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Em A Serra e a Cidade – o triângulo dourado do regionalismo,
a Professora Doutora Beatriz Rocha-Trindade, doutorada em Sociologia
pela Universidade de Paris V (Sorbonne), fundadora e investigadora do
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da
Universidade Aberta, proporciona-nos uma viagem, entre a serra e a
cidade, rumo ao que é original, puro, singelo e autêntico, por isso
mesmo, “universal” nas palavras do escritor Miguel Torga.
Um pouco à semelhança do que sucede com Jacinto, protagonista de As
Cidades e as Serras de Eça, partimos à descoberta. Nesta digressão,
o nosso primeiro ponto de partida, como leitores, é a própria capa do
livro: vestida do azul intenso do céu serrano, abraçado pelos ramos de
uma árvore, símbolo da vida, do crescimento, mas também da ideia de
Cosmos vivo em perpétua regeneração, ou até talvez, da próprias
comunidades que contra as adversidades se vão reconstruindo na seiva da
resistência e da solidariedade humana. Aliás, esta simbologia
intensifica-se se atentarmos melhor na imagem, pois constatamos
tratar-se dum pinheiro que, segundo o Dicionário de Símbolos
de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, representa a força vital e a
imortalidade, explicável pela persistência da folha e pela
incorruptibilidade da resina. Aliás, o ponto geográfico de partida da
obra é precisamente o domínio espacial da Zona do Pinhal Interior.
Então, iniciamos o nosso périplo entre o “triângulo dourado”, configurado
pelos Concelhos de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra (pilares do
regionalismo, iluminados pelo brilho do oiro espiritual, enraizado
precisamente nos valores supremos da solidariedade e da coesão), e a
cidade, entre o início do século XX e a actualidade.
Assim, organizada em cinco partes, a obra principia por nos apresentar “A
Serra” com as “vistas e perspectivas” permitindo-nos conhecer a
perspectiva do visitante impressionado pela beleza da paisagem. Nesta
sequência, são igualmente facultados “factos e indicadores”, dados
quantitativos justificadores da tendência para o despovoamento, assim
como o inventário de “as aldeias da serra” que integram os três
concelhos que servem de base ao estudo.
Seguidamente, em da “serra para a cidade”, é configurada a história das
migrações internas, das aldeias serranas para o exterior, onde
conhecemos os países, regiões e terras assumidos como destinos
migratórios, as ocupações profissionais dos que rumaram a Lisboa, assim
como os “paradigmas de sucesso profissional”, espelhados num leque de
profissões bem sucedidas e por isso almejadas pelos conterrâneos que
seguem a mesma odisseia.
Na terceira parte, centrada “em torno do regionalismo”, ficamos a conhecer
os conceitos de “regionalismo” e “região” preconizados na óptica das
“gentes da serra”, os dados pormenorizados do “associativismo
regionalista”. Neste contexto, são facultadas as listas de todas as
colectividades existentes nos concelhos focados, tal como os gráficos da
sua evolução cronológica.
Avançando na nossa digressão, encontramo-nos “entre a cidade e a serra”,
perante “as pontes da solidariedade”, para desvendarmos os meandros da
“luta contra o isolamento”, o “papel dos media” para além dos “símbolos
de saudade e de pertença”, revelados por aqueles que partiram, podendo
traduzir-se numa assinatura do jornal regional ou local, em fotografias,
inscrições numa placa ou numa tabuleta, assumidos, no fundo, segundo a
autora, como “apenas gritos de amor à terra onde se nasceu.” (p. 113).
Nesta esteira, o último capítulo desta parte, consagrado à “construção
da notoriedade”, revela alguns dos nomes marcantes que a memória das
gentes consagrou como “construtores” do Movimento Regionalista,
salientando-se entre eles, professores, investigadores, escritores,
jornalistas, príncipes da igreja e do Estado, industriais ou
comerciantes…
Por fim, na última parte, ficamos a conhecer as configurações do futuro do
movimento regionalista, sendo apresentada a evolução e funcionalidades
das Estruturas Associativas, marcadas também pelos tempos de crise que
se vivem, terminando a obra este périplo geográfico e cronológico com
uma agradável e esperançada “lufada de ar fresco”, proveniente da serra,
mas sobretudo dos seus filhos que partiram, labutaram, lutaram,
venceram, para depois partilharem, solidariamente, com os conterrâneos e
o torrão natal o fruto das suas conquistas, pois “O milagre do
Regionalismo protegeu-os do trauma do afastamento físico das origens e
impediu que pudesse neles instalar-se o egoísmo do presente ou o
esquecimento do passado.” (138). Por isso, sem dar tréguas ao
pessimismo, nem à resignação ou ao desânimo, como refere a autora, “Os
Regionalistas da Serra construíram e deram à luz uma forma modelar de
iniciativa da sociedade civil, sem por isso menosprezar o poder do
Estado: não são súbditos ou servos – são parceiros de direito pleno.”
(138).
A título de conclusão, importa enfatizar a grande homenagem que este
rigoroso, pormenorizado e notável trabalho, dotado de profunda dimensão
científica, humana, mas também universalista, presta às heróicas “gentes
da Serra”, ilustrado por magníficas fotografias de Jorge Barros que
conseguiu captar a beleza, “a grandeza austera”, a essência, a pureza da
gente e dos lugares.
Bem hajam!
Dora Nunes Gago |