|  | Nada vou dizer das tuas mãos, Carolina,nem das bandeiras que ascendem nos gestos
 em que a decisão é uma faca cirúrgica
 a preceder a noite, o ser, a jangada ilesa,
 a ousadia de um voto.
 Lutaste.
 Contra as serpentes vazias, acorrentadas
 no país das sombras.
 Combateste. Por ti, pela luz, pelo corpo íntegro,
 juntando, uma a uma, as letras do universo
 que encerra a palavra MULHER.
 
 Talvez não soubesses que a vida é a palavra
 com que a poesia define a flor das algas.
 Talvez não soubesse que o amor é uma lua
 vermelha, a morte uma cisterna salgada,
 mas sabias que, em teus braços,
 havia uma pluma leve,
 no teu peito, uma ave canora,
 e, nos teus olhos, uma rosa incendiada.
 
 Nada, pois, vou dizer das tuas mãos,
 Carolina,
 nem da liberdade que flutua nos teus dedos.
 Da noite, fizeste dia, à raiz, deste futuro.
 Não mais, em casa, sufoca a génese
 de fêmeas entranhas que gera sementes
 maduras.
 
 O vento consigo traz um cemitério de palavras.
 Na tua boca, cada pedra é um dilúvio,
 onde terminam velhas guerras.
 
 Quando as novas rotinas se instalam,
 dourado é o útero da terra.
 Nas casas, nas ruas, nos sofridos hospitais,
 o espaço, outrora interdito,
 engendra novas quimeras.
 
 Nada vou dizer de ti, Carolina,
 nem do silêncio que urge,
 quando as fontes são bandeiras,
 onde brilham o sangue e a seda,
 em becos, outrora escondidos,
 com janelas para a rua.
 
 Nada vou dizer de ti, Carolina, porque o sol
 te pronuncia,
 desde os tempos mais agrestes.
 Os fluidos do mar ecoam em tuas essências
 brancas de gardénias e violeta.
 A noite é todo o corpo, dizes,
 até que uma lâmpada secreta e pura
 tudo venha iluminar.
 A noite é mais que o leite que os mamilos
 bebem, de manhã.
 A noite é mais que o redondel de exílio
 que os homens conceberam.
 
 E bebo, com temor, o medo que ainda vivem
 as mulheres de agora, pisadas, maltratadas.
 Usam burka, no Afgnanistão,
 sem direitos, nem auxílio.
 Suicidam-se pelo fogo.
 Queimam, numa agonia atroz,
 o desespero que as corrói,
 na sua pátria de exílio.
 Pelo pesadelo morrem, sem ter o direito
 à face, ao corpo, nem aos poros arejados
 que é preciso libertar,
 na noite, carrossel de exílio,
 na morte, jardim de delírio,
 no mundo onde os serem temem viver
 o coração é cinza negra
 que não os deixa despertar.
 
 Por isso, é na sombra, que os poemas
 se escrevem,
 nos muros, nas fendas, onde as rosas
 se insinuam em dolorosas flores de papel,
 em ecos a lembrar ritos, sendas, laços,
 rios que inundam o sangue,
 nós que alimentam e enlaçam.
 
 Como lembrar-te, mulher, política,
 cirurgiã?
 Como dizer-te, pomba, gladíolo,
 vislumbre de luz, em jardim secreto?
 O canto é novo, sempre novo.
 Por ele vivo.
 A ele respondo.
 As águas escrevem-me,
 quando as aves flutuam na manhã.
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