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Maio é o mês das flores (maias), é o mês de Maria (da
feminidade), o mês do povo. Maria, tal como a natureza em Maio, assume as
mais diversas expressões. As diferentes devoções a Maria são, também elas,
manifestações da multiplicidade da realidade e das imagens da alma humana. A
natureza feminina manifesta-se em Fátima, a 13 de Maio de 1917. A região de
Fátima já era, antigamente, um lugar alto a nível de forças telúricas; com
as aparições da cova da Iria torna-se também num altar da espiritualidade
feminina.
Maria insurge-se contra a guerra e contra os extravios da Rússia. O Povo
Português, tal como nos séculos XIV e XV, recorda-se da sua missão histórica
de dar “novos mundos ao mundo” nos descobrimentos, e redescobre-se, pela voz
de três pastorinhos, na missão de levar a Rússia ao bom caminho, através da
oração. Este foi um ponto alto da consciência nacional portuguesa. Num
momento em que a Portugal se alienava de si mesmo com guerrilhas ideológicas
e as nações se encontravam em guerra, consegue iniciar um movimento com
repercussões mundiais na luta contra o comunismo de carácter estalinista e
marxista.
Maria, tal como a alma humana, tem mil rostos.
Expressa-se como mãe, rainha, virgem, auxiliadora, a Senhora de Lurdes, de
Fátima, etc. Nela se manifesta também a nossa geografia espiritual, o nosso
ser de paisagem no tempo e no espaço. Em Maria se expressa a escrituras e a
tradição, a espiritualidade e a teologia, o rito e o folclore. Nela, tal
como em Cristo, encontra-se o ser humano completo. |
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A teologia feminista procura ver nela sobretudo a
dimensão humana (1). Maria é a mulher expropriada. Ao pôr-se na
disponibilidade do acto criador, Maria, e com ela a mulher, é libertada
das correntes que a submetem ao homem e à sociedade. Na sua disposição e
abertura ao espírito ela torna-se o protótipo da criação, da arte – o
dar à luz em si. Torna-se a imagem de todo o artista cujo programa se
realiza no Magnificat. Nele se revela o segredo do processo de
expropriação, o programa para todo o homem e mulher na integração da
polaridade, superando assim a exploração e o domínio sobre o outro.
Um pensar caracteristicamente masculino, o racionalismo exacerbado, não
entende os meandros duma realidade, toda ela, formada na/da
complementaridade. Por isso, nos seus excessos repudia Maria, repudia a
religião, que são a força e o símbolo da realidade feminina na
humanidade e no universo. O povo, com as suas exigências integrais, é um
factor correctivo da história do pensamento humano demasiado elitista e
selectivo, e pelo facto, não integrador.
Na teologia feminista Maria, como todos os símbolos religiosos, pode ser
vista das mais variadas perspectivas. Maria é ao mesmo tempo submissa e
insubordinada. O movimento emancipador das mulheres procura em Maria
marcas em que se apoie. Muitas vêem nos evangélicos, na sua acentuação
só em Cristo, a esconjuração dos restos da feminidade na religião.
O feminismo radical, de carácter mais masculino, numa estratégia
polarizante, procura conquistar terreno vendo em Maria a deusa das
origens. Independentemente dos abusos masculinos, na interpretação do
divino, deve recordar-se que o Cristianismo original não é de conotação
sexual nem se deixa reduzir a interpretações, a perspectivas e maneiras
de ver próprias do tempo. Estas dependem do desenvolvimento da
consciência humana e do espírito correspondente a cada época, dando às
interpretações uma certa relatividade. Fé mais que um credo é uma
vivência, uma mística e só assim universal na sua integralidade.
Os Tempos estão maduros para se compreender o Significado de Maria, a
Mitigação do Machismo histórico.
A História profana, e em parte a história religiosa, tem sido uma
história masculina, uma história de machos. Com o irromper dos novos
tempos, do século XXI vai sendo tempo de integrar na sua feitura
histórica o pólo feminino da humanidade.
