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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
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        |  |      L'ordre est le plaisir de la 
		raison, mais le désordre est la delice de l´imagination.
 Paul Claudel
      1.  Desde 
		os primeiros tempos da Reconquista e da formação de Portugal como 
		reino independente, começaram a formar-se várias tipologias de imóveis, 
		entre elas o senhorio: um latifúndio contínuo ou, geralmente 
		descontínuo, mais por perto da Casa-mãe ou ainda com imóveis dispersos, 
		detendo, em grande parte dos seus fundus um conjunto de 
		infra-estruturas indispensáveis ao mesmo: fornos, celeiros, moinhos, 
		lagares para o vinho e mel e para o azeite, armazéns para o gado, 
		ferramentas e outros bens… (1)  |  
        | DIREÇÃO |  |  
        | Maria Estela Guedes |  |  
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            |   JOÃO SILVA DE SOUSA   A Casa Senhorial  
			 em Portugal na Idade Média  
			                                                                
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            | João Silva de Sousa...............   |  |  
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		Terão tido a sua origem no 
		Norte do País, no Entre Douro e Minho e a situação é muito facilmente 
		explicável: foi por onde começou a desenhar-se o nosso rectângulo 
		e, logo que começámos a avançar um pouco mais para Sul, levámos a cabo o 
		povoamento das áreas que pareciam, desde então, estar a salvo dos 
		violentos e inesperados retrocessos por parte dos Berberes do Norte de 
		África, empurrados para Sul, mas a poucas milhas da linha de demarcação 
		definida, essencialmente, por cavaleiros vilões e gente apeada (2). No 
		entanto, o temor ia persistindo, pelo facto de a Igreja lançar mãos aos 
		textos escritos árabes (3) e aos que os Muçulmanos haviam abraçado, 
		sobretudo o Alcorão e as alegorias, metáforas e imagens da 
		Sunna e das hadîths (4), a fim de vir a saber deles um pouco 
		mais: para os combater era necessário conhecê-los, i. é. Ter um mínimo 
		de consciência do que lhes ia na mente e assim atingir o âmago 
		explicativo das lutas contínuas que infligiam por todo o lado! Tinha-se 
		bem presente que, a qualquer hora, os Berberes poderiam voltar ao ponto 
		de origem, dadas as ordens de Deus que eles mesmos, liderados pelos 
		Árabes, sabiam de cor:  
		”Dizei-lhes: ‘Se pretendeis ter a última 
		morada ao Meu lado, inteiramente, em desfavor dos demais, desejai a 
		morte, se sois verdadeiros” (5).  
		Esta situação colocou-se-nos, 
		mais tarde, ao sermos informados pelo papa Inocêncio VI, a 21 de 
		Fevereiro de 1335, quando dirigia uma bula ao Arcebispo de Braga (6), 
		dando-lhe conta de que foi conhecedor por um enviado de D. Afonso IV, de 
		que os Mouros tinham no mar um grande número de galés, a fim de 
		surpreenderem os Portugueses, entrando pelo Algarve, onde já haviam 
		tomado alguns castelos (7), nos seus habituais raids da jjihâd
		islâmica (8). 
		Era, pois, cautelosamente, à 
		custa de atalaias constantes e da fixação de um número de soldados 
		sempre operacionais, que se ia procedendo ao repovoamento, pari passu, 
		das áreas recentemente tomadas (9). Povoar, 
		antes de mais, era ter um perfeito conhecimento das características geo-morfológicas do solo (10) e daí partir, então, para a 
		ocupação da terra com meios humanos bastantes; explorar a agricultura e 
		a pastorícia; distribuir as parcelas de terra por meios e contratos 
		diversos, tendo em conta um maior ou menor perímetro, de acordo com as capacidades 
		económicas e de trabalho de cada qual (11); demarcar, pois as áreas; 
		organizar as instituições e defendê-las, à custa de agentes individuais 
		e plurais, entre eles, os concelhos (12). E, assim, se foi procedendo. 
		Embora timidamente, dotava-se cada parcela com meios humanos nacionais e 
		estrangeiros (13); permitíamos a coabitação com Judeus e Mouros que por 
		aqui iam permanecendo, livres, semi-livres e servos; os criminosos, 
		deslocávamo-los sobretudo para zonas de fronteira (14); outorgávamos 
		vantagens de acordo com as especificidades da árera e a sua localização 
		geográfica estratégica (15), aproveitando, inclusive, as 
		florestas que iam sendo arroteadas (fig. 1). 
