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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
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		Domingo domingo 
		          finda a obra 
		             merecido descanso. |  
        | DIREÇÃO |  |  
        | Maria Estela Guedes |  |  
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			GERALDO LIMA 
			  
			Um 
 Geraldo Lima, Um. Romance
 Brasília, LGE Editora, 2009
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            |          
			Geraldo Lima |  |  
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		Deus, no entanto, vigilante sempre, sem dia algum de repouso,  espreita 
		o Universo, a humanidade, este cantinho do apartamento onde, naquele 
		entardecer, estirei-me estressado, enfastiado, marcado pelas refregas 
		com o cotidiano.  
		Sob esse olhar onipresente, invisível, busquei o relaxamento. Durante 
		alguns minutos, tentei não pensar em nada: 
		  
		                    a mente flutuando no vazio 
		  
		(A meditação é algo que sempre me atraiu, porém nunca encontrei tempo e 
		paciência para praticá-la. Ariadne, em constante busca de cura para a 
		minha alma aflita, enferma, até me presenteou com livros e CDs que nos 
		ensinam como meditar em casa, no hotel, no trabalho, na rua, onde for 
		possível, mas ainda estão aí, na estante, inúteis, à espera do pó, das 
		teias de aranha.)
		  
		Por fim, o cansaço me venceu.  
		 Cerrei os olhos, mas não creio que tenha adormecido: minha mente 
		continuava vigilante, conectada ao exterior.  
		Foi assim, somente por ter cerrado os olhos (ainda insisto: estava 
		desperto, apenas com a mente relaxada), que nitidamente vi a face 
		luminosa de Deus. Creia no que digo, foi tão real: a luz intensa, 
		cegante, pulsava diante dos meus olhos. Era um facho denso, através do 
		qual nenhum olhar humano poderia passar.  Quis me erguer, porém as 
		costas pareciam grudadas ao piso. Terror e fascínio. Estirei então o 
		braço em busca daquele brilho etéreo, fantástico. Inútil, inútil. O 
		vazio infinito acolheu minha mão e senti tocar a pele o gelo da ausência 
		divina, a solidão glacial.   
		(...) |  
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		Aqui, n'Os Lusíadas, no Canto III, na centésima décima nona estrofe, 
		está escrito: Se dizem, fero Amor, que a sede tua/Nem com lágrimas 
		tristes se mitiga,/É porque queres, áspero e tirano,/Tuas aras banhar em 
		sangue humano. Nas notas está dito que Virgílio também disse algo 
		parecido, Nec lacrimis crudelis Amor... Um caso de 
		intertextualidade, ou de simples imitação, como era regra entre os 
		clássicos. Mas não é isso o que nos interessa; interessa, sim, o caso de 
		o Amor, o deus grego Eros, estar intimamente ligado à Morte, em outras 
		palavras, a Tânatos.  
		A sala inteira em suspense, os olhos fixos na minha figura magra, as 
		portas da mente abertas para que a rajada de palavras entrasse 
		iluminando os cantos escuros e elidisse o mofo da ignorância. 
		 
		Fui de um extremo ao outro da sala (as mãos suando, a testa gotejando) 
		na intenção de juntar novas palavras ao meu discurso, ordenar melhor as 
		ideias que, no afã de ser preciso, acabam se perdendo no caminho entre o 
		intelecto e a boca. Também tinha a intenção de que os alunos mastigassem 
		bem cada palavra, sentindo-lhe o sabor, a maciez da polpa, a aspereza, 
		às vezes, da casca, Porque o ouvido prova as palavras como o paladar 
		prova a comida. Essas palavras de Eliú, acusando Jó, arrematavam com 
		justeza o meu intento, mas não apaziguavam o meu espírito. Para piorar, 
		meu coração esmurrava o peito, escandaloso, e eu tinha a sensação de que 
		a sala inteira acompanhava atenta o seu disparate.  |  
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		(...) 
		Do dia em que Ana cruzou as pernas até aquele instante, meus sentimentos 
		foram de um extremo ao outro. Quantas vezes me vi sufocado por uma 
		ternura louca, por uma fome insaciável de amor que, por mais que eu lhe 
		beijasse a boca, mordesse-lhe a carne, não me satisfazia. Queria 
		devorá-la. Queria entrar dentro dela. Noutras vezes, assim, em espaços 
		de tempo bem próximos, por mais que eu me esforçasse, evaporava-se toda 
		a ternura, o coração era um deserto só, e as mãos, por mais que eu 
		tentasse, não se moviam em direção ao seu corpo. Era quando vinham as 
		tais explicações, o falar distante, intermediado pelo intelecto, e o 
		estar um diante do outro não gerava nenhuma graça, nenhuma química. Mas 
		creio que aí já  nos aproximávamos do fim. O inelutável fim.  
		Para mim era natural que, em espaço de tempo tão curto, já não me 
		interessasse tanto pelo que acontecera naquele entardecer, mas não para 
		Ariadne: ela agora acreditava seriamente na possibilidade de eu ter 
		vivido uma experiência real de contato divino, uma revelação. Se em 
		outros tempos alguns homens puderam ter essa graça, por que isso não 
		poderia acontecer agora, nesta época assolada pela corrupção, pela 
		violência, pelo cinismo, uma época tão necessitada de uma intervenção 
		direta do Criador? É, meu caro, porque as leis dos homens já não estão 
		dando conta do mal.  
		
