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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 11
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Resumo:
Este texto pretende
trazer novas interrogações sobre questões que afectam a sociedade
contemporânea. O público a que é dirigido é o dos jovens profissionais.
O objectivo é o de suscitar novas leituras que permitam abrir
perspectivas inovadoras que levem à acção e à intervenção. O conceito de
eficácia pode ser o meio com que se inicie um processo de reflexão sobre
o mundo de relações, quer a nível pessoal, quer a nível organizacional.
A capacidade de auto-realização, de auto-conhecimento e de auto-crítica,
são elementos de diálogo interior mas são também essenciais ao processo
de acção e de interacção com os outros. O mundo das relações é o palco
em que a vida atinge o seu pleno significado e em que é possível
concretizar o potencial que cada um de nós como ser individual
transporta. A leitura, o diálogo e a reflexão partilhada são essenciais
neste processo de crescimento e de desenvolvimento que é intenso e
estruturante nos jovens mas que não se esgota nunca. |
DIRECÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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REVISTA TRIPLOV |
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Introdução |
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A eficácia, nas ciências
de gestão, está ligada à capacidade de atingir os objectivos, objectivos
estes qu’estão predefinidos. Em teologia, a exegese bíblica também usa o
mesmo termo, eficácia, para indicar o grau de significação e de
intensidade da mensagem, como em “eficácia sacramental”, por exemplo. A
exegese usa ainda termos como economia, como em “economia da salvação”,
entendida como a própria racionalidade, inteligibilidade da salvação.
A questão a explorar é
se será possível usar o termo eficácia para avaliar a capacidade de
atingir resultados que não são previamente definidos, isto é, que não
são mensuráveis nem calendarizáveis, como é exigido pela gestão.
A reflexão sobre a Vida,
em sentido lato, como movimento, acção e relação dá-nos pistas
reveladoras. O factor crítico da mudança constante, do dinamismo que é
fonte de transformação, implica que a predefinição de objectivos
específicos a alcançar no futuro pode ser contraproducente pois pode
inibir ou até anular a força criativa impulsionadora de toda a novidade.
A abertura ao novo está
presente de uma forma fundamental nas mais diversas áreas da realidade
humana, incluindo as ciências de gestão e as ciências teológicas. Quer
foquemos a realidade individual, do sujeito singular, quer a dimensão
grupal ou societal, esta reflexão sobre a eficácia que permite,
simultaneamente, a abertura ao novo é crucial. A criação de sentido
surge desta predisposição para avançar, concretizar e agir e, em
simultâneo, acolher, absorver e permanecer. Esta tensão criadora é fonte
de vida, de significado e de inteligibilidade.
Este texto, como foi
referido em cima, dirige-se a jovens profissionais, dinâmicos e
empreeendedores. Jovens que procuram entender o que o mundo tem para
lhes oferecer, que procuram saber que oportunidades existem e que
desafios se lhes colocam.
Esta atitute de busca é
interceptada por outras interferências. Recebem mensagens
contraditórias. Apercebem-se da ambiguidade, da pervesidade e das
incoerências das sociedades contemporâneas.
Vivem interrogações,
perplexidades e inquietações.
As ciências sociais e
humanas, em geral, e a filosofia, em particular, procuram dar resposta a
estas questões que afectam quer a sociedade, como um todo, quer o mundo
interior de cada um.
Neste contexto, é
importante ter em atenção alguns elementos de reflexão que permitam
abrir caminhos a novas interpretações e significados. |
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Porquê a eficácia? |
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As ciências de gestão
estão hoje profundamente difundidas uma vez que é através de
organizações que as sociedades contemporâneas se estruturam. Contudo,
muitos dos conceitos que a gestão trata têm profundas implicações a
níveis muito mais vastos do que o seio organizacional. Assim, é
fundamental aprofundar a reflexão sobre certos temas no sentido de
explorar novas orientações a nível pessoal, assim como novas utopias a
nível societal.
Em gestão, o conceito de
eficácia revela-nos o grau em que são atingidos os objectivos
predefinidos, i.e. sou eficaz quando atinjo os objectivos que defini
previamente.
A eficácia distingue-se
da eficiência que é a capacidade de atingir os resultados previstos
gerando o mínimo de desperdícios, i.e. de concretizar o máximo dos
resultados utilizando o mínimo dos recursos.
Sou eficiente quando
consigo o mesmo resultado utilizando menos recursos ou quando consigo
mais resultados com os mesmos recursos.
O conceito de eficiência
está muito próximo do conceito de produtividade, que consiste no rácio
entre o resultado, o output, e os recursos utilizados, o input.