Os tempos vão estando maduros para compreender o significado de Maria.
Muitas das imagens de Maria são pré-cristãs. Maria cristianiza as deusas
pagãs e assume as suas residências num processo espácio-temporal
evolutivo. Nela se reúnem todas as metáforas femininas e se encontra a
abertura do limiar do tempo novo. Ela é a Deusa secreta do Cristianismo
e um apelo à Humanidade para reconhecer a complementaridade da vida. As
suas aparições expressam também o grande poder da realidade do
inconsciente individual e colectivo.
Também o peregrino, no seu caminhar, se sente como parte dum todo; o
povo, a natureza respondem ao chamamento interior. Também por isso, será
inútil muito do esforço de padres na tentativa de racionalizarem
(masculinizarem) certas práticas e promessas dos crentes a Nossa
Senhora. A razão é também ela demasiado masculina e unilateral para
poder compreender a outra parte da natureza humana. Assim assiste-se a
um exagero (polarização) tanto na análise como na prática religiosa:
Animus contra anima.
De momento assiste-se, porém, a uma tendência de espiritualizar a
natureza, num regresso aos cultos pré-marianos e a um politeísmo de
carácter biotópico particularista. A masculinidade, com a sua maneira de
pensar racionalista acompanhante, domina toda a sociedade e até os
recônditos mais genuínos da feminilidade (“sentimento”) o que conduz a
uma reacção social de fuga e de acentuação do outro extremo, a
irracionalidade. O irracionalismo, em voga, favorece tudo o que está
fora da tradição bíblica e da tradição católica. Refugia-se, muitas
vezes, numa interpretação feminista de espiritualidade à la carte,
dirigida apenas para a corporeidade e adversa à razão. O mundo da
racionalidade usual não deixa espaço para imagens, ficando estas, quando
muito, limitadas ao mundo da religião e da arte. A capacidade de
compreensão simbólica torna-se, no dia a dia, cada vez mais difícil. A
alma porém revela-se e fala através de imagens. O desequilíbrio
manifesta-se no negócio com os devocionais e o esoterismo florescente.
Há que reconciliar a masculinidade com a feminidade, a razão com a
intuição.
Maria é a mulher fértil que transmite a vida. No princípio está a mãe
original. A mulher traz a vida sem a intervenção do homem. Maria virgem
e mãe é a metáfora dum novo começo. As imagens de Maria surgem da base.
Ela torna-se o protótipo, a mulher, a mãe da humanidade; ela encontra-se
no centro de cada mulher, de cada homem e da natureza.
O humanismo de Jesus foi em parte absorvido pela cultura. O problema é
que um humanismo radical pretende abdicar da tradição, da memória, da
terra que possibilita a vida: a mulher. Na memória é que se procria e se
dá o nascimento espiritual.
Da Sociedade Machista para a Sociedade integral
“Aquele que faz a minha vontade é meu pai, minha mãe e meu irmão”. O
mestre de Nazaré estoira com os papéis a que as pessoas se encostam,
sejam eles familiares, sociais, políticos, religiosos ou de sexos; faz a
revolução das revoluções. Com Jesus e com Maria irrompe o tempo do
homem-mulher adulto. Homem e mulher estão chamados a integrar em si o
animus e a anima, o masculino e o feminino. Para João a filiação divina
(adulta) só acontece no Espírito Santo, na liberdade criativa. Supera-se
a dominância do género! Maria, a pessoa, engravida por obra do espírito
santo, por força do Espírito e não apenas pela obra do macho. A dimensão
do espírito é reconhecida como essencial, como formadora da realidade
mas não definível nem localizável numa só dimensão particular. Com Maria
e seu filho, o Homem-Mulher emancipa-se da tribo e do papel sexual e
social que desempenha. O seu valor acontece na ipseidade que implica uma
relação já não binária (da dialéctica) mas trinária (da trindade), não
já pela afirmação pela contradição (de opostos objectivantes) mas na
afirmação na complementaridade (relacional personificante). Passa-se
para uma estratégia/vivência já não apenas de diálogo mas de triálogo.