		Dedicámo-nos à agricultura, 
		pondo em prática o cultivo de certos produtos que tínhamos como 
		essenciais (16); permitíamos o 
		desenvolvimento de culturas específicas, de acordo com a tipologia do 
		solo arroteado (17) e da região, do clima, de montanha ou de planície (18); com um plantio de géneros que dessem azo ao incremento de 
		certas indústrias associadas ou dependentes (19); desbravávamos 
		terrenos, secávamos pântanos, derrubávamos florestas (20), alargávamos, como sabíamos (não da melhor maneira), as 
		terras de cultivo (21). A dualidade a que os Muçulmanos, de ordinário, 
		nos habituaram nas áreas reconquistadas, fez com que lhes 
		ficássemos devedores de uma convivência pacífica de séculos, tendo-nos 
		legado géneros alimentares, práticas rudimentares e técnicas mais 
		evoluídas. Assim, contámos, no caso vertente, com sistemas de irrigação 
		muito aperfeiçoados, com a introdução de novos legumes e fruteiras (22) 
		que poderíamos juntar, na alimentação do nosso quotidiano, ao pão e ao 
		vinho, e a um pouco de carne e peixe, quando os havia. 
		Distribuíamos as terras por 
		meios diversos que se iam instituindo e tomando fórmulas jurídicas: 
		dotávamos gentes com peças de cultivo, a título amovível, vitalício, por 
		mais de uma vida, hereditário ou perpétuo, através de doações de 
		tipologias várias e permitindo o alargamento do solo, a conquista, a 
		título particular ou privado, e a redistribuição dos imóveis e dos 
		réditos do corso. 
		Demarcávamos o solo, deitando 
		mãos aos processos mais diversificados – com marcos, de um modo geral: 
		colocando pedras, abrindo valas ou fossos (o fossatum); com o 
		plantio de árvores que serviam de confinantes, de acordo com áreas ou 
		perímetros onde um homem pudesse trabalhar um dia ou mais: jeiras, 
		peças, granjas e, entre outras, também senarias que, as Inquirições de 
		1220 indicam como peças de terra cultivada com cereais e vinha (23) 
		Organizávamos as instituições e 
		defendíamo-las. Instituímos comarcas, almoxarifados e julgados, 
		organizando a Justiça (24). A Igreja expandia-se. Subdividiram-se 
		freguesias de acordo com o aumento do número de fregueses, onde foi o 
		caso, e os espaços murados abriam-se a novas fortificações que se lhes 
		acrescentavam; instituíam-se concelhos e estabeleciam-se feiras (25), 
		quantas delas para serem fechadas um ou dois anos depois e só virem a 
		ser restabelecidas um ou dois séculos mais tarde; colocavam-se agentes 
		administrativos, fixavam-se as relações de dependência entre a Coroa e o 
		poder local e, naturalmente, também, as suas liberdades, o mesmo 
		sucedendo com os mais importantes senhores, à custa do patronato, da 
		consequente retribuição de leiras sob uma das formas da   precária 
		(de diversas tipologias), permitindo o individualismo e a independência 
		das estruturas administrativas que se iam criando. Em suma, falando do 
		Entre Douro e Minho, o repovoamento subordinou-se a duas 
		principais vertentes: a monacal e a privada; Entre o Mondego e o Tejo e 
		na faixa Ocidental, era, essencialmente, de tipo concelhio (25). 
		O senhorio é típico das 
		primeiras Comarcas a que nos referimos e toma a configuração de uma ou 
		mais áreas de reduzidas dimensões, formando um todo, de ordinário, mas, 
		vulgarmente, disperso, pertencente a uma importante Família que aí detém 
		o seu Paço e as suas infra-estruturas, no sentido de não ter necessidade 
		de vir a recorrer a maquinaria de transformação pertença de 
		outrem (a sua reserva (27), ou espaço dominicato), sendo a maior 
		extensão entregue a foreiros e rendeiros que a trabalhem e lhe paguem o 
		que ficou acordado entre eles, por vezes, em altíssimas percentagens ou 
		porções e num variadíssimo número de impostos que os mais desprevenidos 
		nem sequer supõem quantos nem em que consistiam (28). 
		Havia aí famílias de renome que 
		em muito haviam contribuído para a Reconquista e a formação e 
		consolidação dos espaços (29), mas a maior parte destas vai-se diluindo 
		no tempo e sendo suplantada por outras que chegam ao século XV, 
		configuradas com os items que caracterizavam, em termos 
		absolutos, as mais primitivas (30). |  
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 Fig 1. Florestas que eram geralmente arroteadas, 
				não obstante as dificuldades apresentadas pelas irregularidades 
				do terreno e a forte vegetação com que os vizinhos deparavam.
