REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 11

 

“O universal é o local sem paredes”
(Miguel Torga, Traço de União)
“Esta grandeza austera/ Onde as pedras parecem ter vontade, /
e nenhuma vontade desespera”
(Miguel Torga, Diário)

DORA GAGO

A serra e a cidade

– o triângulo dourado do regionalismo,

de Beatriz Rocha-Trindade

A Serra e a Cidade – o triângulo dourado do regionalismo, de Beatriz Rocha -Trindade, Âncora Editora, 2009

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Maria Estela Guedes  
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Em A Serra e a Cidade – o triângulo dourado do regionalismo, a Professora Doutora Beatriz Rocha-Trindade, doutorada em Sociologia pela Universidade de Paris V (Sorbonne), fundadora e investigadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da Universidade Aberta, proporciona-nos uma viagem, entre a serra e a cidade, rumo ao que é original, puro, singelo e autêntico, por isso mesmo, “universal” nas palavras do escritor Miguel Torga.

Um pouco à semelhança do que sucede com Jacinto, protagonista de As Cidades e as Serras de Eça, partimos à descoberta. Nesta digressão, o nosso primeiro ponto de partida, como leitores, é a própria capa do livro: vestida do azul intenso do céu serrano, abraçado pelos ramos de uma árvore, símbolo da vida, do crescimento, mas também da ideia de Cosmos vivo em perpétua regeneração, ou até talvez, da próprias comunidades que contra as adversidades se vão reconstruindo na seiva da resistência e da solidariedade humana. Aliás, esta simbologia intensifica-se se atentarmos melhor na imagem, pois constatamos tratar-se dum pinheiro que, segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, representa a força vital e a imortalidade, explicável pela persistência da folha e pela incorruptibilidade da resina. Aliás, o ponto geográfico de partida da obra é precisamente o domínio espacial da Zona do Pinhal Interior.

Então, iniciamos o nosso périplo entre o “triângulo dourado”, configurado pelos Concelhos de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra (pilares do regionalismo, iluminados pelo brilho do oiro espiritual, enraizado precisamente nos valores supremos da solidariedade e da coesão), e a cidade, entre o início do século XX e a actualidade.

Assim, organizada em cinco partes, a obra principia por nos apresentar “A Serra” com as “vistas e perspectivas” permitindo-nos conhecer a perspectiva do visitante impressionado pela beleza da paisagem. Nesta sequência, são igualmente facultados “factos e indicadores”, dados quantitativos justificadores da tendência para o despovoamento, assim como o inventário de “as aldeias da serra” que integram os três concelhos que servem de base ao estudo.

Seguidamente, em da “serra para a cidade”, é configurada a história das migrações internas, das aldeias serranas para o exterior, onde conhecemos os países, regiões e terras assumidos como destinos migratórios, as ocupações profissionais dos que rumaram a Lisboa, assim como os “paradigmas de sucesso profissional”, espelhados num leque de profissões bem sucedidas e por isso almejadas pelos conterrâneos que seguem a mesma odisseia.

Na terceira parte, centrada “em torno do regionalismo”, ficamos a conhecer os conceitos de “regionalismo” e “região” preconizados na óptica das “gentes da serra”, os dados pormenorizados do “associativismo regionalista”. Neste contexto, são facultadas as listas de todas as colectividades existentes nos concelhos focados, tal como os gráficos da sua evolução cronológica.

Avançando na nossa digressão, encontramo-nos “entre a cidade e a serra”, perante “as pontes da solidariedade”, para desvendarmos os meandros da “luta contra o isolamento”, o “papel dos media” para além dos “símbolos de saudade e de pertença”, revelados por aqueles que partiram, podendo traduzir-se numa assinatura do jornal regional ou local, em fotografias, inscrições numa placa ou numa tabuleta, assumidos, no fundo, segundo a autora, como “apenas gritos de amor à terra onde se nasceu.” (p. 113). Nesta esteira, o último capítulo desta parte, consagrado à “construção da notoriedade”, revela alguns dos nomes marcantes que a memória das gentes consagrou como “construtores” do Movimento Regionalista, salientando-se entre eles, professores, investigadores, escritores, jornalistas, príncipes da igreja e do Estado, industriais ou comerciantes…

Por fim, na última parte, ficamos a conhecer as configurações do futuro do movimento regionalista, sendo apresentada a evolução e funcionalidades das Estruturas Associativas, marcadas também pelos tempos de crise que se vivem, terminando a obra este périplo geográfico e cronológico com uma agradável e esperançada “lufada de ar fresco”, proveniente da serra, mas sobretudo dos seus filhos que partiram, labutaram, lutaram, venceram, para depois partilharem, solidariamente, com os conterrâneos e o torrão natal o fruto das suas conquistas, pois “O milagre do Regionalismo protegeu-os do trauma do afastamento físico das origens e impediu que pudesse neles instalar-se o egoísmo do presente ou o esquecimento do passado.” (138). Por isso, sem dar tréguas ao pessimismo, nem à resignação ou ao desânimo, como refere a autora, “Os Regionalistas da Serra construíram e deram à luz uma forma modelar de iniciativa da sociedade civil, sem por isso menosprezar o poder do Estado: não são súbditos ou servos – são parceiros de direito pleno.” (138).

A título de conclusão, importa enfatizar a grande homenagem que este rigoroso, pormenorizado e notável trabalho, dotado de profunda dimensão científica, humana, mas também universalista, presta às heróicas “gentes da Serra”, ilustrado por magníficas fotografias de Jorge Barros que conseguiu captar a beleza, “a grandeza austera”, a essência, a pureza da gente e dos lugares.

Bem hajam!                     

       Dora Nunes Gago

 

 

Dora Nunes Gago (Portugal)
Nascida  a 20/6/1972 em S. Brás de Alportel, é Professora, doutorada em Línguas e Literaturas Românicas Comparadas, investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Aveiro. Publicou: Planície de Memória (poesia, 1997); Sete Histórias de Gatos (em co-autoria com Arlinda Mártires), 1ªed. 2004, 2ª ed. 2005; A Sul da escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, 2007); Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga (dissertação de doutoramento), Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2008.
Além disso, tem poemas, contos e ensaios em diversos jornais, revistas e antologias. Tem apresentado igualmente diversas comunicações sobre as “imagens do estrangeiro na Literatura Portuguesa” em Congressos Internacionais.
Contacto:
doragago@sapo.pt

 

 

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