REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 03

 

Em meados do séc. XI (1048) um grupo de comerciantes oriundos de Amalfi (Itália), que mantinha boas relações comerciais com o Próximo Oriente, foi autorizado a fundar, na cidade de Jerusalém, uma casa religiosa para dar resposta às necessidades de assistência que enfrentavam os fiéis em peregrinação à Terra Santa. A comunidade caritativa foi instituída sob a Regra de S. Bento e dependência do Mosteiro de S.ta Maria Latina. O seu crescimento foi muito rápido e, em breve, o espaço era demasiado pequeno para a multidão de peregrinos, armados de grande fé, mas com poucos meios materiais que, por espírito de penitência, faziam a longa viagem a pé e chegavam ao destino esgotados pelo cansaço, fomes e febres. Foi, por isso, edificado um novo hospital, com capela própria, dedicado a S. João Baptista.

Após a tomada de Jerusalém pelos Cruzados (1099), a comunidade ganha novos elementos e o hospital recebe generosas doações de várias pessoas. Entre estas doações contam-se as de Godofredo de Bulhão, as quais lhe permitiam assegurar a sua existência e desligar-se de S.ta Maria. Assume a sua autonomia formando uma congregação especial, sob a protecção de S. João Baptista. Coube a Gerardo, um leigo, que alguns historiadores dizem ser de Martigues (Provença), a iniciativa de criar este Instituto, fazendo profissão de fé e adoptando o hábito negro, sobre o qual é colocada a cruz branca de oito pontas, símbolo dos Hospitalários. O Papa Pascoal II, na Bula de aprovação de 1113, chama Institutor ao futuro Beato Gerardo. Aprovada pelo sumo pontífice, a nova Congregação recebe Regra própria, constituída por 19 capítulos, inspirada na Regra de S.to Agostinho. O papa, desde logo, beneficiou a nova Congregação, favorecendo a sua autonomia mediante a concessão de privilégios e isenções, bem como pela confirmação de todas as doações recebidas até então.

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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A ORDEM DO HOSPITAL

Gisela Pinto &

Maria Graça Vicente

In: «DICIONÁRIO HISTÓRICO DAS ORDENS E INSTITUIÇÕES AFINS EM PORTUGAL»
Dir. José Augusto Mourão, José Eduardo Franco e Cristina Costa Gomes
Em parceria com o Instituto São Tomás de Aquino, a revista Brotéria e a Editora Gradiva, e com o apoio especial de Sua Exª o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio

A SAIR NA EDITORA GRADIVA

   
 
 
 
 
 
 

           No ano de 1120, Raimundo de Puy, o primeiro a intitular-se Mestre da Ordem, sucessor de Gerardo, traçou um novo destino a esta comunidade, acrescentando aos compromissos assistenciais o serviço militar, primeiro para proteger os peregrinos dos ataques dos sarracenos e bandos armados e depois para defender, pelas armas, os lugares santos e dar apoio aos Cruzados. Dá resposta, assim, aos anseios da sociedade do seu tempo: uma sociedade bélica, mas imbuída de religiosidade. Cria, sob o estandarte da Fé de Cristo, uma instituição religioso-militar, síntese do sentir e dos ideais dos homens de então: a prática da caridade e a defesa da Fé. A luta em nome de Cristo é um ideal que justifica a guerra, que assim é justa, de acordo com o pensamento de S.to Agostinho.

          Fundada em Jerusalém, a Ordem de São João do Hospital conheceu, ao longo dos séculos, mercê da sorte das armas na luta entre a Fé de Cristo e a Fé de Maomé, vários locais onde instalou a sua Casa-Mãe. Primeiro Jerusalém, depois Margat, S. João de Acre (1206-1290), Chipre (1290-1309), Rodes (1309-1310), onde adquiriu uma feição “insular”, no dizer de Fr. Lucas de Santa Catharina, e se manteve até 1522, quando a ilha foi tomada pelos turcos. Finalmente, instituíram-se na ilha de Malta.

            Esta é, em síntese, a origem da Ordem dos Hospitalários, ou de São João de Jerusalém, de Rodes ou ainda designada de &Malta, a partir de 1530, quando os freires, como referimos, se instalaram na ilha assim chamada, que lhes foi doada pelo Imperador Carlos V.

