir aos 
		contadores bretões a adaptação da sua herança de lendas-romances ao 
		gosto das cortes francesas e inglesas, de tal modo que terão adquirido 
		uma reputação de entertainers. Com os seus versos em torno da figura de 
		Artur, estes aedos conseguiram encantar condes e reis que não tinham a 
		menor ligação ao herói britânico e dar origem a um fenómeno de grande 
		sensação com as suas “novelas” de ficção fantástica, especialmente em 
		França e na Hispânia. |  
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				|  |             (A Távola Redonda) |  |  
        |  | Por fim, bastantes variantes na recitação oral podem ser detectadas nos 
		textos arturianos, preservados ainda hoje. A grande mudança num tema 
		pode, por vezes, ser explicada por um longo desenvolvimento 
		pré-literário, quando cada recitador fazia as suas alterações. |  
        |  | VI. O Ciclo Arturiano |  
        |  | “Quando o rei viu seus homens em tal dificuldade, suspirou pelos da
		mesa redonda, e esporeou o cavalo, e foi feri-los, com grande sanha 
		e com grande desejo de vingar seus homens que via diante de si matar [...] meteu mão à espada, que era boa e bem cortadora, e ele era
		muito corajoso e muito forte e defendia-se tão bem e tão valentemente que diziam bem quantos o viam que aquele era rei Artur e seus inimigos também o louvavam e prezavam muito, tanto o viam bem defender-se”. (A DEMANDA DO SANTO GRAAL, 1988. p. 344.)
 |  
        |  | 
		Dentro do ciclo literário arturiano, o mais conhecido é composto por 
		cinco romances:
 
 
 - L’ Estoire del Saint Graal;
 - Merlin de Robert Nye;
 - Lancelot-Grail ;
 - La Queste del Saint Graal ;
 - Le Mort d’ Artur.
 
 A prosa de Lancelot-Grail, La Queste del Saint Graal e Le Mort d’Artur 
		datarão, muito provavelmente, de entre 1215 e 1230, um período em que o 
		romance arturiano, ainda beneficiando do impulso dado por Chrétien de 
		Troyes, estava a tomar novos rumos. A tendência para transformar os 
		versos narrativos em prosa e juntá-los por grupos já se havia 
		manifestado, assim como o processo de cristianização da lenda do Graal 
		já tinha ido longe, trazendo novos mistérios e um novo espírito ao mundo 
		da cavalaria.
 Esta literatura já detinha requintadas qualidades de imaginação e estilo 
		e a prosa de Lancelot-Grail impressiona mesmo pela sua consistência e 
		estilo, interligando as aventuras do herói. De facto, Lancelot, o fiel 
		companheiro de Artur, estava destinado a brilhar na tardia história da 
		Literatura arturiana. Em meados do século XII, já se havia tornado no herói de uma lenda. É, 
		pois, neste poema que Lancelot é promovido ao papel de herói e feito 
		amante da rainha Gwenevere, mulher do rei Artur. Aqui ele aparece como o 
		perfeito exemplo de fidelidade e de paixão, um mais refinado e submisso 
		Tristão. Com a combinação desta prosa com o poema de Chrétien, a 
		personagem de Lancelot adquiriu uma nova glória. Logo no início, 
		Lancelot surge como filho da calamidade, roubado por uma fada (A Dama do 
		Lago) aos seus pais biológicos e por ela foi criado no seu palácio. Com 
		dezoito anos, é conduzido pela mãe adoptiva à corte do rei Artur e, a 
		pedido dela, tornado cavaleiro. Walter Scott, nos seus poemas, entre os mais estimados, legou-nos The 
		Lady of the Lake, A descrição é, em geral, sacrificada à rapidez da 
		narração. Neste romance, porém, ainda podemos encontrar alguns trechos 
		que recordam um delicioso pintor de paisagens, tal como o foi Lord Byron. Apesar de as acções da Dama do Lago serem meramente regidas pelos 
		interesses do seu cargo, com a cerimónia de ordenação de Lancelot, as 
		origens do mito de cavalaria são lançadas e o simbolismo literário das 
		armas do cavaleiro e do seu cavalo, assim como as suas obrigações têm o 
		seu início. Ainda que devoto ao serviço das armas, o cavaleiro deve 
		subordinar o seu orgulho e egoísmo à protecção dos mais fracos e à 
		defesa da Sagrada Igreja. Desta forma, o ideal de cavalaria é 
		harmonizado com a moral cristã e colocado ao serviço da religião. Contudo, paralelamente à devoção do herói por Artur, neste romance, 
		Lancelot devota-se também à mulher do rei, constituindo este o seu maior 
		pecado (aos olhos do ideal cristão/feudal), contrabalançado com a sua 
		nobreza de espírito (e, deste modo, de certa forma, indulgido).  O herói enveredará assim, numa série de aventuras – votos fantásticos, 
		combates e encantamentos. Em La Queste del Saint Graal, quando os cavaleiros da Távola Redonda se 