Quanto à
competitividade, sou competitivo face à concorrência quando acrescento
valor para o cliente em relação ao que é oferecido pela concorrência.
Daí a importância da segmentação e da diferenciação, i.e. vou escolher
os segmentos de mercado que serão o meu mercado-alvo e vou trabalhar ao
nível de oferecer um produto ou serviço único. Daí os termos “factores
críticos de sucesso”, “criação de vantagens competitivas sustentáveis”,
que se prolongam no tempo, e, do lado do cliente, dar resposta aos
“factores chave de compra”.
Estes conceitos já
estavam presentes no início do desenvolvimento das ciências de gestão,
há cem anos. Contudo, têm hoje novas interpretações face ao novo
contexto da sociedade da informação e da aprendizagem. |
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Economia convencional
versus economia do conhecimento |
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Um novo contexto leva a
novas abordagens de gestão. São exemplos desta evolução os fenómenos da
Web 2.0 e da inovação aberta. Novas teorias emergem ligadas à gestão da
inovação e à gestão estratégica.
Existe um enfoque no
intangível, no conhecimento. São exemplos disso as novas teorias de
gestão como são exemplo a gestão do conhecimento, a aprendizagem
organizacional e as comunidades de prática. Mas o que é conhecimento,
informação ou comunicação? É fundamental desmontar as ideias
preconcebidas e abrir novas pistas de reflexão.
As recentes descobertas
dos paleontólogos identificaram como simultâneo o desenvolvimento do uso
do polegar, com a utilização de instrumentos, e do crescimento do volume
do cérebro. A par desta evolução temos ainda o desenvolvimento da
linguagem, em comunidade, através da participação em práticas sociais.
Esta descoberta ao nível
das sociedades primitivas permite-nos reflectir sobre a relação entre
algo interior, como a actividade cerebral, e a actividade exterior, como
o uso da tecnologia. A linguagem é um elemento primordial pois está
presente em ambos os níveis, ao nível interior, do pensamento, e ao
nível exterior, da comunicação com os outros.
Esta ligação entre os
mundos interiores e exteriores foi desenvolvida, entre outras, pela
grande área que pode ser apelidada como filosofia da vida.
Podemos pensar a vida
como movimento, acção e relação. Assim, interpretamos a vida como
manifestação, como processo de tornar concreto algo difuso que está
permanentemente “em processo”, i.e. em movimento, em acção e em relação.
A filosofia tem uma
outra face da moeda que é a semiótica, como área do saber que estuda o
sentido, i.e. o processo de criação de sentido e de significação. |
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Da semiótica à
filosofia contemporânea |
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A semiótica, tal como a
filosofia, estiveram sempre presentes ao longo da evolução da
civilização ocidental, da Antiguidade aos nossos dias. A filosofia de
forma mais estruturada e visível e a semiótica de forma mais dispersa e
implícita.
Inúmeras escolas e
correntes de pensamento ilustram a flexibilidade e a diversidade da
semiótica, incluindo áreas desde a literatura à biologia.
Sebeok, um dos
fundadores da área da biosemiótica, diz-nos que todos os organismos
vivos nascem equipados com a capacidade para produzir e interpretar os
sinais necessários à sua sobrevivência. No caso dos seres humanos, esta
capacidade está relacionada com a interacção social e a aprendizagem.
Até um organismo unicelular interage com o meio ambiente e quando
colocado num soluto, vai deslocar-se de modo a situar-se no local onde o
soluto é mais rico.
Estes exemplos da
biosemiótica e o dos paleontólogos, referido acima, fazem a ponte, em
termos de darem continuidade, àquilo que acontece ao nível de qualquer
organismo vivo e ao funcionamento da espécie humana e da sua capacidade
de acção e de relação.
O desenvolvimento das
ciências, da Antiguidade até à era moderna, caracterizou-se por uma
grande integração dos saberes, tendo a filosofia como mãe de todas as
ciências, visão que já vinha de Aristóteles. Esta integração, esta visão
da unicidade do saber e da capacidade de relação e de identificação das
continuidades entre as diferentes áreas, perdeu-se com a evolução das
ciências modernas, entre os séculos XVI e XVII.
A autonomização e
especialização das ciências fez com que se perdesse a relação entre a
ciência e a filosofia. A filosofia passou a estar escondida e não no
cume da pirâmide, passou a ser periférica e marginal e não central e
unificadora. Era muito frequente os grandes cientistas no início da era
moderna serem também grandes filósofos mas essa tradição foi-se
perdendo.