          A Ordem cresceu em poderio económico e militar, bem como em número de casas espalhadas por toda a Cristandade. As generosas doações de particulares e monarcas, bem como o apoio do papa, de que beneficiam, aliadas a uma organização e gestão centralizada e rigorosa, fazem dos Hospitalários uma força religiosa e militar poderosa e actuante, tanto na defesa dos lugares santos, como na defesa e assistência aos enfermos e peregrinos nos caminhos de peregrinação, à Terra Santa ou a Santiago de Compostela.

          Pela divisão em circunscrições territoriais, designadas por Línguas ou Nações (como as comunidades de estudantes) e graças a uma rígida administração, assim como a uma hierarquia bem estruturada, a grande dispersão geográfica é centralizada e munida de vários mecanismos de controlo, contribuindo todos para o Comum Tesouro, um factor determinante para o seu sucesso.

        A Ordem estava organizada em sete (mais tarde oito) circunscrições territoriais e administrativas: Provença, Auvergne, França, Itália, Espanha, que englobava Aragão, Navarra e Catalunha e, a partir de 1462, Castela, que incorporava o Priorado de Portugal, Alemanha e Inglaterra, cada uma delas composta por um ou vários priorados.

        Os Hospitalários, constituindo um todo, em que todos professavam os três votos religiosos de obediência, castidade e pobreza, com uma acção preponderante no domínio da assistência e defesa da Fé de Cristo, constituíam-se em: Freires Cavaleiros, elementos de escol recrutados na nobreza, que podiam ser Comendadores, Bailios e Priores; os Capelães Conventuais, religiosos de ordens sacras, e os Serventes de Armas ou Sargentos. Cada freire, qualquer que fosse o convento e qualquer que fosse a língua, sabia sempre qual o seu lugar na hierarquia e qual a função que lhe cabia.

         A pirâmide hierárquica tinha no topo o Grão-Mestre da Ordem, que dependia espiritualmente (ele e a Ordem) do Sumo Pontífice. Tinha por função presidir à Ordem, tanto a nível religioso como militar. A figura do Grão-Mestre passou a ter dignidade militar por regulamento do Grão-Mestre Hugo de Revel (1258-1277). Intervinha na administração dos vários priorados, exercendo a sua autoridade ao nível da atribuição e destituição dos cargos. Detinha também prerrogativas no plano judicial, além de presidir ao Capítulo Geral, que era a suprema instância judicial dentro da Ordem. A sucessão do Grão-Mestre à frente da Ordem estava assegurada por eleição interna, que obedecia a um cerimonial complexo iniciado pela convocação do Conselho Completo, e era feita a título vitalício. Era coadjuvado na sua acção governativa por vários órgãos colegiais: o Conselho (ordinário e completo), o Convento e o Capítulo Geral, o seu órgão legislador. Na reunião magna da Ordem, o Capítulo Geral, participavam elementos de todas as línguas que a compunham. Era nesta magna assembleia que era nomeado o seu Procurador-Geral, que tinha assento na cúria romana. O Capítulo Prioral ou Provincial, de realização anual, era outro dos órgãos colectivos deste Instituto, que contava com uma estrutura hierárquica complexa e de cariz funcional.

            Entre os freires cavaleiros eram recrutadas as chefias militares e de governo. Em segundo plano estavam todos os homens dos ofícios que, dado o carácter e a actuação dos Hospitalários, abrangia um leque amplo e variado. Finalmente, estavam todos os homens leigos, que serviam a Ordem, nomeadamente nos trabalhos agrícolas.

         A admissão no seio da Ordem estava regulamentada com várias cláusulas, tendo sofrido algumas alterações ao longo dos séculos. Segundo as normas estabelecidas no magistério do Grão-Mestre Hugo de Revel, só podiam professar na Ordem os filhos de legítimo matrimónio, exceptuando se fossem filhos de senhores de grandes títulos. Impunha um cerimonial codificado e muito simbólico, porém, menos solene para os freires serventes. O candidato apresentava-se vestido com o hábito longo e com um círio aceso. Ajoelhando-se diante do altar, assistia à missa, comungava e, só então, o professante pedia para ser aceite na Congregação. Recebia então a capa e a cruz, colocada sobre o lado esquerdo do peito, e era-lhe apertado o cordão do manto, simbolizando o jugo do Senhor. Todos os freires eram, sem excepção, obrigados a usar o hábito, simples e despojado, de acordo com os votos de pobreza que professavam; contudo, ao longo dos tempos, foram admitidas algumas diferenças. Por exemplo, a partir do séc. XIII, os freires deviam usar uma sobrevista vermelha, no exercício das armas. No séc. XV, o Grão-Mestre Pedro Raimundo Zacosta permitiu o uso de uma vestimenta mais curta aos freires que estivessem ao serviço nas galés e nas guardas e sentinelas dos castelos da Ordem. A cor dos Hospitalários era o negro, mas também o cinzento foi autorizado. Todos os freires seriam sepultados com o seu manto.

