Mas, para percebermos qualquer
coisa é necessário existir o impulso da descoberta,
sem o qual não há o maravilhamento.
Como não lembrar Sócrates ao
defender que a base da filosofia é o maravilhamento?
Essa é a natureza primeira da criança, da invenção e
da estética.
Assim, abhisamaya, ou iluminação,
significa na sua essência exercício do impulso
criativo.
Joseph Beuys percebeu que era
isso o que acontecia.
Resgatou na religião dois
elementos que revelariam a sua arte. Dois elementos
formadores da própria ideia de religião – a antiga
matriz Latina religare e a posterior expressão
medieval relegere. Daquela, Beuys resgatou da
Natureza, enquanto processo, a ideia de ilusão na
percepção – palavra que surge do Latim ludus, e que
significa etimologicamente contra jogo – mas também
a ideia de impulso criativo.
É aqui que surge o conceito de
Natureza ao nível antropológico. Uma volta pelo
avesso através da própria cultura.
Com a segunda expressão Latina,
relegere, Beuys se lançou ao método, ao exercício do
fazer, da acção.
Um percurso que ilumina a
natureza daquilo a que chamamos de arte, no final do
segundo milénio.
A ilusão, o contra jogo, a
crítica da cultura, estabelecida pelo maravilhamento
da descoberta.
A obra de Beuys ultrapassa em
muito a ideia de objecto, de evento fechado no tempo
e no espaço.
Ela opera o processo enquanto uma
complexa trama de relações.
Assim, ela se desmaterializa –
mas, ultrapassando o nível da arte conceptual.
Não se trata de uma obra
literária, no sentido de se estabelecer no universo
simbólico, um universo de conteúdos, de símbolos.
Ela implica uma diferente
estratégia de organização das coisas.
Ilusão e iluminação,
maravilhamento e exercício do impulso criativo,
relegere e religare.
E, como não pode estar presa no
tempo e no espaço, ela já não pode ser mais
exclusivamente Joseph Beuys, mas é um pouco de todos
nós.
Toda essa viagem de pensamento –
e todas essas ideias – poderia ser aplicada a
qualquer grande artista Ocidental, de qualquer
época, em qualquer lugar.
Por isso, trata-se de uma questão
antropológica segundo a qual o impulso criativo
nunca poderia ser propriedade exclusiva de alguém.
Tal como acontece com a música,
pois os sons, como as ideias, não podem ser
guardadas num cofre.
Beuys, como John Cage, como Satie
ou como Merce Cunningham entre muitos outros,
aproximaram arte e música, no caminho da iluminação.
Num antigo koan do século XII,
Tai-Hui questionava apontando para uma pequena
vareta de bambú: “Se alguém disser que isto é uma
vareta, será uma afirmação. Se se disser que não é
uma vareta, será uma negação. Além da afirmação e da
negação, como poderíamos chamar a isto?”.
Maya! |