		encontram reunidos na grande sala, o Graal desaparece e estes milites 
		juram ir em sua busca. Partem juntos, mas cedo se separam e às suas 
		aventuras individuais, corresponderão os seus méritos. Esta obra está 
		cheia de espírito monástico e nos cavaleiros podemos encontrar uma série 
		de virtudes, como a humildade, a paciência, a justiça e a caridade, a 
		temperança, a cordialidade, a moral, a ética, o auxílio às mulheres, aos 
		órfãos e aos mais fracos, a benevolência, o amor e o respeito pela 
		Igreja. São doze virtudes, como são doze os lugares na Mesa redonda. Por outro lado, o Graal representa aqui o divino e os paralelos com 
		episódios da Bíblia são alguns. Por exemplo, quando Galahad, Perceval e 
		Bohort encontram o Graal, aparece-lhes Cristo que os serve com comida e 
		lhes adiciona nove cavaleiros à refeição, numa reencenação da última 
		ceia. São doze, não treze, como as virtudes à Mesa, que são, igualmente 
		doze. Em La Mort d’Artur, o rei descobre a traição do seu filho nascido de 
		incesto. Chama-se Mordred e, numa luta, é morto. Contudo, também o rei 
		é, mortalmente, ferido na cabeça e o seu corpo é levado por Morgaine e 
		pelas fadas. O autor preserva e embeleza o ancestral mito da partida de 
		Artur para Avalon pela mão das fadas, antes de estas o enterrarem na 
		Capela Negra.  Neste romance, o autor conseguiu unificar materiais distintos na sua 
		natureza e na sua origem, como o adultério de Gwenevere com Lancelot, de 
		Chrétien, e a queda de Artur pelas mãos de Mordred, de Geoffrey. Por 
		outro lado, o autor concedeu à narrativa uma natureza dramática, onde o 
		poder do destino é enfatizado por efeitos de ironia e de pathos. 
		Todavia, as calamidades também são provocadas pela vontade cega dos 
		cavaleiros que os conduzem à sua perdição. Em cada uma das personagens 
		coexistem o bem e o mal, ou seja, elas são, pela primeira vez, mais 
		humanas. Quanto à crónica de Merlin, este, meio humano, meio diabo, tem o dom da 
		profecia. Tudo na personagem converge para o evento supremo, o do 
		estabelecimento da Távola Redonda que representa a igualdade dos 
		cavaleiros, defende um ideal de cavalaria, acção e defesa da Igreja. A 
		unidade é representada por Merlim, tal como as ligações de causa-efeito. 
		É ele o guardião de Artur e, por entre questões políticas, a história de 
		Merlim é a história da glorificação de Artur. A generosidade deste 
		último é assegurada pelos conselhos do primeiro. Na Literatura, a ruína de Merlin será a sua amante, a fada Morgana, o 
		que encaixa, perfeitamente, na sua personagem eterna (pois ela não 
		envelhece nem pode morrer) que só poderia ser encantada para todo o 
		sempre. Por último, também na Literatura medieval inglesa, a lenda arturiana 
		penetrou profundamente e um grande número de romances foi adaptado da 
		Literatura francesa e do legado céltico. Tal como em França, Chrétien 
		impulsionou ou expulsionou o espírito arturiano… em Inglaterra, esse 
		papel foi assumido por Geoffrey. Como disse Óscar Wilde, “a vida imita a Arte”.  Com efeito, na época medieval a Literatura arturiana teve uma forte 
		influência nas cortes régias, na cavalaria nobre, nos desportos (caça ao 
		porco montês, falcoaria, exercício dos sentidos…) e nos espectáculos da 
		época (dança, teatro, cantares, música instrumental, canto, no papel do 
		bobo…). Os reis presidiam a távolas redondas: importantes Lords adoptavam os 
		nomes de Gauvain e de Lancelot; personificações e encenações das 
		personagens arturianas eram recorrentes nos festins, de forma a emular 
		os seus feitos de armas. Desde 1223 até ao século XIV, uma combinação de 
		banquete, festim e dança era conhecida como a Távola Redonda e foi uma 
		das mais populares distracções da Cristandade. Em D. Quixote de La 
		Mancha, de Miguel Cervantes, encontramos uma sátira ao papel do rei 
		Artur, quando D. Quixote desafia (de forma absurda) todos os cavaleiros 
		que encontra para um duelo. A Literatura arturiana tornou célebres personagens que encarnavam o 
		ideal cavaleiresco – Gauvain tornou-se o ídolo dos jovens com aspirações 
		a cavaleiros. Tristão, que viveu um trágico amor com Isolda, inspirou a 
		Richard Wagner, como referimos acima, a sua célebre ópera. Lancelot 
		viveu com Gwenevere um amor de adultério e de perdição. Nasceu o amor 
		cortês que contribuiu, sem dúvida, para o ideal de gentleman e o amor 
		romântico. A busca do Graal desvendou mistérios religiosos, enquanto 
		profundas lições de moral podiam ser retiradas da história de Percival.