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		As populações 
		camponesas traziam denominadorescomuns entres si. Neste contexto, é 
		mister entender
 como essas populações se organizam.
 Economicamente, a 
		unidade de produção e consumo
 é o grupo doméstico, sendo a família o 
		núcleo de produção
 e reprodução de seus membros
 (as n/ lições)
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		2. O chamado sistema do domínio ou 
		dominial era, pois, como se previu, um instituto económico, sinónimo de 
		sistema feudal, que se caracterizou pela divisão do latifúndio em dois 
		grandes espaços explorados, segundo metodologias diversas: o domínio, 
		propriamente dito, ou a terra dominicata que correspondia à 
		reserva senhorial e a terra dentro do domínio (in dominium) em si 
		mesmo considerado, que nos aparece denominado de terra indominicata, 
		ou seja, todo um conjunto de concessões (mansos ou tenures), 
		entregues a título amovível a pequenos exploradores directos (31), (Fig. 
		2). A reserva, como sabemos, era explorada pelo senhor ou por alguém em 
		nome dele, um ou mais representantes seus, onde trabalhavam os servos 
		que se iam colocando nas subdivisões da mesma e mexiam com as 
		infra-estruturas de transformação aí construídas: o moinho, o forno, a 
		prensa, o lagar, entre outras. A maior área do dominium 
		configurava-se ainda mais repartida, porque era consequentemente maior, 
		e dela se encarregavam homens livres, semi-livres e servos que tinham de 
		dispor, no fim do ciclo do pão, do vinho, de diferentes géneros 
		alimentares, de porções que iam da metade a uma nona parte da produção, 
		quando não se chegavam mesmo a fixar quantidades certas em pagamento, o 
		que fazia perigar as vidas e a continuidade de subsistência dos 
		dependentes que, além do mais, liquidavam com maquias os serviços que 
		cumpriam, fazendo uso das infra--estruturas da reserva (as jeiras ou 
		corveias). Nasceram de um número muito variado de circunstâncias, mas 
		foram-se dilatando à custa do patrocínio de dependentes que, por si sós, 
		sem contar com o auxílio de um poderoso, não achavam outra maneira de 
		sobreviver. Como terras alodiais,  pagavam direitos ao rei 
		(principalmente, senhoriais e dominiais) e, assim, passam a liquidá-los 
		ao senhor da terra a quem se adjudicam, retirando proventos à Coroa e 
		alargando o poder económico, social e, quantas vezes, também o político 
		a estes em detrimento do seu rei. 
		O latifúndio que temos vindo a 
		considerar - e a que já nos referimos logo no início do presente estudo 
		- tem de ser entendido, em termos do Norte do País, como áreas maiores 
		ou menores mas sempre descontínuas, fragmentando-se em pequenas 
		parcelas, dessiminadas por regiões várias e vizinhas de outras senhorias 
		(como reguengos e alódios) e de instituições diversas (como os coutos, 
		as beetrias e os concelhos, por exemplo). Foi e será quase sempre assim 
		que o devemos visualizar em todo o Reino, em casos em que um só senhor 
		deteria um seu feudo de dimensões consideráveis, como o somatório de 
		várias peças, umas maiores outras menores, e pontilhando as várias 
		Comarcas. Referimo-nos a senhores nobres singulares e a institutos 
		religiosos que podiam ter, bem longe da abadia ou do mosteiro uma boa 
		série de vinhas, de searas e pomares. Aliás, a tendência é sempre esta, 
		até porque quanto mais diversificado for, em termos geográficos, o 
		património senhorial, maior é o seu imperium e, o poder, diga-se, 
		foi sempre algo muito usualmente tentado pela maioria para suplantar o 
		do próprio rei, ou, pelo menos, igualá-lo. Cometia-se, deste modo, maior 
		número de abusos, entre uma enorme dificuldade de controle. As grandes 
		lutas entre senhorias e os monarcas advinham, desde os princípios do 
		século XIII, desta circunstância e do facto de o monarca não saber muito 
		bem o que tinha, o quanto deveria ter e receber, se o que detinham os 
		outros era exactamente o quinhão que ele lhes dispensou de si mesmo, 
		aquando das recompensas por serviços militares prestados ou consentidos 
		nos fossados privados. Enfim, o soberano desejava saber quanto mandava, 
		efectivamente, e onde, no seu País: se a Coroa estava solidamente 
		implantada e estruturada sob fortes pilares como devia. |  
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				|  |                 Fig. 2: Um manso (Livro de Horas) |  |  
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		                                                        A 
		concepção de tempo é uma sucessão de períodos circulares:tempo 
		de plantio e da colheita, não é uma concepção de tempo linear.                                               Nos 
		padrões de organização social, a interacção e relação que os 
		camponeses travam
 com outros trabalhadores rurais, são 
		características
 e altamente repetitivas, assim como a posição 
		subserviente 
		(construção da auto-imagem negativa) dentro da rede de
 dominação 
		política, económica e cultural.
