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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2010 | Número 04
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Resumo
As árvores, os seres vivos mais longevos do planeta, eram entes sagrados nas
culturas antigas, investidos dos mais altos poderes simbólicos: desde o
oráculo de Zeus em Dodona que se manifestava num carvalho, ao freixo sagrado
Yggdrasil das culturas nórdicas, à presumida árvore do paraíso em que Cristo
foi crucificado, ou ainda a figueira sob a qual Buda alcançou a iluminação.
No seu sentido mais geométrico a árvore representa um eixo vertical
ramificado nos extremos que liga dois infinitos opostos: o céu e a terra, e
serve de referência ou guia do homem na sua caminhada para o conhecimento. A
árvore sagrada era vista em diferentes culturas como o eixo do mundo, Axis
Mundi, signo da regeneração da comunidade. O druida na cultura celta era
considerado simultaneamente vidente, curandeiro e filósofo. Há árvores
centenárias ou milenares que ainda hoje marcam sítios da História de
Portugal. No símbolo wang, composto de quatro traços, feita a analogia com
uma árvore, o tronco simboliza o espírito. Citam-se histórias de três
espécies: a oliveira, o pinheiro manso e o dragoeiro.
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DIRECÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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Entre
a terra e o céu:
árvores sagradas
José
Pinto Casquilho
CEABN/UTL & CECL/UNL
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“O que é isto?!” perguntaram
os exegetas, face às Magnalia Naturae, praecipue quoad usus humanos,
de Francis Bacon. A estrutura sintáctica do texto foi sabiamente
escolhida, para ocultar essa questão,
por isso não é nele que acharemos resposta, sim em nós.
Maria Estela Guedes (1) |
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Representação simbólica da
árvore |
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Mircea Eliade conta-nos (2) que a imagem da árvore não foi escolhida unicamente
para simbolizar o Cosmos, mas também para exprimir a Vida, a juventude, a
imortalidade, a sapiência. Segundo ele, a existência do homo religiosus é
aberta para o mundo: o homem religioso nunca está só, pois vive nele uma
parte do Mundo. Jacques Brosse recorda-nos (3) que para o selvagem - o
habitante da floresta, da selva -, tal como para o sábio, a árvore é
verdadeiramente a primeira das criaturas terrestres e o ser vivo que une a
terra e o céu, indicando o caminho dos deuses. Na Índia védica, conta a
lenda que Varuna, deus do céu nocturno e das águas, obtinha soma, ou amrta,
o elixir da imortalidade, espremendo o fruto da árvore da vida entre duas
pedras (4).
Há inúmeros relatos de árvores sagradas em muitas culturas:
Yggdrasill era o freixo gigante da mitologia nórdica, o mensageiro de Ygg,
um dos nomes de Odin, o pai dos deuses; enquanto que em Creta o freixo era
consagrado a Posídon, o cipreste a Hades e o carvalho a Zeus; o carvalho de
Dodona, interpretado pelas Plêiades, constituía o oráculo mais poderoso da
região (5) e sob a sua casca viviam as dríades, uma das categorias de
ninfas.
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O carvalho, muitas vezes representado pelo
roble, ficou sucessivamente associado a Júpiter e na mitologia
nórdica a Donar-Thor, o deus dos raios e trovões. É o signo
basal da astrologia celta, onde o nome druida, semelhante ao
termo grego para carvalho sagrado, drus, significa sabedoria da
árvore. Há autores que referem (6) que a palavra filósofo pode
ser considerada uma tradução grega do celta dru-uids,
literalmente: vidente, muito sábio; em irlandês o termo é drui,
do genitivo drúad, sendo que aquele a quem se crê sábio ama a
ciência e a confunde com a sabedoria; os druidas actuavam como
juízes ou árbitros em todas as disputas (7). |
Fig. 1 – uma
representação de druida no século XVIII: numa mão segura uma
vara, noutra um ramo de carvalho. |
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A propósito das representações da árvore
sagrada na Mesopotamia diz-se que não há culto da árvore em si, mas que
sob aquela figuração se esconde sempre uma entidade espiritual (8) - a
árvore permite conjugar dois infinitos opostos, unindo duas
profundidades simétricas e de sentidos contrários: as raízes mergulhadas
na matéria subterrânea e a copa imersa em luz. No Genesis afirma-se que
a árvore da vida estava no meio do jardim assim como a árvore do
conhecimento do bem e do mal (9).
