REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 06

   

CONTRADICÇÕES                                                        

se retraço / se refaço / se prossigo e mais não digo /
se repasso e não trespasso / se redigo e não consigo /
se me engraço e no compasso / ameaço e lá religo /
porque o faço ? / porque traço?/
porque maço ?/ porque sigo ?  

se espero e desespero / se não quero e me redimo /
se não esmero /  pois não quero / se fero, firo e afirmo /
se refiro e não confiro / largo, tiro e animo /
porque opero ? / que tolero ? /
porque gero ? / o que estimo ? 

se ocupo e não me culpo / se desculpo e não consinto /
se exulto e em vão oculto / se permuto e não me minto /
se não esqueço e enlouqueço / se mereço o labirinto /
porque expresso ? / porque acesso? /
se regresso e lá repinto ?  

se envolvo e não resolvo / se promovo e mal não passo /
se osculo e sim discorro / se ocorre e não me escasso /
se parece e transparece / se na prece não me enlaço /
quem esquece ? / que acontece ? /
porque aquece ? / que desfaço ? 

se acorro e lá percorro  / se do pranto faço encanto/
se aprovo e não recorro /  e o recanto é sacrossanto /
se escorro e subo o morro /  adianto e entretanto /
porque incorro ? / porque morro ? /
se socorro e faço tanto ?

DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
   
   
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FERNANDO AGUIAR

 

Poemas

                                                               Fernando Aguiar
 
 
 
 
 
 
 
  UM ESPAÇO DE TEMPO NUM TEMPO SEM ESPAÇO
 

                                       Para o Augusto de Campos 

neste decurso de tempo que se mantém a compasso

um outro espaço invento, mas que nem sempre enlaço 

que respira no pensamento e num suspiro repasso                                           

que sacudo no instante, em momentos que ameaço.

 

em toda a razão que sustento perspectivo o embaraço

na separação que intento, causo o soltar do estilhaço

retomo o conceito do sopro, reponho no ar o cansaço

de fazer, do não ter, e de querer ser num só traço.

 

no limite, o proceder, o sedimento que amordaço                                   

o fazer tudo valer, num sentido que trespasso

a frustração do ter que ser no desmembramento do aço

que sem senso e contra o vento se encerra no regaço.

 

do tanto que em vão perco, de tudo o que não faço

na recusa em ficar parado nem que seja um pedaço                  

na precisão do que tenho, que é sempre tão escasso

e por muito que não queira, destruo a cada passo.

  

desesperar o que penso que pressupõe o fracasso

no momento olhar o laço que me consome e desfaço

resultando num percalço, a derrota que estéril abraço

tornando o espaçotempo no sentimento que retraço. 

 

 

QUEM?
(em forma de Haiku)

 

  

quem nada

não se

afaga. 

 

quem segue

não se

traga. 

 

quem bate

se não

baga. 

 

quem pode

não

(a)paga. 

 

quem engole

não se

engasga. 

 

quem acode

não se

agarra. 

 

quem (dis)corre

diz

descarga 

 

quem aperta

dis bis

naga. 

  

quem prevê

diz:

praga. 

 

quem Caminha

chega

a Braga 

 

quem a vizinha

não a

zinhaga. 

 

quem achega

não se

chaga. 

 

quem adverte

diz:

draga. 

 

quem fobia

não se

fraga. 

 

quem magoa

clama

maga. 

 

quem sacode

sempre

saga. 

 

quem vagueia

sobre

a vaga ?

 

  O EXCESSO INEXCEDÍVEL 
 

                                                        (:o amor que, de resto, pode ser abominável)                                                                                 Décio Pignatari 

se o amor pode ser abominável

a dor é uma sensação adorável. 

 

se o excesso pode ser inexcedível

o pouco é com certeza algo incrível.

 

se o ostensivo pode ser exigível

o redutor é certamente repreensível.

 

se a tónica pode ser aconselhável

o inverso é quase sempre miserável.

 

se a nudez pode ser apetecível

o universo é algo de indizível.

 

se a palavra é por vezes imperceptível

o que não diz será sempre indiscutível.

 

  SOL A SOL
 

                                                          para o Arnaldo Antunes 

 

sol

sem  posto.

de-posto-sol.

 

sol

sem porto.

pôr-to-sol.

 

sol

no rosto.

rasto-de-sol.

 

sol.

sem rosto.

raio-de-sol.

 

sol

raiado.

risco-no-sol.

 

o sol

no seu pôr.

pôr-se-sol.

 

sol

pelo sul.

pouco sol.

 

sol

gota-a-gota.

parco sol.

 

o sol

pelo ser.

pôr-se-sol.

 

sol

sem sabor.

pôr-do-sal.

 

sol

sem sol.

sabor-a-fel.

 

sol

sem gosto.

(des)gosto-a-sol.

 

sol

de agosto.

gosto-do-sol.

 

sol

parco.

perco-o-sol.

 

sol

composto.

compor-sol.

 

sol

reposto.

comprar sol.

 

sol

suposto.

su-pôr-sol.

 

sol

entreposto.

entre-sol.

 

sol

exposto.

ex-sol.

 

sol

imposto.

pôr-do-sol.

 

sol

morto

sol posto.

 

  É-SE OU NÃO SE É
 

é-se ou não se é;

ou s, mas não se vê.

 

vê-se mas não se lê;

ou lê-se, mas não se aprende.

 

aprende-se mas não se sente;

ou sente-se, mas não se põe.

 

opõe-se, mas não se dá;

ou dá-se, mas não se acha.

 

acha-se mas não se liga;

ou liga-se, mas não se faz.

 

faz-se, mas não se quer;

ou quer-se, mas não se pensa.

 

pensa-se mas não se age;

ou age-se sem se pensar.

 

gosta-se mesmo que doa;

e dói quando não se gosta.

 

casa-se, e não se faz caso;

ou o ocaso quando se casa.

 

julga-se mas não se sabe;

ou sabe-se o que se julga.

 

cai-se e não se levanta;

ou levanta-se onde calha.

 

reflecte-se, o não oculto;

ou é inculto na reflexão.

 

termina-se quando se atira;

ou atira-se, se se determina.

 

morre-se e nada fica;

ou fica-se. com a morte.

 

 

 Fernando Aguiar (Portugal, 1956)
Artista plástico, poeta. Publicou, entre outros, os livros de poesia: “POEMAS + OU – HISTÓ(É)RICOS”, “O DEDO”, “REDE DE CANALIZAÇÃO”, “MINIMAL POEMS”,  “A ESSÊNCIA DOS SENTIDOS”. Infantis:  “ROSARINHO E ALZIRA”, “UÉRÉ DE GUARAQUEÇABA”. Antologias: “POEMOGRAFIAS – Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa”, “1º FESTIVAL INTERNACIONAL DE POESIA VIVA”, “CONCRETA. EXPERIMENTAL. VISUAL – Poesia Portuguesa 1959-1989”, “VISUELLE POESIE AUS PORTUGAL”, “IMAGINÁRIOS DE RUPTURA / POÉTICAS EXPERIMENTAIS”.
e-mail: fernandoaguiar@netcabo.pt
http://ocontrariodotempo.blogspot.com/
http://po-ex.net/fernandoaguiar
http://www.anamnese.pt/index2.php?projecto=az

 

 

© Maria Estela Guedes
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