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		3. Numa tentativa sumária de explicar a 
		origem do sistema de economia dominial e os seus principais pilares, não 
		nos é difícil entender os seus elementos constitutivos essenciais, as 
		bases do regime senhorial ou feudal. Não salientámos, contudo, a unidade 
		de autoridade de que ele se revestia. Tinha tribunal próprio que se 
		regia por normas consuetudinárias, muito antes e, simultaneamente, com 
		as leis do Reino, gerais e abstractas, promulgadas pelo soberano e 
		publicitadas, após a reunião da Cúria de Coimbra de 1211; e, a 
		posteriori, ainda, faziam, naturalmente, aplicar-se as ordenações 
		escritas sucessivas, devendo, no entanto, fazer recordar que a suprema 
		administração da justiça cabia, única e exclusivamente, ao monarca, como 
		um dos quatro direitos reais, que advinham do vetusto Fuero Viejo, 
		castelhano-leonês, e que obrigava a que a pena de morte, o talhamento de 
		membro, entre outras sanções, fossem julgadas em segunda instância pelo 
		rei, decorridos vinte dias, “porque a ssanha ssooe a enbargar o 
		coraçom que nom pode ueer dereytamente as cousas Porende estabeleçemos 
		que sse peruentuyra no moujmento do nosso coraçom a alguem Julgarmos 
		morte ou que lhi cortem alguu nembro tal sentença sseia perlongada ata. 
		xx. dias E des hi adeante seera a sentença e a eyxacuçom se a nos em 
		este comenos nom Reuogarmos” (32). 
		As queixas que eram vulgarmente 
		apresentadas ao soberano e de que constava o facto de se não cumprir a 
		sua autoridade mas a das senhorias, mesmo no que se refere a estas 
		questões, levam D. Dinis a enviar juízes aos vários distritos comarcãos, 
		a fim de recordar a todos que devem saber que é direito, uso e costume 
		geral dos seus Reinos que, em todas as doações que os Reis fazem a 
		alguns, sempre ficam guardadas "as apelações pêra os Reys e a Justiça 
		mayor e outras cousas mujtas que ficam aos Reys en sinal y en 
		conhoçimento de mayor senhorio. Estas cousas senpre sse assy teuerom e 
		fezerom no tempo dos Reys que ante mjm e no meu [forom] (33)”.  
		Recorde-se que já D. Afonso II 
		lembrava que os referidos juízes mais não eram que representantes seus, 
		em sinal da suprema jurisdição que dizia deter por todo o Reino (34). 
		Mas se se vincava a ascendência 
		da Coroa e do seu titular sobre os seus vassalos e súbditos, o certo é 
		que, à semelhança daquele, estavam já determinadas, de longa data, as 
		relações de patrocínio, de súbdito para com o senhor, definindo-se, com 
		precisão, os limites do pequeno grupo ligado por esses laços 
		tradicionais. A senhoria tornava-se, cada vez mais, uma unidade 
		política, definida pela imunidade. E quando se tratava da Igreja, o 
		Direito Canónico era uma fortíssima barreira às próprias leis do Reino e 
		às ordens do monarca. Primeiro, porque, em caso de conflito entre as 
		leis do reino e o Direito Canónico, as primeiras não tinham qualquer 
		valor e não eram aplicadas (35); depois, porque, em caso de pecado, era 
		o Direito da Igreja que prevalecia; e, finalmente o Direito Canónico, 
		como fonte subsidiária do tronco principal das leis do Reino, na 
		inexistência de uma, qualquer que fosse, era logo consultado pelo rei e 
		pelos juízes, mesmo antes do Direito Romano. A inversão só viria a 
		suceder com as Ordenações de D. Manuel, em pleno século XVI. A garantia inerente à situação do 
		patronato ou vínculo a um senhor a troco de protecção sua, dos seus e 
		dos parcos haveres na sua posse era uma garantia dada ao seu patrono e 
		ao território que dele estava dependente, oferecendo-lhe uma 
		maior ou menor autonomia política em relação ao poder central, traduzida 
		por administração e jurisdição próprias, liberdade de obrigações 
		militares e da solvência de impostos. Só tinham de reconhecer-lhe a 
		exclusividade de cunhar moeda ou de alterar o seu valor, e os restantes 
		direitos reais. E faziam-no quando o faziam… Colocada a situação desta 
		forma, sujeita a críticas diversas, a diferentes interpretações, teorias 
