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No ano de 1120, Raimundo de Puy, o primeiro a intitular-se Mestre da
Ordem, sucessor de Gerardo, traçou um novo destino a esta comunidade,
acrescentando aos compromissos assistenciais o serviço militar, primeiro
para proteger os peregrinos dos ataques dos sarracenos e bandos armados
e depois para defender, pelas armas, os lugares santos e dar apoio aos
Cruzados. Dá resposta, assim, aos anseios da sociedade do seu tempo: uma
sociedade bélica, mas imbuída de religiosidade. Cria, sob o estandarte
da Fé de Cristo, uma instituição religioso-militar, síntese do sentir e
dos ideais dos homens de então: a prática da caridade e a defesa da Fé.
A luta em nome de Cristo é um ideal que justifica a guerra, que assim é
justa, de acordo com o pensamento de S.to Agostinho.
Fundada em Jerusalém, a Ordem de São João do Hospital conheceu, ao longo
dos séculos, mercê da sorte das armas na luta entre a Fé de Cristo e a
Fé de Maomé, vários locais onde instalou a sua Casa-Mãe. Primeiro
Jerusalém, depois Margat, S. João de Acre (1206-1290), Chipre
(1290-1309), Rodes (1309-1310), onde adquiriu uma feição “insular”, no
dizer de Fr. Lucas de Santa Catharina, e se manteve até 1522, quando a
ilha foi tomada pelos turcos. Finalmente, instituíram-se na ilha de
Malta.
Esta é, em síntese, a origem
da Ordem dos Hospitalários, ou de São João de Jerusalém, de Rodes ou
ainda designada de &Malta,
a partir de 1530, quando os freires, como referimos, se instalaram na
ilha assim chamada, que lhes foi doada pelo Imperador Carlos V.
A Ordem cresceu em poderio económico e militar, bem como em número de
casas espalhadas por toda a Cristandade. As generosas doações de
particulares e monarcas, bem como o apoio do papa, de que beneficiam,
aliadas a uma organização e gestão centralizada e rigorosa, fazem dos
Hospitalários uma força religiosa e militar poderosa e actuante, tanto
na defesa dos lugares santos, como na defesa e assistência aos enfermos
e peregrinos nos caminhos de peregrinação, à Terra Santa ou a Santiago
de Compostela.
Pela divisão em circunscrições territoriais, designadas por Línguas ou
Nações (como as comunidades de estudantes) e graças a uma rígida
administração, assim como a uma hierarquia bem estruturada, a grande
dispersão geográfica é centralizada e munida de vários mecanismos de
controlo, contribuindo todos para o Comum Tesouro, um factor
determinante para o seu sucesso.
A Ordem estava organizada em sete (mais tarde oito) circunscrições
territoriais e administrativas: Provença, Auvergne, França, Itália,
Espanha, que englobava Aragão, Navarra e Catalunha e, a partir de 1462,
Castela, que incorporava o Priorado de Portugal, Alemanha e Inglaterra,
cada uma delas composta por um ou vários priorados.
Os Hospitalários, constituindo um todo, em que todos professavam os três
votos religiosos de obediência, castidade e pobreza, com uma acção
preponderante no domínio da assistência e defesa da Fé de Cristo,
constituíam-se em: Freires Cavaleiros, elementos de escol recrutados na
nobreza, que podiam ser Comendadores, Bailios e Priores; os Capelães
Conventuais, religiosos de ordens sacras, e os Serventes de Armas ou
Sargentos. Cada freire, qualquer que fosse o convento e qualquer que
fosse a língua, sabia sempre qual o seu lugar na hierarquia e qual a
função que lhe cabia.