Que podemos dizer das árvores como
figuras do tempo profano? São os seres vivos mais longevos do planeta,
as deposições de lenhina na parede secundária das células dos tecidos do
tronco fazem-na uma viga vascular encastrada no solo e os ramos suportam
miríades de cloroplastos nas folhas e caules verdes onde se processa a
fotossíntese. Pela parte da fisiologia das árvores nada a opôr à
conjunção de dois infinitos ligados por um eixo, pois que na imensidão
de raízes finas e pêlos radiculares a que se juntam o mais das vezes
simbioses com fungos, micorrizas, de micélio virtualmente invisível, se
absorve água e nutrientes, que translocados no xilema até às folhas à
conta do fluxo induzido pela tensão da transpiração, alimentam a
maquinaria da fotossíntese e do crescimento - os dois infinitos que se
ligam através da estrutura mecânica e vascular, entre copa e raíz, entre
luz e gravidade.
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Infinitos são os raios de Sol que incidem nas
folhas, como incontáveis serão as fibrilas que constituem as
raízes no seu mergulho no solo. Tem-se então uma representação
simbólica da árvore como ao lado.
Vou falar-vos brevemente de três árvores que
ocupam um lugar simbólico de relevo: a oliveira, o pinheiro
manso e o dragoeiro. |
Fig. 2 –
representação simbólica de árvore como ligação de dois infinitos
por um eixo |
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A oliveira |
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Orlando Ribeiro identifica a oliveira como o símbolo do
Mediterrâneo (10) e não é difícil ver por quê: os locais da sua
adaptação geográfica como árvore de fruto constituem um
território associado a um clima particular.
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Simbolicamente foi uma oliveira florida o dom
que Atena ofertou no concurso para a escolha do nome da cidade
que ficou nomeada sob a sua proteção, pois venceu junto do júri
dos deuses. A oliveira florida, promessa de fruto, dá origem ao
azeite, o óleo sagrado, que tempera, alimenta e ilumina.
Christos em grego, significa ungido pelo óleo sagrado. O azeite
é frequentemente designado como fio de ouro (11).
No livro do Genesis refere-se que uma pomba
largada por Noé levava uma folha de oliveira, anunciando o fim
do Dilúvio, e tornando-se símbolo da paz e presente divino.
Existem oliveiras muito antigas, estando algumas referidas como
como milenares (12). Este exemplar que se encontra no castelo de
S. Jorge em Lisboa, terá por certo séculos. |
Fig. 3 –
oliveira do castelo de S. Jorge em Lisboa |
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Em termos botânicos a oliveira, Olea
europaea, dá o nome a uma família: Oleaceae, que comporta vários
géneros, onde se contam os freixos por exemplo. É uma angiospérmica
dicotiledónea, filogeneticamente considerada uma árvore mais recente que
muitas outras na arborescência das espécies. |
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O pinheiro manso |
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Já para os lados das gimnospérmicas,
consideradas mais antigas do que as angiospérmicas, o pinheiro
manso, Pinus pinea, designação que já era usada pelos romanos
para esta espécie (13) da família Pinaceae, aparece
simbolicamente ligado ao sacrifício de Attis que renasceu como
tal (14), depois de se ter castrado à conta dos amores e dos
ciúmes de Cibele. É uma árvore generosa em sombra, fruto e
madeira, formando belos bosquetes acolhedores, capazes de
permanecer séculos indeterminados em regeneração e metamorfose.
Fig. 4
– pinheiro manso no castelo de S. Jorge |
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O dragoeiro |
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O dragoeiro, Dracaena draco, é uma
monocotilédónea angiospérmica que ainda hoje aparece
classificado com ambiguidade, o mais das vezes na família
Agavaceae (15) mas também na família Liliaceae; é proveniente da
Macaronésia, região geográfica insular que agrega as Canárias, a
Madeira, os Açores e ainda Cabo Verde. Tem uma forma e um porte
(16) que o distinguem das espécies aparentadas. Destaca-se uma
particularidade: a seiva vermelha, o sangue de dragão, usado
como fármaco e corante, muito procurada para o fabrico de um
corante vermelho que inclusivé servia para fazer falsos rubis, e
que, segundo o cânone da pintura renascentista, devia ser usado
para pintar o manto de Cristo; os dragoeiros foram algumas vezes
usados pelos portugueses como padrões vivos nas quais se gravava
na casca a divisa do infante D. Henrique, Talant de Bien Faire,
e a data da passagem (17), o sangue de dragão cicatrizava as
feridas e a inscrição ficava uma tatuagem no tronco. Aparece
representado num painel lateral do Jardim das Delícias terrenas
de Hieronymus Bosch, pintado entre 1503 e 1504, apresenta-se no
Paraíso (18). Dir-se-ia que é um dos elementos que faz a
mediação entre o mundo subterrâneo e o céu, apontando para este
se seguirmos as folhas, e está envolto por uma trepadeira de que
pendem cachos de frutos aparecendo como símbolo de fertilidade. |
Fig. 5 – Painel
lateral do Jardim das Delícias Terrenas de Bosch |
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Fig. 6 –
pormenor da figura anterior: à esquerda vê-se um dragoeiro envolto por
uma trepadeira com folhas e cachos |
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A árvore e o homem |
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Os três traços horizontais do símbolo wang
representam o céu, o homem e a terra, por ordem descendente,
ligados verticalmente por um quarto traço, o espírito. O homem
referido é o homem universal que tem como função ser mediador
entre o céu e a terra, através do seu pensamento. |
Fig. 7
– o símbolo wang |
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Por pensamento podemos conceber uma enunciação mental
que podemos também considerar espiritual. Nesta ordem de idéias uma
metáfora que convém não esquecer é a do jardim, enquanto referência
mítica mas também como obra humana, onde se verticalizam as árvores
escolhidas e cuidadas.
