1.
Um cão é por vezes
uma parábola, um conto, uma quimera
diferente do gato por ter a mais
o latido negro e o olhar raiado
de anos
de sangue e de histórias pavorosas.
Tanto cansaço
por um cão! Porque o dia
desfaz-se em pedaços
e subjuga-nos
e já nada é lonjura
limite, precaução
na memória.
Lovecraft
teria tido um cão?
E o cão de Rilke
forma desenhada
exercitando o estro
do seu dono ausente?
Qual o nome
do cão de Diana caçadora?
Não o preferido, o outro
que falhava perdizes e raposas
se adregava de quedar-se
no bosque prematuro
a mijar na caruma, contemplando
lá no alto uma brusca ameaça de luz.
Cão - recorte
de muitas linhas
que se confundem
estranhamente
na ardósia efémera
uma e outra vez
- nada nos dirá nunca
com seu focinho liberto
e sonolento.
2.
“Ninguém para mim morre. Sempre haverá
o movimento que foram e não foram
os homens, as flores, o infinito.
Celebro
não apenas o instante
mas o véu que nos dá
obras e paixões.
Inscrição sobre um muro
que se impõe, silenciosa
como se nela entrasse
o perene sussurro
da mais pura tristeza.
Unindo eternamente
olhos, vozes, planetas”. |