REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 03

 

Que exista Bandeira, tudo bem. Drummond, idem. Nada contra Ferreira Gullar. Mas nem só de Castro Alves, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto, vive a nossa poesia. É fundamental que se acorde para as demais vozes de nossa literatura. Isso de ficar iconizando este ou aquele artista mais parece coisa de futebol : Zico é melhor do que Pelé que era melhor do que Garrincha etc etc etc. A cultura do the Best entranhada em nossas veias. Por isso proponho aqui outro nome, outra voz, outra escrita, enfim, outra lembrança: Dante Milano (1889-1991). Sem rótulos, arriscaria dizer: do melhor modernismo e praticamente  inclassificável. Adeus vestibulares do Brasil. Leiamos:
 
AO   TEMPO

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida
 
A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando
 
Tempo, vais para diante ou para trás?

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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Luis Estrela de Matos

DANTE MILANO:

UM SALMO PARA UM TOURO ESQUECIDO

 

                                                                 Luís Estrela de Matos

 
 
 
 
 
 
 

Não sei o que o tempo pode nos fazer, mas sei que pode nos emburrecer. E sei que Dante Milano é força atemporal. Graciliano Ramos? Mário de Andrade? Jorge Amado? São todos bons. Quem os negaria? O assunto é outro. Estamos em outra pista. Sigamos. Permita-se:
 
Paragem



Com os meus bois,
Os meus bois que mugem e comem o chão,
Os meus bois parados,
De olhos parados,
Chorando,
Olhando...
O boi da minha solidão,
O boi da minha tristeza,
O boi do meu cansaço,
O boi da minha humilhação.
E esta calma, esta canga, esta obediência.
 

 

Ado Malagoli, "O gato"

 

Menos obediência aos manuais literários e ao material indicado pelos pequenos cantinhos de jornal que um dia chamou-se crítica literária. Livrar-se dos 10 melhores isto, 100 melhores daquilo... Menos veja e isto é e mais pesquisa, descoberta individual. Aventura. Aventure-se. Livrar-se da canga é coisa necessária. Um touro é mais do que fundamental. As arenas? Escolha as invisíveis... Um touro nunca se  esquece de seus salmos. Segue um último poema  do poeta:

 

 

SALMO PERDIDO
 
Creio num deus moderno,
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.
 
Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.
 
O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.
 
Cidades vertiginosas, edifícios a pique,
Torres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.
 
 
Dante Milano é um bom começo. Reconheça-se. As arenas estão aí. Olhe bem no dentro dos olhos de um touro. Tauromaquie-se.

 

  Luis Estrela de Matos (Brasil)
Ensaísta, escritor e  professor universitário.
estrematos@yahoo.com.br
 

 

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