		(...) |  
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		(...) 
		A música de Cartola enchia o apartamento, quase uma súplica, um conselho 
		amoroso, e Ana, distante, insensível, evadia-se para um outro mundo.
		 
		Depois da conversa sobre o encontro com o fotógrafo, nossa convivência 
		tornou-se complicada. Os risos murcharam, e as palavras secaram em meio 
		aos espinhos e às pedras.  Mesmo assim insistimos um bom tempo neste 
		sofrimento: dormíamos numa cama de faquir e sentíamos, a cada dia, o 
		apartamento encolher. Eu ia de um extremo ao outro e, por várias vezes, 
		surpreendi-me maquinando a insana ideia de esganá-la. Se eu não pudesse 
		tê-la mais, ninguém mais a teria. Ana, deitada ali, de bruços, era só 
		envolver-lhe o pescoço com as mãos, apertar, apertar, ninguém ouviria 
		nada, só Deus, mas que importância teria isso?   
		(...) |  
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		(...) 
		Nesse tempo creio que não havia ainda o hamster e o seu dono, e, se 
		havia, meus ouvidos estavam completamente surdos para eles. Com a 
		solidão, no entanto, é outra história: ela amplia os ruídos do mundo, 
		torna nossa alma sensível aos murmúrios da noite e a cidade cresce como 
		se fosse nos esmagar. E, por mais que falemos, que lancemos sinais de 
		socorro, nada se move. Palavras loucas, ouvidos moucos, nos diz o 
		provérbio.  
		No auge do desespero, sentimos falta de alguém, da voz e do corpo que 
		nos reergueram após experimentarmos a vertigem da queda. A voz que 
		sussurrou em nosso ouvido palavras de ânimo e de carinho. O sopro da voz 
		que nos inundou de vida outra vez. Pela décima vez! A voz de Ariadne: um 
		mantra. Deixo então que as palavras procurem o eco dessa voz ainda no 
		rascunho de uma carta. 
		
		(...) |  
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		(...) 
		Motivado por essa imagem do passado, vou novamente à sacada em busca do 
		brilho da Lua. Infelizmente ela já desliza quase fora do alcance da 
		minha vista. Daqui a pouco, restarão apenas as estrelas e os fiapos de 
		nuvens no breu celeste.  
		Quase meia-noite. Sinto que é hora de sossegar meu espírito, mas o sono 
		não vem. E a morte, posta no horizonte, é sempre uma saída extrema. Mas 
		por que arrastar este corpo até o fim do dia? Por que atravessar esse 
		corredor escuro até a aurora? Por que insistir nessa jornada? Sei que 
		amanhã, caso vá trabalhar, entrarei em sala de aula fustigado pelo mesmo 
		temor do primeiro dia em que me vi frente a frente com a turma de Ana. E 
		sei que, como faço há dias, há meses, esperarei que outra Ana, com uma 
		cruzada sutil de pernas, arraste meu olhar e mude o curso da minha vida. 
		(...) |  
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		Geraldo Lima (Brasil, Planaltina, GO, 1959)Professor de Literatura e Língua Portuguesa. Já ganhou alguns prêmios 
		literários e tem textos publicados em jornais, revistas impressas e 
		revistas eletrônicas. Publicou os seguintes livros: A noite dos 
		vagalumes (contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, FCDF), Baque (contos, LGE Editora/FAC), UM (romance, LGE Editora/FAC) 
		e Nuvem muda a todo instante (infantil, LGE Editora). Tem no 
		prelo o livro de micronarrativas Tesselário (Ed. Multifoco). 
		Participou de algumas coletâneas, como Antologia do conto brasiliense (org. 
		por Ronaldo Cagiano) e revista Portal Solaris (org. por Nelson de 
		Oliveira). Como dramaturgo escreveu as peças Error (encenada pela 
		Oficina do Teatro de Periferia) e Trinta gatos e um cão envenenado
		( foi feita a sua leitura dramática na 5ª Mostra de Dramaturgia de 
		Brasília). Colabora com o Jornal Opção, em Goiânia, e com o
		Jornal de Sobradinho, DF. É um dos colunistas do blog O BULE
		
		www.o-bule.blogspot.com Mantém o blog Baque
		
		www.baque-blogdogeraldolima.blogspot.com
 
		
		e-mail:
		
		
		gera.lima@brturbo.com.brTwitter: @gerassanto
 Facebook: Geraldo Lima
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        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
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