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		nos disse Wilson Martins que “o Modernismo foi uma escola ambulante e 
		perambulante, fascinado pela descoberta geográfica e medusado pela 
		descoberta cronológica”. Contudo, diversas são as razões desse fascínio. 
		Vão do exibicionismo de um Oswald de Andrade à aventura anímica de um 
		Raul Bopp. O fato é que, desse entrecorte de viagens, seguramente a 
		poesia de Bopp nos dá uma dimensão poética mais ampla do que aquela 
		encontrada nos versos de Mário e Oswald. A dificuldade maior em colocar 
		tais assuntos à mesa é que os mesmos estão sempre assistidos por uma 
		série de prerrogativas acerca de um supostamente inquestionável valor 
		dos capitães de nosso Modernismo. 
		Quando em 1998 tivemos uma edição da Poesia Completa de Raul Bopp, 
		organizada e comentada por Augusto Massi, este precioso objeto 
		finalmente permite uma boa compreensão dos aspectos a seguir 
		mencionados. O livro reúne, além da poesia, breve cronologia, fortuna 
		crítica e estudo introdutório e boa iconografia. Logo na introdução, 
		Massi indaga sobre os obstáculos na recepção e conhecimento “mais amplo” 
		da obra de Raul Bopp, logo situando que tal obra “nos transmite uma 
		experiência da viagem e do diálogo à qual não temos mais acesso, 
		anestesiados pelo excesso de turismo e comunicação”. Creio que há aí um 
		deslocamento de pertinências. E basta observar alguns dados fornecidos 
		pelo próprio Massi, no decorrer de seu estudo, em especial nos momentos 
		em que toca em temas como profusão imagética (“Está mais próximo da 
		linhagem onírica dos surrealistas do que das técnicas de montagem e 
		corte cubo-construtivistas, praticadas por Oswald e Cabral”) e acento 
		estilístico (“A contrapelo da lírica moderna brasileira, em Bopp 
		praticamente inexiste veio confessional ou discurso autobiográfico”). No 
		âmbito do Surrealismo, o próprio Bopp referiu-se, em conferência datada 
		em 1944, à “frescura primitiva” do que ele chamava de “surrealismo 
		brasileiro”. Ao comentar o assunto, observou muito bem Lígia Averbuck: 
		“Como em todos os processos surrealistas, ao proscrever a retórica 
		usual, sua escritura mostra as coisas na sua nudez perturbadora e no 
		impacto subversivo de sua verdade”. Quanto ao confessionalismo, Bopp é 
		primoroso ao salientar o “lirismo bojudo do poeta [Augusto Frederico] 
		Schmidt”, em carta a Jorge Amado e Carlos Echenique, que funciona como 
		prólogo à única edição de Urucungo (1932). Creio 
		então que estes aspectos todos que constituem a identidade da obra de 
		Raul Bopp, na verdade a identidade incontestável de seu próprio autor, 
		são algo suficiente para um mínimo de deslocamento ou folclorização da 
		importância de sua dimensão poética. Além disto, temos algumas leituras 
		discutíveis, tanto no tocante ao vínculo com uma saga indianista quanto 
		à influência exacerbada do Futurismo. Na fortuna crítica recolhida por 
		Augusto Massi há referências a uma identificação de sua poética com a de 
		Gonçalves Dias, em menções vindas de Oswald e Carlos Drummond de 
		Andrade. Por sua vez, no livro A escrituração da escrita (1996), 
		Gilberto Mendonça Teles observa que “mesmo num poema de cunho nacional 
		como Cobra Norato […] encontramos a locomotiva futurista metamorfoseada 
		no mito indígena da ‘cobra grande’, na região amazônica”. Temos 
		aí dois exemplos de uma leitura distorcida que sofreu a obra poética de 
		Raul Bopp. Wilson Martins chegou a dizer que Cobra Norato “tem o valor 
		exemplar de fechar o ciclo da poesia indianista no interior do 
		Modernismo”. Bopp disse haver procurado um “verso novo que captasse uma 
		linguagem nova, que rompesse com o procedimento formal do verso”. Isto 
		quer dizer que buscou a invenção a partir de uma identificação. Seu 
		nomandismo não era de gabinete, assim como, ao contrário de Gonçalves 
		Dias, não emprestou voz à agonia alheia. Não lhe interessou jamais uma 
		mitificação da própria voz. Sequer há traços indianistas em sua poética, 
		exceto se compreendermos o diálogo com um determinado imaginário como 
		submissão ao mesmo. 
		Idêntica impertinência registra-se na acima citada afirmação de Mendonça 
		Teles. Primeiro porque Cobra Norato não se trata de um poema de cunho 
		nacional e sim poético. Além disto, a retórica trocadilhesca do crítico 
		goiano habitualmente tolda sua leitura estética em torno de inúmeros 
		assuntos. Não bastasse o fato da cobra (animal) ser anterior ao trem (objeto), 
		há toda uma mitologia em torno do erotismo que ultrapassa os domínios de 
		um malabarismo de signos proposto pelo Futurismo. A propósito, vale 
		lembrar que o trem jamais dividiu o Brasil em dois meridianos, como 
		anunciava Oswald. Há, portanto, uma dupla ingenuidade, de ordem 
		indianista e futurista, no tocante à poesia de Raul Bopp. O que 
		parece haver perseguido Raul Bopp foi uma realocação do eu poético. Por 
		sua natureza nômade, buscou fundir ao verso uma amplitude de 
		deslocamento, um movimento cortante. Basta ler o estudo de Othon Moacyr 
		Garcia, que se preocupa antes com a poesia e não com os artifícios 
		literários. O acento estilístico de Bopp radica na ampla utilização de 
		perífrases e na presença constante de gerúndios e diminutivos inusuais. 
		Além disto, não deixou nunca de apontar as fontes. Vinham inicialmente 
		do Simbolismo da adolescência, consubstanciando-se na descoberta de 
		textos como os recolhidos por Antonio Brandão de Amorim, em 1916, para 
		uma edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 
		acerca dos mitos e lendas do Amazonas. Ele próprio disse, ao referir-se 
		a uma leitura do “espírito da selva”, haver percebido ali “as profundas 
		vibrações num clima surrealista”. É 
		curioso observar, após a leitura combinada de todos os poemas de Bopp, 
		incluindo suas incansáveis versões, que aquela referência inicial, ou 
		seja, de que se trata de um autor de um único livro, no caso Cobra 
		Norato, possui algo de verídico. Não digo isto em um sentido redutor, 
		mas antes atento ao fato de que sua poética já estava constituída desde 
		as anotações primárias. Toda a grandeza de seu erotismo, da 
		corporificação do mito, ambição anímica, a preciosidade dos jogos de 
		associação de linguagem, a originalidade imagética, tudo, já havia antes 
		e pouco se desdobrou após a escritura de Cobra Norato. No entanto, há 
		que lembrar outro aspecto: Bopp esteve incansavelmente a reescrever seus 
		poemas. Tudo isto fundamenta a idéia de um mundo em perene formação. 
		Claro, coincidia com alguns padrões de movimento propostos pelas 
		vanguardas na segunda década do século XX, porém sem a intenção 
		burocrática das mesmas. Não quis fundar nenhum novo indianismo e mesmo 
		seu vínculo com a antropofagia buscava justamente uma discussão em torno 
		da priorização de uma sintaxe sobre as demais. Digno 
		de elogio, conclua-se, é o empenho de Augusto Massi pela recolha da obra 
		poética de Raul Bopp. Seu trabalho de recuperação dos poemas é notável. 
		Anota as diversas versões que tiveram a maior parte dos poemas de Bopp, 
		por vezes reproduzindo, em notas ao final de cada capítulo, a versão 
		original de alguns desses poemas, como são exemplos todos aqueles que 
		constituem o livro Urucungo. Ao mesmo tempo, o livro deixa a desejar no 
		tocante à montagem da fortuna crítica, assim como não propõe nenhuma 
		discussão mais aprofundada em torno deste importante escritor 
		brasileiro. Acrescente-se, como ilustração final, que a obra de Raul 
		Bopp é constituída pela poesia – na verdade Cobra Norato, Urucungo e 
		poemas esparsos reunidos pelo autor em Putirum (1969) – e uma seqüência 
		mais extensa de prosa crítica (ensaios, entrevistas, anotações 
		memorialistas). Neste segundo segmento encontramos as razões necessárias 
		à compreensão de sua estética e de seus vínculos com o Modernismo. | 
      