          A Ordem de São João de Jerusalém admitia também donatos, pessoas leigas que ofereciam os seus bens à Ordem, participando assim nos benefícios espirituais que esta proporcionava. Também estes teriam que obedecer a um ritual de admissão.

           A Ordem do Hospital integrava também nas suas fileiras mulheres. Em 1104 uma mulher fundou, em Jerusalém, um hospício, anexo ao hospital da Ordem, para receber mulheres devotas à Fé de Cristo. Hugo de Revel concedeu poder aos vários priores para receberem mulheres de honesta vida. Mais tarde, já no séc. XVI, de acordo com directrizes do Grão-Mestre Claudio de la Sengle, as Hospitalárias teriam que morar em mosteiros. (Santa Catharina, Fr. Lucas de, Malta Portugueza…, I, I, cap. IV, p. 127). O recrutamento dos elementos femininos obedecia a critérios particulares de cada casa. Vestiam hábito vermelho sobre o qual era colocada, também no lado esquerdo, a cruz branca de oito pontas. Depois da perda de Rodes, as irmãs passaram a ser chamadas de &Maltesas e a usar vestido preto. Tal como no ramo masculino, as Hospitalárias estavam divididas em diversos grupos: Professas, Conversas e Donatas.

          Esta organização dependente, e respondendo perante o Grão-Mestre e perante a Casa-Mãe, era reproduzida regionalmente em cada uma das nações e em cada um dos priorados, onde a vivência dos Hospitalários era regida por um conjunto de normas, que regulavam não só a conduta dos freires, mas ainda o funcionamento orgânico da Ordem e a administração e gestão do seu vasto património. A organização funcional da Ordem estava bem definida, agrupando-se por áreas de actividade. Na sua acção bélica contava com o Turcopilier, que comandava a cavalaria ligeira, o Marechal e o Almirante (depois de 1299). O Hospitalário era o responsável pela parte assistencial. Os cargos de Tesoureiro e de Grão-Chanceler estavam directamente relacionados com a gestão e a administração da Ordem, que contava ainda com o Grão-Bailio, a quem competia zelar sobre todas as fortalezas. Tradicionalmente cada Língua tinha a seu cargo uma função, excluindo o cargo de Tesoureiro. Com o decorrer dos tempos alguns dos cargos de cariz militar desapareceram.

        A Ordem era uma poderosa organização supranacional, que foi adaptando as suas normas às mudanças das conjunturas históricas, mantendo, apesar de alguns momentos mais críticos, uma forte coesão quer a nível espiritual, quer a nível material, imprimindo um carácter próprio e inconfundível a estes freires militares, que representaram, durante séculos, um bastião da Cristandade no Mediterrâneo Oriental.

        Desconhece-se a data precisa da entrada dos Hospitalários no território que é hoje Portugal, onde encontraram terreno fértil para a sua actuação. A Ordem tem sido objecto de estudo por vários historiadores, desde Fr. Lucas de Santa Catharina, Alexandre Herculano, Anastácio de Figueiredo, Viterbo, Gama Barros, Ruy de Azevedo e, mais recentemente (no final do séc. XX), como tema de dissertação de Mestrado e Doutoramento, pela historiadora Paula Pinto Costa. Restam, no entanto, ainda algumas sombras quanto à cronologia da sua instalação em Portugal, até porque uma parte importante do seu arquivo, sediado no Convento da Flor da Rosa, foi destruída pelas tropas espanholas em 1662. Mantêm-se, por isso, ainda válidas as conclusões do historiador Ruy de Azevedo, que aponta o ano de 1128 como data provável para a doação do Mosteiro de Leça aos Hospitalários, que foi a sua primeira sede capitular, doação esta de D. Teresa, no mesmo ano em que Soure foi concedido, pela mesma rainha, aos Templários (DMP, Régios., I, ref. 24 e doc. 799). Nesta primeira fase, a Ordem de São João de Jerusalém não teria ainda entre nós uma forte organização militar, mas a sua presença tomava raízes, e, antes de 1132, já adquiria bens imóveis, sob o comando de Paio Galindes. A importância e a expansão da Ordem são confirmadas pela carta de couto outorgada por D. Afonso Henriques em 1140 (DMP, Idem., doc. 260).

