REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 11

 

JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

 

«Mundial 82»

e outros poemas

 

 

DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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Mundial 82

 

(à memória de Edilberto Coutinho)

Certo.

Houve neste Mundial grandes jogos.

O Itália - Brasil com três golos nos primeiros vinte e cinco minutos.

O Alemanha - França com 8-7 nos pontapés da marca de grande - penalidade

depois de dois empates sucessivos.

O Itália - Polónia em Barcelona.

O Brasil – Argentina.

O Polónia – França jogado em Alicante no desconsolo do terceiro lugar.

O Itália – Alemanha no Santiago Barnabéu com Breitner insuficiente para Altobelli, Rossi e Tardelli.

 

Certo. Houve neste Mundial grandes jogadores.

Vimos Schachner a iluminar a Áustria

Vimos Maradona, Trevos Francis, Boniek e Platini, Rummenigge e Zico,

o escocês Jordan, Sócrates e Falcão, Tigana e Éder, Paolo Rossi enfim –

o homem dos golos decisivos, dos golos inesperados, dos golos impossíveis.

 

Certo.

Mas a imagem mais forte deste Mundial é a de um animado jogo de cartas no avião de regresso a Roma. Cauzio e Zoff jogam com Bearzot e com o presidente Sandro Pertini.

Jogam no usufruto dum tempo suspenso,

intervalo entre o esplendor na relva e as condecorações no Quirinal.

Jogam a partida contra o tempo dos relógios.

Eles sabem: quando o trunfo é morte nada mais podemos fazer que assistir.

   
  Filigrana
 

Na filigrana do momento inicial

Do rosto juvenil fixei as linhas

Tinhas acabado o tempo liceal

Sem horas vazias nem sozinhas

 

Trinta e sete anos depois da visão

Entre casa e jardim numa colina

O teu rosto organiza uma paixão

Continuas hoje a ser essa menina

 

No momento de chegar a Lisboa

Voltando as suas costas ao passado

Para construir o perfil duma pessoa

E deixar saudades em todo o lado

 

Seja em lojas, bancos ou hospitais

Caminhos dum percurso cada dia

A tua voz sem limites nem sinais

Desenha em filigrana uma alegria

   
  Caminho (Miguel Torga)
 

Sobre tudo o mais

Um cântico erguido

Das regras gerais

Sempre distinguido

Sem palavras iguais

Nem a fazer ruído

Deixou os sinais

Para ser seguido

 

Sobre tudo o mais

O amor à terra

Vinhedos, pinhais

A paz e a guerra

Searas e olivais

A neve na serra

Rebanhos, animais

O que a vida encerra

 

Sobre tudo o mais

Um cântico erguido

   
  Caminho-1942
 

O grupo de homens caminha por entre as fardas

Vão olhando em frente, sem receio e decididos

Mais pensativos vão os que levam as espingardas

Porque afinal anos depois serão eles os vencidos

 

Nesta Lisboa de mil novecentos e quarenta e dois

Chega mais uma leva de homens de Montemor

A fotografia só a descubro muitos anos depois

Mas muito nítida como se sentisse aquele fervor

 

O grupo de homens caminha por entre as fardas

Mas são eles os condutores no grupo que passa

Para poucos camponeses um pelotão de guardas

Que por tão pouca razão trazem a sua ameaça

 

Entre todos eles há a força dum olhar verdadeiro

São eles que desenham o seu caminho no chão

Hoje vejo no porte altivo do rosto do primeiro

O esplendor da nobreza de quem sabe ter razão

 

 

JOSÉ DO CARMO FRANCISCO (Santa Catarina, Caldas da Rainha,1951).
Prêmio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Colaborou no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro. Poeta. Possui uma antologia da sua poesia publicada no Brasil. Jornalista, colaborou entre outros em "A Bola", "Jornal do Sporting", "Remate", "Atlantico Expresso"... Autor de "Universário", "Jogos Olímpicos", "Iniciais", "Os guarda-redes morrem ao domingo", etc., bem como de antologias como "O trabalho", "O desporto na poesia portuguesa e "As palavras em jogo", entre outras. É secretário da Associação Portuguesa de Críticos Literários.
Vive em Lisboa.
Contacto: jcfrancisco@mail.pt
 

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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