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											Floriano 
											Martins (Fortaleza, 1957)Poeta, ensaísta, 
											tradutor, editor e artista plástico. 
											Participou das seguintes mostras 
											coletivas: 
											
											“O surrealismo” 
											(Escritório de Arte Renato Magalhães 
											Gouvêa, São Paulo, 1992), 
											“Lateinamerika und der Surrealismus” 
											(Museo Bochum, Köln, 1993), “Collage 
											- A revelação da imagem” (Espaço 
											expositivo Maria Antônia/USP, São 
											Paulo, 1996), e “I 
											Muestra Internacional de Poesía 
											Visual y Experimental” (Escuela de 
											Artes Plásticas Armando Reverón, 
											Caracas, 2009). Em 2005, participou 
											como “artista convidado” da edição # 
											17 da Agulha – Revista de Cultura, 
											com uma mostra de 50 colagens. 
											Assina diversas capas de livros seus 
											e de outros autores. Em maio de 2000 
											realizou o espetáculo Altares do 
											Caos (leitura dramática 
											acompanhada de música e dança), no 
											Museu de Arte Contemporânea do 
											Panamá. Um ano antes também havia 
											realizado uma leitura dramática de
											William Burroughs: a montagem 
											(colagem de textos com música 
											incidental), na Biblioteca Mário de 
											Andrade, em São Paulo. Em 2006, a 
											mostra Teatro Impossível, 
											reuniu leitura de poemas, canções, 
											colagens e fotografias (Centro 
											Cultural Banco do Nordeste, 
											Fortaleza). Espetáculo similar 
											realizou em 2009, durante o Festival 
											Internacional da Cultura (Colombia). 
											Esteve presente em festivais de 
											poesia em países como Chile, 
											Colômbia, Costa Rica, República 
											Dominicana, El Salvador, Equador, 
											Espanha, México, Nicarágua, Panamá, 
											Portugal e Venezuela. Coordena a 
											coleção “Ponte Velha”, de autores 
											portugueses, da Escrituras Editora. 
											Em 2009, publicou os seguintes 
											livros: 
											
											A alma desfeita em 
											corpo 
											(poemas, 
											
											Lisboa), Fuego en 
											las cartas (antologia poética, 
											Espanha), 
											
											A inocência de Pensar 
											(ensaios, Brasil) e 
											
											
											Escritura 
											conquistada. 
											
											Conversaciones con 
											poetas de Latinoamérica. 
											2 tomos (entrevistas, Venezuela).
 CONTATO: 
											floriano.agulha@gmail.com
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