		e a informes complementares e laterais, naturalmente, o que é aceite por 
		todos quantos se debruçam sobre este tema é que, nas primeiras linhas de 
		acção, a população concentrou-se em maior número, como acima se fez ver, 
		no Norte (Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e parte das Beiras: 
		almoxarifados de Lamego e Viseu, principalmente), dando origem à pequena 
		propriedade, a meia dúzia de latifúndios, aumentados e acrescentados 
		pelas formas mais irregulares e impensáveis, denunciadas pelos 
		procuradores dos concelhos em Cortes. Nada teria a ver com o povoamento 
		a Sul (6) de carácter misto, onde os grandes senhores, administradores 
		de ordens religiosas e militares, entre outros, puderam constituir 
		propriedades com alargadas áreas em nada semelhantes às que se formaram 
		no Norte. Ia-se, pois, passando, pouco a pouco, para uma complexidade 
		muito menor, à medida que as áreas dos municípios e seus termos e dos 
		reguengos e das terras foreiras do rei se iam alargando, podendo, de 
		certo modo, vir a coincidir com as Taïfas muçulmanas, em áreas por onde 
		se expandiam os latifúndios do Infante D. Henrique, de Diogo Soares de 
		Albergaria, dos Bragança, de Vasco Fernandes Coutinho, de D. Álvaro 
		Pires de Castro, de D. Fernando, duque de Beja e senhor de Serpa e 
		Moura, de outros altos representantes da nossa nobreza na Beira, 
		Estremadura, Alentejo e Algarve; das Ordens militares que se alongaram 
		pelas Beiras, parte da Estremadura, o Alentejo Ocidental e de fronteira 
		com Castela, e o Algarve. É, na verdade, uma paisagem muito diferente, 
		onde o latifúndio se concentra mais, se complexifica com a adição de 
		outras alargadas peças de terra, porventura até longe da terra mãe, de 
		um Algarve no Sotavento dominado pela Ordem de Cristo e com o Infante D. 
		Henrique, senhor de Silves ao Cabo de S. Vicente, e nomeado depois 
		Governador do Algarve. Esta comarca a Sul do País nada tem a ver com as 
		suas correspondentes nortenhas dos primeiros tempos da nossa
		Nacionalidade. Mas, depressa, começam os mais poderosos senhores do 
		Norte a passar a linha do Douro e a espraiar-se pela comarca da Beira, 
		indo alguns até ao Tejo, ultrapassando-o e alargando-se pelo Alentejo, 
		só vindo a parar no Algarve. Recordem-se O Infante D. Henrique, D. 
		Fernando, Duque de Beja e os Bragança, estes últimos chegando a acumular 
		com o título de Condes de Faro. 
		Analisadas estas senhorias que 
		realçámos, o facto é que, em termos económicos, nada distinguia a 
		senhoria do feudo (37). As rendas, a sua distribuição e a circulação 
		económica eram as mesmas. No sector social, também. A condição humana, 
		pouco variava. E quanto mais avançávamos para os finais do século XIV e 
		princípios da centúria seguinte, ainda eram mais evidentes as 
		parecenças: eram autênticas colagens. |  
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		                                        Em 
		vida do 4.º Conde de Ourém, os seus Paços eram condicentes.
 É em Ourém  que temos a mais imponente
 das torres residenciais do séc. XV. Sem
 aberturas quaisquer, a forte cinta de muralhas confere a esta morada um aspecto maciço e pesado de
 uma poderosa fortaleza bela e 
		acastelada.
 João Silva de Sousa
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		4. Também não podemos dizer que a Casa 
		Senhorial é fruto de Quatrocentos (38). O rei, a rainha e os filhos, 
		sobretudo, e o herdeiro tinham cada um a sua. Recordemos D. Pedro 
		Afonso, Conde de Barcelos, filho de D. Dinis, o bastardo Afonso Sanches, 
		Senhor de Albuquerque e um outro, João Afonso, Senhor de Lousã e Arouca; 
		D. João Afonso, filho do já referido Afonso Sanches e de Teresa Martins 
		que veio a suceder ao pai como Senhor de Albuquerque; Martim Afonso Telo 
		de Meneses, pai da rainha D. Leonor, mulher do rei D. Fernando I; D. 
		João e D. Dinis, filhos de D. Pedro I, entre outros. Principalmente, 
		alguns, ao tempo de D. Fernando começavam a formá-las, muito à vontade 
		da rainha.  
		Com os Infantes, filhos de D. 
