REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 07

   

 

 

 

ESPECIAL

NICOLAU SAIÃO

NOS 20 ANOS DE “OS OBJECTOS INQUIETANTES”

Prémio Revelação/Poesia APE/IPPL -1990

Uma antologia

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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NICOLAU SAIÃO

Os objectos inquietantes

antologia -index

                                                                            Nicolau Saião
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
 
  ÁRVORE
 

Gostava de ter árvores como alguns têm flores.

Árvores, muitas árvores: laranjeiras, pinheiros, uma oliveira ao pé

do mar, se eu tivesse uma casa a sotavento das dunas

como as que se adivinham em certos quadros de Cézanne

se a luz é muito clara e permanece

com velhos nomes gregos que não sei.

Nespereiras, limoeiros, uma que outra ameixoeira

parecendo, vistas de longe, ser

de uma substância estranha e desconhecida.

Não me importava, até, de em tardes de calor

ter dentro do meu quarto um abrunheiro donde pendesse

um decente e fraternal cadáver.

 

A verdade é que não me assusto facilmente

e tenho confiança no reino vegetal.

 

Malus sieboldi, catoneaster dielsiana, vós sois

os mais exactos filhos do mundo.

 

Gostaria de me rodear, um dia, de videiras

- essas árvores turvas da esperança -

e quando digo rodear sei o que digo, pois

queria que se enrolassem nos meus rins, nas espáduas

me descessem pelas pernas e lançassem

perto do meu sexo folhas novas

e que, ao lusco-fusco, enquanto no céu passam

os pequenos satélites mortais e luminosos que o desespero

do Homem lá coloca, por surpresa se transformassem

em plantas de gesso de frutos impensáveis.

 

Chego a perturbar-me por vezes se vejo

uma árvore junto a um hospital

 

Não sei porquê creio que me lembro mais

ou sinto mais

agudamente os níveis dolorosos das origens

do cristal, da carne

os esponjosos tecidos da sombra e da frescura

das cores da morte pronta para o grande tumulto.

 

Que medo, em certas noites, ver

de noite uma árvore

 

Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo

obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida

que não houve. Mas mesmo assim

dentro das ruas, dentro das casas

as árvores têm um outro entendimento

um mistério muito delas

- e não completamente inventados -

pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens

o seu riso, a sua fome, os sinais todos

que o Homem podia e devia ter.

 

As árvores começam e acabam sem amor

e sem ódio.

 

 

 NICOLAU SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
 [
Monforte do Alentejo,1949, Portugal]
Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário” (a publicar). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiros (Brasil, França, E.U.A. Argentina, Cabo Verde...).
CONTATO: nicolau49@yahoo.com

 

 

© Maria Estela Guedes
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