Actualmente, com as
mudanças de que a sociedade é palco, volta a surgir a necessidade de
cientistas filósofos. Vários ramos do saber desenvolveram esta postura
de relação próxima com a ciência, em particular a filosofia e a história
da ciência. Os trabalhos de Kuhn e de Popper são pioneiros na filosofia
das ciências.
Os dois grandes
semióticos da transição do século XIX para o século XX eram cientistas e
filósofos. Ferdinand de Saussure, suiço, era historiador e linguísta e
Charles Sanders Peirce era matemático e filósofo.
Mas não é só a filosofia
que reflecte sobre a vida. Talvez ainda à frente da filosofia, temos a
literatura, a qual ilustra, manifesta e reflecte a vida tal como ela vai
sendo vivida em cada época. Assim, semióticos e especialistas da
linguagem e da literatura, como José Augusto Mourão, trazem-nos
profundas e férteis contribuições para uma reflexão inovadora sobre a
vida.
Ao nível do
desenvolvimento da filosofia ao longo do século XX podemos identificar
vários autores que fazem a ponte entre o interior e o exterior, entre os
fenómenos interiores e os exteriores. Todos eles vêm trazer uma visão
integrada do saber humano, interpretando a vida como movimento, como
acção e como relação. Heidegger, Jaspers, Gadamer, Merleau-Ponty, Michel
Henry, Fernando Gil, Joaquim Teixeira, José Maria Silva Rosa, Joaquim
Cerqueira Gonçalves, são exemplos de filósofos em que a interpretação da
vida como elemento unificador vem trazer uma visão que contraria o
efeito algo mecânico, redutor e simplista da excessiva especialização da
ciência moderna. As áreas da ontologia, da fenomenologia, da filosofia
da acção, da linguagem e da vida, são exemplos deste tipo de trabalho. O
conhecimento destas contribuições permite trazer novos ângulos para a
interpretação das sociedades contemporâneas.
Por exemplo, têm surgido
várias áreas de trabalho que valorizam aspectos como a imaginação, as
emoções e a intuição. Contudo, é ao nível da filosofia que é possível
estabelecer o conjunto de relações, de fazer pontes, que nos permitem
entender porque é que conceitos como a imaginação, as emoções e a
intuição são hoje mais importantes do que nunca.
Nas áreas da
neuro-psicanálise, que, uma vez mais, une áreas até aqui distintas e
autónomas, e das neuro-ciências, verifica-se empiricamente que o cérebro
regista apenas intensidade, não distinguindo os estímulos como positivos
ou negativos. O prazer ou a dor implicam um processamento da informação
recebida, i.e. não são recebidos de forma separada mas antes implicam
uma interpretação.
Esta interpretação
corresponde a uma aprendizagem e reflecte as experiências e a cultura.
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Reflexão final e uma
nova interpretação da eficácia |
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Ao contrário da postura
da ciência moderna, em que o desconhecido é interpretado de forma
implícita como negativo e ameaçador, podemos pensar no desconhecido com
algo positivo, estimulante e desafiador. O conceito de natureza como
criação, dinâmica, nunca completa, é uma consequência desta
interpretação. É bom lembrar que o curso de pensamento positivo é o de
maior sucesso na Universidade de Harvard.
Então, podemos reflectir
sobre o conceito de eficácia de outra forma. Uma vez que a vida é
movimento constante, o facto de se atingir os objectivos predefinidos
pode já nem sequer ser desejável. Então, uma nova leitura que resolve
este paradoxo da interpretação convencional da eficácia é a seguinte.
É importante ter
objectivos, fixar metas como o “best guess”, a melhor aposta, em relação
ao futuro. Se é concretizada e se os objectivos são atingidos, podemos
então dizer que a nossa intuição estava correcta, a posteriori. Se não
são, temos de pensar no efeito do “moving target”, alvo móvel.
Como podemos criar novos
objectivos? Como podemos ajustar a nossa acção por forma não só de
utilizar o pleno potencial de que dispomos mas também de o expandir?
É esse o desafio, quer a
nível pessoal, quer organizacional, quer societal. Utilizar em pleno o
potencial existente e, ainda, expandi-lo. No aqui e agora, hic et nunc,
da realidade concreta e imediata esse potencial está à nossa frente,
invisível uma vez que esborrachamos contra ele os nossos narizes. Daí a
necessidade absoluta destes espaços de leitura, de escrita, de diálogo e
de reflexão. Não há outro caminho e é um caminho que esconde tesouros. |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
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PORTUGAL |
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