		João I e de D. Filipa de Lencastre, talvez por influência europeia, mais 
		inglesa que qualquer outra, a Casa Senhorial é uma instituição viva e
		duradoura. Jurídica e institucionalmente, tem tudo o que necessita 
		para se distinguir do senhorio, nos termos a que já nos referimos. É um 
		conjunto de latifúndios que se alargam por várias partes do Reino, 
		associados também, naturalmente, a imóveis mais pequenos e presume-se 
		que produtivos. O seu titular tem um nome a defender, uma especialização 
		que agrupa o elemento humano seu apaniguado e servidor, à semelhança do 
		que sucede na Corte, nas várias vertentes administrativas. Tem o seu 
		exército particular, rivaliza com o rei, incumbe-se de tarefas 
		diplomáticas de relevo, tem monopólios e torna-se numa instituição 
		com um imperium forte, um ou mais títulos de nobreza e funções de 
		relevo no aparelho de Estado. 
		As sucessivas guerras contra 
		Castela ao tempo de D. Fernando e de D. João I empobreceram, 
		desmedidamente, o tesouro. E, não satisfeitos ainda com a terrível 
		situação económica por que passávamos então, sucederam-se recompensas 
		variadíssimas aos que mais eficazmente auxiliaram o Mestre de Avis a 
		assumir o Trono. Parafraseando Álvaro Pais: D. João I dava o que não era 
		seu, prometia o que não tinha e perdoava a quem não o tinha agravado 
		(39). Semelhantes atitudes, nos tempos mais próximos, só viremos a rever 
		com D. Afonso V. 
		D. João organizou, pois, 
		importantes feudos, como moeda de troca pelos incomensuráveis favores e 
		serviços, entre outros, ao seu escrivão da puridade, ao Chanceler-mor e 
		ao Condestável. 
		O património de D. Nuno Álvares 
		Pereira viria, mais tarde, a subdividir-se desta forma: a D. Afonso, 
		filho ilegítimo de D. João I casado com a filha dele, D. Beatriz, é 8.º 
		Conde de Barcelos e, em 1442, virá a ser 1.º Duque de Bragança (40) ; D. 
		Afonso, filho do primeiro, é o 4.º Conde de Ourém e 1.º Marquês de 
		Valença (Fig. 2); D. Fernando, segundo filho do futuro 1.º Duque de 
		Bragança, é o 3.º Conde de Arraiolos e 1.º Marquês de Vila Viçosa; D. 
		Isabel, filha de D. Afonso, neta do Condestável, casou com D. João, 
		Mestre da Ordem de Santiago, penúltimo filho de D. João I, tornando-se 
		nora do rei de Portugal. 
		E assim, à custa de casamentos 
		bem realizados, por um lado, e de mortes prematuras, por outro, se 
		formou uma das maiores casas senhoriais de sempre no nosso País: a Casa 
		de Bragança que se estendia do Minho ao Algarve. 
		Na concretização da tomada do 
		poder por D. João I tomaram parte D. Nuno, D. Pedro de Castro e seu pai, 
		D. Álvaro Pires de Castro, Vasco Martins da Cunha; Gonçalo Vasques da 
		Cunha, o marechal; Gonçalo Mendes de Vasconcelos, Martim Afonso de Melo 
		e Diogo Soares de Albergaria: assistiram às Cortes de Coimbra de 1385 e 
		colocaram-se, incondicionalmente, ao lado do Mestre de Avis, combatendo 
		e mandando defender as suas terras e, com isso, encarregando-se da 
		defesa das fronteiras das Comarcas. 
		Em 1400, D. João I terá pensado 
		no corregimento da Casa dos filhos (41). 
		Em 1402, o soberano e D. Filipa 
		de Lencastre reduzem as suas Casas em número de servidores, 
		reflectindo-se o facto nas respectivas despesas que foram diminuindo. 
		Em Abril de 1408, nas Cortes de 
		Évora, começou a pensar-se na constituição do património de D. Henrique 
		e D. Pedro, nada se falando sobre D. Duarte, porque seria, em princípio, 
		o futuro rei (43). 
		A 17 de Abril de 1411 (44), 
		delimita-se, pela primeira vez, o património henriquino ao redor de 
		Viseu, Guarda e Lamego e de D. Pedro, à volta da cidade de Coimbra. D. 
		João vem a ser 10.º Administrador da Ordem de Santiago e D. Fernando 
		Mestre de Avis (45)·, um pouco 
		mais tarde. 