        Apesar de estarem ao lado de D. Afonso Henriques na tomada de Santarém e de Lisboa (1147), tendo sido agraciados com a Igreja de S. João de Alporão, antiga mesquita de Santarém e, com a Igreja de S. Braz, que será a cabeça da Comenda de Lisboa, só alguns decénios mais tarde teriam uma forte organização militar, podendo, assim, estar presentes e participar nos palcos das lutas da Reconquista e repovoamento do território em construção. Neste movimento de aproximação à linha de fronteira com o Islão, terão recebido, no ano de 1174, as vilas da Sertã e de Pedrógão. Na mesma zona geográfica, junto à bacia do Zêzere, cerca de 1194, vamos encontrá-los na posse das Comendas de Oleiros e Álvaro, mas é com a doação feita por D. Sancho I da terra de Guidintesta (1194), junto à linha do Tejo, que a Ordem nos aparece organizada de forma a poder desenvolver a sua acção com especial destaque para a defesa e povoamento deste território recém-conquistados ao infiel. Aí, de acordo com a doação régia, foi edificado o Castelo de Belver, assim chamado a pedido do monarca. Depreende-se pelo testamento de D. Sancho I que, no ano de 1210, o Castelo de Belver seria já uma das principais casas da Ordem de São João de Jerusalém, rivalizando com Leça, pois aí estava guardado parte do tesouro real (Brandão, Fr. António, Monarquia Lusitana, vol. IV, cap. XXXV, p. 61).

           As doações régias prosseguiram com D. Sancho II que, em 1232, lhes outorga extensos domínios na margem esquerda do Tejo, na terra que recebe então o nome de Crato. Nesse mesmo ano, o Prior do Hospital dá foral à vila do Crato. Aí fundaram os freires uma casa que será a sua sede principal em Portugal.

           A Ordem do Hospital, durante toda a primeira dinastia, esteve ao lado dos nossos reis na conquista e povoamento do território, recebendo muitas terras e privilégios, sem, contudo, igualar as doações concedidas à &Ordem do Templo, a sua grande rival. Vários foram os conflitos, motivados pela posse de alguns senhorios, surgidos entre estas duas ordens, que vizinhavam nesta área geográfica da linha do Tejo, nas suas duas margens. Um deles foi aquele sanado após a primeira reunião do Capítulo Geral em território português, realizado no ano de 1231 na Sertã. Os Freires Hospitalários apoiaram D. Dinis no cerco e na tomada de Portalegre e receberam do monarca o padroado de várias igrejas, nas Dioceses de Lamego, Guarda, Viseu e Braga. Estiveram ao lado de D. Afonso IV na Batalha do Salado, onde se distinguiram sob a chefia do então Prior do Crato, D. Álvaro Gonçalves Pereira (pai do futuro Santo Condestável). No final da Dinastia de Borgonha, na crise de 1383-1385, Fr. D. Álvaro Gonçalves Camelo, Prior do Crato, tomou o partido de Castela contra o Mestre de Avis; foi destituído do cargo, tendo nele sido investido, pelo rei, D. Lourenço Esteves de Goes. D. João I restabeleceu a obrigação de as ordens fornecerem à Coroa, sempre que necessário, 200 lanças, das quais 20 eram dos Hospitalários. D. João I, findo o conflito com Castela, no momento em que dá inicio a um novo destino para Portugal, toma conselho com um freire hospitalário, ficando assim a Ordem, apesar da continentalidade do seu património fundiário, ligada ao primeiro momento dos Descobrimentos portugueses. Com efeito, um dos estrategas da tomada de Ceuta foi D. Álvaro Gonçalo Camelo, Prior do Hospital (Zurara, Gomes Eanes de, Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XVIII, p. 87). Na crise da regência, depois da morte de D. Duarte, o Prior D. Nuno de Goes tomou o partido da Rainha D. Leonor, honrando, assim, o compromisso de obediência e lealdade ao rei, a que eram obrigados os freires hospitalários. D. Afonso V escolheu para padrinho do seu filho primogénito – o futuro Príncipe Perfeito – o Prior do Crato, D. Vasco de Athaide. (Resende, Garcia de, Crónica de D. João II, cap. II). A Ordem esteve ao lado do jovem rei nas campanhas africanas, dando, desta maneira, seguimento aos ideais e destinos que séculos antes haviam traçado: defender a Fé de Cristo e lutar contra o infiel.