O jardim deverá representar uma economia da comunicação (19), da
abertura a um mundo mais vasto do que aquele que é permanentemente
mantido pelo trabalho humano, e que deverá ser fonte deste. Recordemos
que a comunidade é um dom ou uma dívida em relação a outros e lembra-nos
também, ao mesmo tempo, a nossa alteridade constitutiva connosco
próprios (20).
A árvore sagrada significa em muitas culturas o Axis Mundi - o eixo do
mundo -, em torno do qual a comunidade se identifica e regenera, esse é
o seu signo principal. |
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(1) Jardinar com Francis Bacon in
Jardins do Mundo – Discursos e Práticas (coord: José Eduardo Franco e
Ana Cristina da Costa Gomes). Gradiva, Lisboa, 2008, pag 163-168.
(2) Mircea Eliade (1957). O Sagrado e o Profano – a
essência das religiões.
Martins Fontes, São Paulo, 2001
(3)
Jacques Brosse, Mythologie des Arbres. Librairie
Plon, Paris, 1989
(4)
Lima de Freitas, Prefácio in A Árvore, editores: Rosa Ramos e Nuno
Calvet. Intermezzo Audiovisuais, Lda., Lisboa, 1996
(5)
http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0477
(6) Henri de Jubainville (1905), Os Druidas e os
Deuses Celtas sob Forma de Animais.
Zéfiro, Sintra, 2009
(7)
Miranda J. Green, Dictionary of
Celtic Myth and Legend. Thames and Hudson Ltd, London, 1993
(8)
http://br.monografias.com/trabalhos917/sagrado-arvores-tempo/sagrado-arvores-tempo.shtml
(9)
Paulo Mendes Pinto, A Metáfora dos “Jardins Suspensos da Babilónia”, ou
a Remota Busca de um Tempo Perdido in Jardins do Mundo – Discursos e
Práticas (coord: José Eduardo Franco e Ana Cristina da Costa Gomes).
Gradiva, Lisboa, 2008, pag 569-574.
(10) Orlando Ribeiro, 1962, Mediterrâneo: Ambiente e
Tradição. Fundação Gulbenkian, Lisboa.
(11)
http://museu.quintalagardamoira.com.pt/content/blogcategory/50/37/lang,pt/
(12)
http://ecosfera.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1436985
(15) Chris Humphries, Bob
Press, David Sutton, Guide to Trees of Britain and Europe, Philip’s,
London, 2006.
(16)
http://www.triplov.com/casquilho/Dragoeiro/Dracaena-Draco/index.htm
(17) Alexandra Soveral Dias, O Jardim das Plantas:
corpo, história e uso na sedução dos jardins temáticos in Jardins do
Mundo – Discursos e Práticas (coord: José Eduardo Franco e Ana
Cristina da Costa Gomes). Gradiva, Lisboa, 2008, pag 175-184
(18)
http://cocanha.blogspot.com/2009/01/sangue-de-drago.html
(19) Viriato
Soromenho-Marques, O Jardim como Representação nas Utopia(s)
Ecológica(s) in Jardins do Mundo – Discursos e Práticas (coord: José
Eduardo Franco e Ana Cristina da Costa Gomes). Gradiva, Lisboa,
2008, pag 515-522.
(20) José Augusto
Mourão, A Árvore das Palavras: o Espaço Livre da Interlocução in
Jardins do Mundo – Discursos e Práticas (coord: José Eduardo Franco
e Ana Cristina da Costa Gomes). Gradiva, Lisboa, 2008, pag: 693-702
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José Pinto Casquilho.
Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves
(CEABN/UTL), Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens
josecasquilho@gmail.com
(CECL/UNL). |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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