		Estas e dezenas de outras Casas 
		da época vêm a surgir e a aumentar por razões de ordem estratégica 
		política e militar: a conquista de Ceuta, em 1415; os reforços de Ceuta, 
		em 1418/19 e 1421/24, além de 1437 com o desastre de Tânger; a morte de 
		D. Duarte, no ano seguinte, e as lutas civis entre os partidários de D. 
		Leonor a quem o falecido marido, D. Duarte, queria entregar a tutela 
		regis e a tutela regni, e D. Pedro que, pela lei da sucessão 
		ao trono, como irmão mais velho entre os vivos, deveria ser o Regente a 
		sós (1438-1439). A batalha de Alfarrobeira em 1449, em que morreu D. 
		Pedro, deu óptimos dividendos aos partidários do rei que se apropriaram 
		dos bens que abandonaram os exilados para Castela e dos que haviam 
		pertencido aos então falecidos no campo de batalha e seguidores do 
		ex-Regente (46). 
		Seguiu-se Alcácer Ceguer, onde 
		ainda esteve presente o Infante. Falecido, em 1460, já não assistiu aos 
		desvarios do sobrinho em Castela, à derrota em Toro (1476) e 
		muito menos à política sanguinária do Príncipe Perfeito, em 1483/84. Os 
		que perdiam morriam ou conseguiam fugir para  Castela, dando lugar a 
		outros, mais novos, filhos bastardos, ou legítimos mas segundos que, por 
		lei, não teriam direito a quinhão familiar. 
		Entre estes anos 1415 e 1484 
		formaram-se os senhorios de 81 senhores laicos só na Comarca da Beira. 
		Muitos deles tornaram-se  detentores de fortes Casas senhoriais como 
		tivemos ocasião já de referir e cartografar. Na sua grande maioria, 
		tinham direito a exército próprio, contando com um número situado entre 
		os 2 000 e os 3 000 soldados, entre cavaleiros, peões, besteiros e 
		espingardeiros. Contámos alguns daqueles que, sem voz nem rosto, vão 
		sendo citados pelas Chancelarias à custa de privilégios, legitimações e 
		perdões ou mesmo doações régias que, por isso, os têm de referir. Na 
		Casa de D. Henrique encontrámos 886, número muito abaixo da realidade, 
		porventura, pelo facto de, em cada mester, haver um número pouco 
		significativo dos que seriam, de facto, necessários para apoiar um homem 
		nas expedições e conquistas, nos seus monopólios e indústrias, no 
		seu sem número de terras desde 1411 a 1460 (47). 
		Os primogénitos e outros 
		iniciavam património próprio nas demais comarcas, algumas bem afastadas 
		das dos pais ou avós, vindo a herdá-las e a acumular imóveis por todo o 
		País (48). O casamento, base da legitimidade familiar e da unicidade do 
		respectivo património, tornava-se marcante na vida do nobre, pertencesse 
		a que escalão fosse, como sucedeu, com frequência, a alguns filhos 
		segundos, que vinham obter bens consideráveis quando se ligavam a 
		herdeiras ricas, sem irmãos varões legítimos. Há, na verdade, um grande 
		número de maneiras de empregar os filhos sem direito a herdar o 
		que fosse dos pais ou de herança mais pobre e de casar as filhas nobres 
		que detivessem património pessoal ou direito a ele, pois a Lei Mental 
		abriu inúmeras excepções. O morgadio, efectivamente, não tocou todas as 
		famílias da nossa nobreza e cremos que nem mesmo abrangeria a totalidade 
		dos bens de um senhor (49). 
		A herança de progenitores para 
		os filhos, no que se refere ao património e aos títulos de nobreza é 
		ponto assente. Já mais difícil de aceitar seria a hereditariedade no 
		cargo e no funcionalismo. Assistimos, inclusivamente, à repartição 
		daquilo que o senhor detinha na globalidade por dois – um deteve o 
		título: caso de Gonçalo Coutinho que veio a ser 2.º Conde de Marialva; o 
		outro passou a desempenhar o cargo: Fernando Coutinho que herdava do pai 
		o posto de marechal (50). 
		O caso de D. Pedro de Meneses é 
		exemplar: a sua descendência legítima foram três filhas: a mais velha, 
		D. Beatriz, foi Condessa de Vila Real e herdou a Casa paterna. Através 
		do seu contrato de casamento com D. Fernando de Noronha, e 
		instituindo-se morgadio, coube perpetuar, por linha feminina, o capital 
		simbólico da linhagem: a sucessão do apelido, o uso das armas e recebeu 
		o património da Coroa administrado por seu pai. A secundogénita, D. 