         O Priorado de Portugal fazia parte da Língua de Espanha, até ao séc. XV, quando foi criado o Priorado de Portugal e Castela. Estavam, assim, integrados os freires “portugueses” numa unidade administrativa presidida por um Prior, que era, aí, o responsável máximo da Ordem. A seguir ao Priorado estavam as Bailias, que eram também unidades administrativas, que remontavam aos primórdios da Ordem, e depois as Comendas.

        O Prior do Hospital, a partir de meados do séc. XIV, no reinado de D. Afonso IV, aparece designado por Prior do Crato. Possuía jurisdição cível e crime e era detentor de um vasto património constituído pelas vilas e castelos de Belver, Crato, Gáfete, Tolosa, Amieira, Sertã, Pedrógão Pequeno, Álvaro, Oleiros, Proença, bem como várias comendas e padroados dispersos pelo país. Nomeava, nas terras da Ordem, os juízes, e o seu ouvidor equiparava-se aos corregedores do rei. Estava no topo da hierarquia, ao nível do Priorado, mas também ao nível do Reino, e actuava em harmonia com as normas da Ordem e com as determinações do Capítulo Provincial, o mais importante órgão colectivo dentro do Priorado, a que presidia.

      Do ponto de vista territorial, o Priorado subdividia-se em Bailias e Comendas, sendo umas e outras unidades administrativas. A Comenda era a base da organização patrimonial e administrativa de cada Priorado, assim considerada na normativa da Ordem. Cabia a cada Comenda, localmente, assegurar o bom cumprimento das funções de enquadramento, tanto ao nível das tarefas religiosas, como das tarefas civis. A Comenda apresentava-se como um conjunto de bens geridos por um freire professo, o Comendador. Estas agrupavam-se em quatro categorias: as Comendas Magistrais, que eram do Prior ou Grão-Prior; as Comendas de Graça, comendas priorais cedidas pelo titular a um Cavaleiro; as Comendas de Cabimento que cabiam a um Cavaleiro com base no critério da antiguidade; e as Comendas de Melhoramento, dadas a Comendadores do Cabimento que prestassem durante cinco anos prova de capacidade de administração. Os diversos comendadores exerciam o cargo de acordo com as directrizes da Instituição, sendo a sua actividade conferida pelas visitações efectuadas com regularidade. Eram estes Freires Cavaleiros, por delegação do Prior, a autoridade máxima na Comenda, onde exerciam o seu cargo rodeados por um certo número de homens de armas.

         É difícil estabelecer um quantitativo para as comendas da Ordem, que foi sendo alterado ao longo dos tempos, por legados pios, compras e vendas, mas também por trocas, inseridas numa estratégia de gestão tendente à concentração patrimonial. O Livro dos Herdamentos e doações ao Mosteiro de Leça, elaborado no séc. XVI, apresenta 31 comendas (Leça, Chavão, Santa Marta, Távora, Aboim, Faia, Moura Morta, Poiares, Corveia, Ervões, S. Cristovão, Algoso, Barro, Fontelo, Vila Cova, Trancoso, Ansemil, Guarda, Covilhã, Oleiros, Sertã, Belver, Coimbra, Santarém, Lisboa, Marmelar, Moura e Crato), traduzindo a dispersão geográfica da sua implantação em Portugal.

       Paula Pinto Costa, no seu estudo sobre a Ordem de São João do Hospital, aponta um número de 54 comendas, admitindo, todavia, que as mesmas não tenham existido todas em simultâneo. Por outro lado, as comendas apresentavam diferenças significativas entre si, por exemplo, ao nível da área territorial que abrangiam, ou pela existência, ou não, de um castelo.