A pirâmide hierárquica tinha no topo o Grão-Mestre da Ordem, que
dependia espiritualmente (ele e a Ordem) do Sumo Pontífice. Tinha por
função presidir à Ordem, tanto a nível religioso como militar. A figura
do Grão-Mestre passou a ter dignidade militar por regulamento do
Grão-Mestre Hugo de Revel (1258-1277). Intervinha na administração dos
vários priorados, exercendo a sua autoridade ao nível da atribuição e
destituição dos cargos. Detinha também prerrogativas no plano judicial,
além de presidir ao Capítulo Geral, que era a suprema instância judicial
dentro da Ordem. A sucessão do Grão-Mestre à frente da Ordem estava
assegurada por eleição interna, que obedecia a um cerimonial complexo
iniciado pela convocação do Conselho Completo, e era feita a título
vitalício. Era coadjuvado na sua acção governativa por vários órgãos
colegiais: o Conselho (ordinário e completo), o Convento e o Capítulo
Geral, o seu órgão legislador. Na reunião magna da Ordem, o Capítulo
Geral, participavam elementos de todas as línguas que a compunham. Era
nesta magna assembleia que era nomeado o seu Procurador-Geral, que tinha
assento na cúria romana. O Capítulo Prioral ou Provincial, de realização
anual, era outro dos órgãos colectivos deste Instituto, que contava com
uma estrutura hierárquica complexa e de cariz funcional.
Entre os freires cavaleiros
eram recrutadas as chefias militares e de governo. Em segundo plano
estavam todos os homens dos ofícios que, dado o carácter e a actuação
dos Hospitalários, abrangia um leque amplo e variado. Finalmente,
estavam todos os homens leigos, que serviam a Ordem, nomeadamente nos
trabalhos agrícolas.
A admissão no seio da Ordem estava regulamentada com várias cláusulas,
tendo sofrido algumas alterações ao longo dos séculos. Segundo as normas
estabelecidas no magistério do Grão-Mestre Hugo de Revel, só podiam
professar na Ordem os filhos de legítimo matrimónio, exceptuando se
fossem filhos de senhores de grandes títulos. Impunha um cerimonial
codificado e muito simbólico, porém, menos solene para os freires
serventes. O candidato apresentava-se vestido com o hábito longo e com
um círio aceso. Ajoelhando-se diante do altar, assistia à missa,
comungava e, só então, o professante pedia para ser aceite na
Congregação. Recebia então a capa e a cruz, colocada sobre o lado
esquerdo do peito, e era-lhe apertado o cordão do manto, simbolizando o
jugo do Senhor. Todos os freires eram, sem excepção, obrigados a usar o
hábito, simples e despojado, de acordo com os votos de pobreza que
professavam; contudo, ao longo dos tempos, foram admitidas algumas
diferenças. Por exemplo, a partir do séc. XIII, os freires deviam usar
uma sobrevista vermelha, no exercício das armas. No séc. XV, o
Grão-Mestre Pedro Raimundo Zacosta permitiu o uso de uma vestimenta mais
curta aos freires que estivessem ao serviço nas galés e nas guardas e
sentinelas dos castelos da Ordem. A cor dos Hospitalários era o negro,
mas também o cinzento foi autorizado. Todos os freires seriam sepultados
com o seu manto.
A Ordem de São João de Jerusalém admitia também donatos, pessoas leigas
que ofereciam os seus bens à Ordem, participando assim nos benefícios
espirituais que esta proporcionava. Também estes teriam que obedecer a
um ritual de admissão.
A Ordem do Hospital integrava também nas suas fileiras mulheres. Em 1104
uma mulher fundou, em Jerusalém, um hospício, anexo ao hospital da
Ordem, para receber mulheres devotas à Fé de Cristo. Hugo de Revel
concedeu poder aos vários priores para receberem mulheres de honesta
vida. Mais tarde, já no séc. XVI, de acordo com directrizes do
Grão-Mestre Claudio de la Sengle, as Hospitalárias teriam que morar em
mosteiros. (Santa Catharina,
Fr. Lucas de, Malta Portugueza…, I, I, cap. IV, p. 127). O
recrutamento dos elementos femininos obedecia a critérios particulares
de cada casa. Vestiam hábito vermelho sobre o qual era colocada, também
no lado esquerdo, a cruz branca de oito pontas. Depois da perda de
Rodes, as irmãs passaram a ser chamadas de
&Maltesas
e a usar vestido preto. Tal como no ramo masculino, as Hospitalárias
estavam divididas em diversos grupos: Professas, Conversas e Donatas.