		Leonor, ficou com a incumbência de zelar pelas exéquias, sepultura e 
		sufrágios por alma de D. Pedro e irá desempenhar-se da transmissão das 
		tradições familiares – a memória dos feitos dos antepassados. A terceira 
		foi D. Isabel Coutinho que recebeu parte da terça (a quota disponível 
		foi subdividida, ficando parte para a segunda filha e a outra para a 
		terceira) e umas terras, no sentido de auxiliar as anteriores no 
		cumprimento das suas obrigações, entre elas a feitura da Crónica (51) e 
		o levantamento do panteão da família na Igreja da Graça em Santarém 
		(52). 
		Estudaram-se e estudámos as 
		Casas ou parte delas: a de D. Pedro, em certa medida, por Humberto Baquero Moreno (53), continuado por Maria Helena da Cruz Coelho que 
		reserva uma parte do seu trabalho aos bens imóveis que D. Pedro detinha 
		no Baixo Mondego (54); José Marques estudou o Arcebispado de Braga (55); 
		Iria Gonçalves interessou-se por Alcobaça (56). Foi também estudada a 
		Casa Senhorial do Infante D. Henrique  (57) e o mesmo autor iniciou uma breve resenha sobre a Casa de 
		D. Fernando (58), estudada, 
		nos mesmos termos por Baquero Moreno (59), Joel Serrão (60) e Alexandre 
		Alves (61) e, de um modo muito mais integral, por Sebastiana Pereira 
		Lopes (62); a Casa de João Gonçalves Zarco coube a Maria Anita Teixeira 
		Machado (63), a dos Melo a José Cumbre (64), a de Diogo Soares de 
		Albergaria a Alice João Gago (65). O almoxarifado de Lamego, com 
		predominância no estudo dos senhores e bens, por Maria Albertina Paixão 
		Martins Alves de Tapadinhas (66), numa tentativa muito bem sucedida de 
		completar ou, pelo menos complementarizar o estudo sobre os Coutinho de 
		Luís Filipe Simões Dias de Oliveira (67). Pelo meio, há que referir Os 
		Pimentéis por Bernardo Vasconcelos e Sousa  (68). João Luís Inglês Fontes não quis esquecer o Infante Santo 
		(70). Não sendo por ora da nossa Casa mas com uma colaboração importante 
		que nunca nos negou, é ainda de referir Mafalda Soares da Cunha (71). E 
		não completámos a lista, dado que apenas referimos os resultados das 
		teses de Mestrado e Doutoramento defendidas na nossa Faculdade e 
		orientadas por nós e colegas nossos. Comum a todas é a verificação da 
		personalidade e linhagem dos referidos, a constituição das famílias e 
		Casas e a localização dos bens, a Administração, nas suas várias 
		vertentes (justiça, financeira, política e militar), o elemento humano 
		(sempre de variados estratos e ofícios) (72) e as missões de que os 
		senhores e seus homens eram encarregados de cumprir e quantos não 
		tomaram parte nas decisões mais importantes da vida política do 
		Estado. O destino dos seus bens não foram esquecidos, sendo alguns 
		deles dispersos por familiares, criados, mordomos e apaniguados e para 
		pagar dívidas avultadas, como sucedeu com o Infante D. Henrique cujos 
		herdeiros tiveram de assumir essa missão, muito à custa da venda e/ou 
		doação de muitas das terras por ele deixadas (73). 
		O estudo dos senhorios laicos e eclesiásticos e das Casas Senhoriais é 
		um tema imparável. São centenas os mais importantes senhores da nossa 
		História das Conquistas e da Expansão, das lutas civis, dos que se 
		encarregaram da criação do Príncipe herdeiro e dos demais infantes, 
		daqueles que se incumbiram de missões diplomáticas junto da Santa Sé e 
		no acompanhamento das nossas Infantas que iam casar a Castela, Aragão, 
		Borgonha ou à Alemanha (74). Foram muitos aqueles com quem o rei de 
		Portugal pôde contar com a defesa do território ou mesmo com incursões 
		militares ao Reino vizinho (75). A Casa faz-se, quantas vezes, a partir 
		de uma pequena leira de terra, aumentada em número por herança (76), e, 
		significativamente, pelo rei que doa o que tem e promete o que não tem 
		nem nunca teve.         |  
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				|  |               Fig. 3 (Paços dos Condes de 
				Ourém – castelo de Ourém e a sua Torre) |  |  
        |  | Notas |  
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        |  | João Silva de Sousa (Portugal)Professor de História Medieval do Departamento 
		de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade 
		Nova de Lisboa e
		membro da Academia Portuguesa da História
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        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
 Rua Direita, 131
 5100-344 Britiande
 PORTUGAL
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