Para o evangelista Mateus Jesus reúne em si as esperanças dos judeus na
adopção de Jesus por José, descendente da casa de David (tradição), e a
esperança de toda a humanidade no totalmente novo como filho do espírito
(O Homem novo surge duma virgem e não de alguém com poderes sobre ele –
O Homem/Mulher da Nova aliança é o novo Adão/Eva, o Homem/Mulher em
contínua recriação). Reúne a tradição e o novo numa identidade nova e
própria. Ele é o esperado que através do espírito apresenta o totalmente
novo, não precisando dum legitimação fora dele; é o Homem novo. Deus
intervém assim, histórica e misticamente, através do espírito. A imagem
judaica tradicional de Deus é superada. Maria, na anunciação e
concepção, embora ligada a David, indirectamente através de José,
realiza nela a aliança histórica de Deus ao povo de Israel alargando
essa aliança a todo o indivíduo, a todo o cidadão do mundo, através do
gerar por acção do espírito. (Naturalmente que na bíblia se trata de
teologia e não de mera Biologia ou de História, como gostariam os
racionalistas que sonham com uma igreja muda, ou uma forma de pensar
masculina do “divide et impera”.) O acto legitimador não se reduz ao
institucional histórico, ele passa a ser o Espírito que sopra
independentemente de condicionamentos e condicionalismos.
No Magnificat, as vítimas tornam-se sujeito da acção. A salvação vem de
baixo e não de cima, como querem os poderes/pensares racionalistas e o
poder estabelecido. Hoje, mais que nunca, necessita-se de uma exegese,
duma história, duma política com uma veia mística. No caminho místico
dá-se a convergência da transcendência com a imanência, do masculino com
o feminino.
Não podemos reconhecer só a terra como deusa, como quer o feminismo
radical (lógico) infecundo nem só o céu como horizonte descontextuado
como pretende a dialéctica do pensar masculino. Num processo aberto à
mística conseguir-se-á reconciliar o mundo das ideias com o da
realidade, o mundo do espírito com o da matéria, as elites com o povo.
Seria falso desmiolar os mitos. O mito age a partir do que está
escondido, na confluência da força vertical com a força horizontal. Todo
o componente da realidade está integrado num todo global complementar,
num sistema dinâmico relacional na interligação dos campos físico,
fenomenológico e espiritual como manifesta a visão trinitária.
No mês de Maio por todo o mundo católico se observa grande actividade em
torno de Maria. Muitas vezes as celebrações litúrgicas são orientadas
por leigos. Nestas liturgias marianas privilegia-se a feminidade. A reza
do terço é uma forma de meditação global que integra nela a inspiração e
a expiração em ritmo complementar. Em liturgias, paraliturgias e actos
seculares deveria dar-se mais relevo ao papel da feminidade.
Um aspecto importante que se enquadraria dentro desta espiritualidade
seria a introdução de ritos de imposição das mãos em todas as paróquias.
Aí, todos os participantes, em resposta à diversidade dos dons do
espírito santo em cada um, poderiam criar ritos em que, também o
tratamento de corpo e alma, a cura dos fiéis presentes se tornassem
práticas usuais, mediante a imposição das mãos por parte dos fiéis. Isto
corresponderia a uma necessidade real e cuja vulgarização poderia ter
como orientação a bênção dos enfermos realizada em Fátima nos dias
treze, bem como certas práticas dos movimentos carismáticos. As
liturgias marianas poderiam tornar-se num exercício com expressões mais
adequadas às necessidades do lugar e do tempo, num dar resposta aos
sinais dos tempos. Maio é um apelo à política, à religião, à economia a
integrar na sua masculinidade o outro pólo da realidade que é a
feminidade. Esta encontra-se oprimida pela dinâmica dum poder e dum
pensar todo ele masculino. |