        Também em território português, a Ordem contou nas suas fileiras com elementos femininos. Segundo o Conde de Campo Bello, após a conquista de Évora, o rei fundou um hospital, com casa e ermida, que doa à Ordem e será ali o primeiro convento feminino, antes de se fixarem em Estremoz. Laurent Daillièz aponta a data de 1166, em Évora, para a instituição e instalação das primeiras religiosas hospitalárias em Portugal. Estas terão abandonado, definitivamente, Évora em 1175, instalando-se em Estremoz. Da presença de mulheres hospitalárias, dá-nos também conta Anastácio de Figueiredo, apontando este estudioso da Ordem a existência, desde muito cedo, de algumas mulheres em situação de destaque, como por exemplo uma certa D. Urraca, que terá sido comendadeira de Oliveira do Hospital. (Figueiredo, José Anastasio de, Nova História…, II, cap. XXXIV, p. 54).

        Apesar de não serem conhecidos relatos, ou crónicas, das façanhas dos freires “portugueses” de São João de Jerusalém para o período medieval, a sua acção como guerreiros ou administradores não ficou completamente esquecida, chegando até nós ainda que de forma indirecta.

       Muitos foram os freires portugueses da Ordem do Hospital que se distinguiram, tanto ao serviço do rei e de Portugal, como em defesa dos ideais subjacentes à sua fundação. Decorrido menos de um século após a sua instituição oficial, foi eleito para o cargo do Grão-Mestre, o 12.º da Ordem, um Infante de Portugal, D. Afonso, filho bastardo do primeiro rei português. Não foi longa, porém, a sua permanência no cargo. Resignou após três anos e regressou à sua comenda de Alporão (Santarém) onde foi sepultado. Apesar da curta passagem pelo cargo, sob o seu comando foram promulgados os Estatutos da Ordem que estabeleceram quatro categorias para os seus membros. Da extensa lista dos priores de Portugal, alguns se podem destacar pelo seu desempenho no campo militar ou na administração dos bens da Congregação, ou ainda pela sua acção de conselheiros e embaixadores do rei. Entre eles refira-se D. Afonso Pais, que recebeu das mãos de D. Sancho I a terra de Guidintesta; e D. Mendo Gonçalves, que foi testamenteiro, ainda na qualidade de Comendador, do primeiro testamento de D. Sancho I. Foi Fr. Mendo Gonçalves, já Prior, que tomou a iniciativa de convocar o primeiro Capítulo Geral realizado em Portugal, na Comenda da Sertã, que, no dizer de Laurent Daillièz, representaria já o espírito independentista da Ordem de São João de Jerusalém em terras portuguesas. Na verdade, aos monarcas medievais interessava tornar as Ordens Militares, implantadas em Portugal, independentes da administração da Casa-Mãe, sediada no estrangeiro. D. Afonso Peres Farinha, Prior do Hospital e Grande Valido de D. Afonso III, ficou ligado aos territórios alentejanos de Moura e Serpa. Manteve-se ao lado do seu rei até mesmo durante os momentos mais agudos que marcaram o conflito entre o bolonhês e o clero episcopal. Podemos também citar D. Estêvão Vasques Pimentel, Comendador de Leça, que mandou erigir a Igreja de Leça, onde D. Fernando terá desposado D. Leonor Telles. Na batalha do Salado distinguiram-se os Hospitalários, sob o comando de D. Álvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira, que mandou edificar os Castelos de Amieira e da Flor da Rosa. Mas, sem dúvida, o mais famoso foi D. António, Prior do Crato, pretendente ao trono de Portugal, quando a Ordem era já de &Malta.

       A Ordem, entre nós, manteve-se independente. Não recebeu os bens dos &Templários, como pretendia o papa, que habilmente D. Dinis fez transferir para a &Ordem de Cristo, então criada (1319). A Ordem do Hospital também não foi incorporada na Coroa, em 1551, com as Ordens de &Avis, &Cristo e &Santiago, apesar de a dignidade de Prior do Crato ser atribuída aos Infantes D. Luís, filho de D. Manuel I, e, mais tarde, a seu filho D. António, mantendo, assim, um carácter singular e o epíteto de “Soberana”, que lhe será atribuído quando for designada de &Malta.  

 

 

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Gisela Pinto
Maria Graça Vicente
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

 

 

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