		 No enredo destas histórias de amor, aventura, comédia e de alta 
		dedicação, esteve o grandioso esquema da glória e queda da Távola 
		Redonda do rei Artur que, por sua vez, vimos encarnar a perfeição de 
		todas as virtudes e magnificências e toda uma Literatura que foi, no 
		Renascimento, substituída pelo raciocínio e coerência neo-classicista, 
		pela emoção e novidade das descobertas de novos mundos e pela 
		intolerância do protestantismo. Não pensemos, porém, que a fantasia, o mistério, o amor impossível, a 
		desordem social, a imoralidade escondida… desapareceram da Literatura 
		europeia. No pré-romantismo, no Romantismo e em autores ainda dos nossos 
		dias e de sempre, somos envolvidos, de amiúde, pelo herói, a donzela, a 
		mulher casada, o ciúme, a alegria e a tristeza., a imaginação… deixaram 
		ou deixarão de existir, porque a vida real supera, a contrario Óscar 
		Wilde, a ficção. Os romances deste ciclo foram cedo conhecidos em Portugal. Comprovam-no 
		alusões que surgem no Cancioneiro da Vaticana a Merlim (C.V., 930) e à 
		besta ladrador (C.V. 1140), a Tristão e Iseu (C.V. 115) e a existência 
		no Cancioneiro Colocci-Brancuti (n.os 1 a 5). De cinco lais de Bretanha 
		(I, 31), dois dos quais se referem a Tristão e um a Lançarote, 
		acompanhados de explicações sobre factos referidos nos romances deste 
		ciclo. É possível que diferentes romances tivessem sido passados a 
		Português no século XIV. Só dois subsistiram. Um deles, a História dos 
		Cavaleiros da Mesa Redonda e da Demanda do Santo Graal, que se conserva 
		na Biblioteca Nacional de Viena de Áustria. Parte deste livro foi 
		publicado em Berlim, em 1887 por Karl von Reinhardstoettner. Otto Klob 
		publicou na Revista Lusitana (VI, 332-346), dois episódios inéditos do 
		mesmo livro. Ainda destro da influência do ciclo bretão em Portugal e seus vestígios, 
		encontramos um Merlim na chamada Livraria de D. Duarte. Aqui, havia 
		ainda um Galaaz e um Tristam. Estas narrativas eram geralmente conhecidas entre os cavaleiros, e até 
		ministravam, para a conversação vulgar, exemplos e termos de comparação, 
		como vemos no que se passou com o cerco de Cória entre D. João I e os 
		milites. Basta, para isso, ler-se o que se refere na Crónica de D. João 
		I, (2.ª parte, cap. 76) de Fernão Lopes. D. Nuno Álvares Pereira, logo 
		em muito moço, tomara a Galaaz por modelo e, só por obediência à vontade 
		do pai, consentiu em contrair matrimónio. Muitas pessoas tinham nomes de 
		heróis dos romances do ciclo bretão. Luís de Camões não olvidou a tradição cortesã e cavaleiresca. No Canto 
		VI de Os Lusíadas, descreveu um episódio sintomático: os “doze de 
		Inglaterra”, um Memorial das Proezas da Távola Redonda. É, porventura, a 
		memória mais antiga que se encontra em obras portuguesas acerca do feito 
		lendário. Camões acentua que não vai contar coisa fabulosa ou nova, 
		porquanto o acontecimento relatado nesta parte do Poema pode ter-se 
		realizado na semana da Páscoa ou pela festa do Espítito Santo, do ano de 
		1396, quando Ricardo II de Inglaterra ainda estava viúvo de Ana da 
		Boémia e para casar com Isabel de Valois. “O Rei Artur é uma figura histórica ou o herói que deu corpo a uma lenda?
 Cabe ao leitor decidir – porque Artur é o simbolo da luta incessante
 do bem contra o mal,
		da luz contra as trevas”.
 (Raquel Ribeiro)
   * São estas histórias que ainda hoje são contadas e que maravilham muitos 
		de nós, fazendo-nos viajar e sonhar, por entre mundos e seres virtuosos 
		e mágicos, convidando-nos a transcrever os nossos limites da mente e do 
		quotidiano. |  
        |  | BIBLIOGRAFIA |  
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		dans l’art gothique, Paris, 1955 Réveils et Prodiges – Le Moyen Âge fantastique, Paris, 1960 ;
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 ZUMTHOR, P., Essai de poétique médiéval, s.l., s. ed., 1972
 |  
        |  | 
		 |  
        |  | João Silva de Sousa (Portugal)Professor do Departamento de História, 
					da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade 
					Nova de Lisboa. Académico correspondente da Academia 
					Portuguesa da História
 |  
        |  | 
		 |  
        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
 PORTUGAL
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        |  |  |  |  |