Esta organização dependente, e respondendo perante o Grão-Mestre e
perante a Casa-Mãe, era reproduzida regionalmente em cada uma das nações
e em cada um dos priorados, onde a vivência dos Hospitalários era regida
por um conjunto de normas, que regulavam não só a conduta dos freires,
mas ainda o funcionamento orgânico da Ordem e a administração e gestão
do seu vasto património. A organização funcional da Ordem estava bem
definida, agrupando-se por áreas de actividade. Na sua acção bélica
contava com o Turcopilier, que comandava a cavalaria ligeira, o
Marechal e o Almirante (depois de 1299). O Hospitalário era o
responsável pela parte assistencial. Os cargos de Tesoureiro e de
Grão-Chanceler estavam directamente relacionados com a gestão e a
administração da Ordem, que contava ainda com o Grão-Bailio, a quem
competia zelar sobre todas as fortalezas. Tradicionalmente cada Língua
tinha a seu cargo uma função, excluindo o cargo de Tesoureiro. Com o
decorrer dos tempos alguns dos cargos de cariz militar desapareceram.
A Ordem era uma poderosa organização supranacional, que foi adaptando as
suas normas às mudanças das conjunturas históricas, mantendo, apesar de
alguns momentos mais críticos, uma forte coesão quer a nível espiritual,
quer a nível material, imprimindo um carácter próprio e inconfundível a
estes freires militares, que representaram, durante séculos, um bastião
da Cristandade no Mediterrâneo Oriental.
Desconhece-se a data precisa da entrada dos Hospitalários no território
que é hoje Portugal, onde encontraram terreno fértil para a sua
actuação. A Ordem tem sido objecto de estudo por vários historiadores,
desde Fr. Lucas de Santa Catharina, Alexandre Herculano, Anastácio de
Figueiredo, Viterbo, Gama Barros, Ruy de Azevedo e, mais recentemente
(no final do séc. XX), como tema de dissertação de Mestrado e
Doutoramento, pela historiadora Paula Pinto Costa. Restam, no entanto,
ainda algumas sombras quanto à cronologia da sua instalação em Portugal,
até porque uma parte importante do seu arquivo, sediado no Convento da
Flor da Rosa, foi destruída pelas tropas espanholas em 1662. Mantêm-se,
por isso, ainda válidas as conclusões do historiador Ruy de Azevedo, que
aponta o ano de 1128 como data provável para a doação do Mosteiro de
Leça aos Hospitalários, que foi a sua primeira sede capitular, doação
esta de D. Teresa, no mesmo ano em que Soure foi concedido, pela mesma
rainha, aos Templários (DMP, Régios., I, ref. 24 e doc. 799).
Nesta primeira fase, a Ordem de São João de Jerusalém não teria ainda
entre nós uma forte organização militar, mas a sua presença tomava
raízes, e, antes de 1132, já adquiria bens imóveis, sob o comando de
Paio Galindes. A importância e a expansão da Ordem são confirmadas pela
carta de couto outorgada por D. Afonso Henriques em 1140 (DMP, Idem.,
doc. 260).
Apesar de estarem ao lado de D. Afonso Henriques na tomada de Santarém e
de Lisboa (1147), tendo sido agraciados com a Igreja de S. João de
Alporão, antiga mesquita de Santarém e, com a Igreja de S. Braz, que
será a cabeça da Comenda de Lisboa, só alguns decénios mais tarde teriam
uma forte organização militar, podendo, assim, estar presentes e
participar nos palcos das lutas da Reconquista e repovoamento do
território em construção. Neste movimento de aproximação à linha de
fronteira com o Islão, terão recebido, no ano de 1174, as vilas da Sertã
e de Pedrógão. Na mesma zona geográfica, junto à bacia do Zêzere, cerca
de 1194, vamos encontrá-los na posse das Comendas de Oleiros e Álvaro,
mas é com a doação feita por D. Sancho I da terra de Guidintesta (1194),
junto à linha do Tejo, que a Ordem nos aparece organizada de forma a
poder desenvolver a sua acção com especial destaque para a defesa e
povoamento deste território recém-conquistados ao infiel. Aí, de acordo
com a doação régia, foi edificado o Castelo de Belver, assim chamado a
pedido do monarca. Depreende-se pelo testamento de D. Sancho I que, no
ano de 1210, o Castelo de Belver seria já uma das principais casas da
Ordem de São João de Jerusalém, rivalizando com Leça, pois aí estava
guardado parte do tesouro real (Brandão,
Fr. António, Monarquia Lusitana, vol. IV, cap. XXXV, p. 61).
As doações régias prosseguiram com D. Sancho II que, em 1232, lhes
outorga extensos domínios na margem esquerda do Tejo, na terra que
recebe então o nome de Crato. Nesse mesmo ano, o Prior do Hospital dá
foral à vila do Crato. Aí fundaram os freires uma casa que será a sua
sede principal em Portugal.
A Ordem do Hospital, durante toda a primeira dinastia, esteve ao lado
dos nossos reis na conquista e povoamento do território, recebendo
muitas terras e privilégios, sem, contudo, igualar as doações concedidas
à &Ordem
do Templo, a sua grande rival. Vários foram os conflitos, motivados pela
posse de alguns senhorios, surgidos entre estas duas ordens, que
vizinhavam nesta área geográfica da linha do Tejo, nas suas duas
margens. Um deles foi aquele sanado após a primeira reunião do Capítulo
Geral em território português, realizado no ano de 1231 na Sertã. Os
Freires Hospitalários apoiaram D. Dinis no cerco e na tomada de
Portalegre e receberam do monarca o padroado de várias igrejas, nas
Dioceses de Lamego, Guarda, Viseu e Braga. Estiveram ao lado de D.
Afonso IV na Batalha do Salado, onde se distinguiram sob a chefia do
então Prior do Crato, D. Álvaro Gonçalves Pereira (pai do futuro Santo
Condestável). No final da Dinastia de Borgonha, na crise de 1383-1385,
Fr. D. Álvaro Gonçalves Camelo, Prior do Crato, tomou o partido de
Castela contra o Mestre de Avis; foi destituído do cargo, tendo nele
sido investido, pelo rei, D. Lourenço Esteves de Goes. D. João I
restabeleceu a obrigação de as ordens fornecerem à Coroa, sempre que
necessário, 200 lanças, das quais 20 eram dos Hospitalários. D. João I,
findo o conflito com Castela, no momento em que dá inicio a um novo
destino para Portugal, toma conselho com um freire hospitalário, ficando
assim a Ordem, apesar da continentalidade do seu património fundiário,
ligada ao primeiro momento dos Descobrimentos portugueses. Com efeito,
um dos estrategas da tomada de Ceuta foi D. Álvaro Gonçalo Camelo, Prior
do Hospital (Zurara, Gomes
Eanes de, Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XVIII, p. 87). Na
crise da regência, depois da morte de D. Duarte, o Prior D. Nuno de Goes
tomou o partido da Rainha D. Leonor, honrando, assim, o compromisso de
obediência e lealdade ao rei, a que eram obrigados os freires
hospitalários. D. Afonso V escolheu para padrinho do seu filho
primogénito – o futuro Príncipe Perfeito – o Prior do Crato, D. Vasco de
Athaide. (Resende, Garcia
de, Crónica de D. João II, cap. II). A Ordem esteve ao lado do
jovem rei nas campanhas africanas, dando, desta maneira, seguimento aos
ideais e destinos que séculos antes haviam traçado: defender a Fé de
Cristo e lutar contra o infiel.
O Priorado de Portugal fazia parte da Língua de Espanha, até ao séc. XV,
quando foi criado o Priorado de Portugal e Castela. Estavam, assim,
integrados os freires “portugueses” numa unidade administrativa
presidida por um Prior, que era, aí, o responsável máximo da Ordem. A
seguir ao Priorado estavam as Bailias, que eram também unidades
administrativas, que remontavam aos primórdios da Ordem, e depois as
Comendas.
O Prior do Hospital, a partir de meados do séc. XIV, no reinado de D.
Afonso IV, aparece designado por Prior do Crato. Possuía jurisdição
cível e crime e era detentor de um vasto património constituído pelas
vilas e castelos de Belver, Crato, Gáfete, Tolosa, Amieira, Sertã,
Pedrógão Pequeno, Álvaro, Oleiros, Proença, bem como várias comendas e
padroados dispersos pelo país. Nomeava, nas terras da Ordem, os juízes,
e o seu ouvidor equiparava-se aos corregedores do rei. Estava no topo da
hierarquia, ao nível do Priorado, mas também ao nível do Reino, e
actuava em harmonia com as normas da Ordem e com as determinações do
Capítulo Provincial, o mais importante órgão colectivo dentro do
Priorado, a que presidia.
Do ponto
de vista territorial, o Priorado subdividia-se em Bailias e Comendas,
sendo umas e outras unidades administrativas. A Comenda era a base da
organização patrimonial e administrativa de cada Priorado, assim
considerada na normativa da Ordem. Cabia a cada Comenda, localmente,
assegurar o bom cumprimento das funções de enquadramento, tanto ao nível
das tarefas religiosas, como das tarefas civis. A Comenda apresentava-se
como um conjunto de bens geridos por um freire professo, o Comendador.
Estas agrupavam-se em quatro categorias: as Comendas Magistrais, que
eram do Prior ou Grão-Prior; as Comendas de Graça, comendas priorais
cedidas pelo titular a um Cavaleiro; as Comendas de Cabimento que cabiam
a um Cavaleiro com base no critério da antiguidade; e as Comendas de
Melhoramento, dadas a Comendadores do Cabimento que prestassem durante
cinco anos prova de capacidade de administração. Os diversos
comendadores exerciam o cargo de acordo com as directrizes da
Instituição, sendo a sua actividade conferida pelas visitações
efectuadas com regularidade. Eram estes Freires Cavaleiros, por
delegação do Prior, a autoridade máxima na Comenda, onde exerciam o seu
cargo rodeados por um certo número de homens de armas.
É difícil estabelecer um quantitativo para as comendas da Ordem, que foi
sendo alterado ao longo dos tempos, por legados pios, compras e vendas,
mas também por trocas, inseridas numa estratégia de gestão tendente à
concentração patrimonial. O Livro dos Herdamentos e doações ao
Mosteiro de Leça, elaborado no séc. XVI, apresenta 31 comendas (Leça,
Chavão, Santa Marta, Távora, Aboim, Faia, Moura Morta, Poiares, Corveia,
Ervões, S. Cristovão, Algoso, Barro, Fontelo, Vila Cova, Trancoso,
Ansemil, Guarda, Covilhã, Oleiros, Sertã, Belver, Coimbra, Santarém,
Lisboa, Marmelar, Moura e Crato), traduzindo a dispersão geográfica da
sua implantação em Portugal.
Paula Pinto Costa, no seu estudo sobre a Ordem de São João do Hospital,
aponta um número de 54 comendas, admitindo, todavia, que as mesmas não
tenham existido todas em simultâneo. Por outro lado, as comendas
apresentavam diferenças significativas entre si, por exemplo, ao nível
da área territorial que abrangiam, ou pela existência, ou não, de um
castelo.
Também em território português, a Ordem contou nas suas fileiras com
elementos femininos. Segundo o Conde de Campo Bello, após a conquista de
Évora, o rei fundou um hospital, com casa e ermida, que doa à Ordem e
será ali o primeiro convento feminino, antes de se fixarem em Estremoz.
Laurent Daillièz aponta a data de 1166, em Évora, para a instituição e
instalação das primeiras religiosas hospitalárias em Portugal. Estas
terão abandonado, definitivamente, Évora em 1175, instalando-se em
Estremoz. Da presença de mulheres hospitalárias, dá-nos também conta
Anastácio de Figueiredo, apontando este estudioso da Ordem a existência,
desde muito cedo, de algumas mulheres em situação de destaque, como por
exemplo uma certa D. Urraca, que terá sido comendadeira de Oliveira do
Hospital. (Figueiredo, José
Anastasio de, Nova História…, II, cap. XXXIV, p. 54).
Apesar de não serem conhecidos relatos, ou crónicas, das façanhas dos
freires “portugueses” de São João de Jerusalém para o período medieval,
a sua acção como guerreiros ou administradores não ficou completamente
esquecida, chegando até nós ainda que de forma indirecta.
Muitos foram os freires portugueses da Ordem do Hospital que se
distinguiram, tanto ao serviço do rei e de Portugal, como em defesa dos
ideais subjacentes à sua fundação. Decorrido menos de um século após a
sua instituição oficial, foi eleito para o cargo do Grão-Mestre, o 12.º
da Ordem, um Infante de Portugal, D. Afonso, filho bastardo do primeiro
rei português. Não foi longa, porém, a sua permanência no cargo.
Resignou após três anos e regressou à sua comenda de Alporão (Santarém)
onde foi sepultado. Apesar da curta passagem pelo cargo, sob o seu
comando foram promulgados os Estatutos da Ordem que estabeleceram quatro
categorias para os seus membros. Da extensa lista dos priores de
Portugal, alguns se podem destacar pelo seu desempenho no campo militar
ou na administração dos bens da Congregação, ou ainda pela sua acção de
conselheiros e embaixadores do rei. Entre eles refira-se D. Afonso Pais,
que recebeu das mãos de D. Sancho I a terra de Guidintesta; e D. Mendo
Gonçalves, que foi testamenteiro, ainda na qualidade de Comendador, do
primeiro testamento de D. Sancho I. Foi Fr. Mendo Gonçalves, já Prior,
que tomou a iniciativa de convocar o primeiro Capítulo Geral realizado
em Portugal, na Comenda da Sertã, que, no dizer de Laurent Daillièz,
representaria já o espírito independentista da Ordem de São João de
Jerusalém em terras portuguesas. Na verdade, aos monarcas medievais
interessava tornar as Ordens Militares, implantadas em Portugal,
independentes da administração da Casa-Mãe, sediada no estrangeiro. D.
Afonso Peres Farinha, Prior do Hospital e Grande Valido de D. Afonso III,
ficou ligado aos territórios alentejanos de Moura e Serpa. Manteve-se ao
lado do seu rei até mesmo durante os momentos mais agudos que marcaram o
conflito entre o bolonhês e o clero episcopal. Podemos também citar D.
Estêvão Vasques Pimentel, Comendador de Leça, que mandou erigir a Igreja
de Leça, onde D. Fernando terá desposado D. Leonor Telles. Na batalha do
Salado distinguiram-se os Hospitalários, sob o comando de D. Álvaro
Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira, que mandou edificar
os Castelos de Amieira e da Flor da Rosa. Mas, sem dúvida, o mais famoso
foi D. António, Prior do Crato, pretendente ao trono de Portugal, quando
a Ordem era já de &Malta.
A
Ordem, entre nós, manteve-se independente. Não recebeu os bens dos
&Templários,
como pretendia o papa, que habilmente D. Dinis fez transferir para a
&Ordem
de Cristo, então criada (1319). A Ordem do Hospital também não foi
incorporada na Coroa, em 1551, com as Ordens de
&Avis,
&Cristo
e &Santiago,
apesar de a dignidade de Prior do Crato ser atribuída aos Infantes D.
Luís, filho de D. Manuel I, e, mais tarde, a seu filho D. António,
mantendo, assim, um carácter singular e o epíteto de “Soberana”, que lhe
será atribuído quando for designada de
&Malta.
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