Assim é que, neste terreno fértil, a vanguarda adquire, no limiar do
século XX, a característica de ruptura com a tradição, da “inovação
estética” e não somente “estilística”, do rompimento com as
“escrituras convencionais”:
A
linguagem, no projeto das vanguardas, é um elemento que se põe entre
a arte e a vida, entre a expressão da vida e ela própria, que deve
ser cancelado – daí que a pesquisa constante e o experimentalismo
das vanguardas refletem uma vontade de anulação da própria
linguagem, daquilo que ela representa enquanto fator mediador e,
portanto atravessador da relação artista-realidade, ou obra-vida. O
experimentalismo e a inovação frenética da linguagem querem levá-la
ao limite de suas possibilidades e então à anulação de sua própria
existência e função. (MENEZES NETO, 2001, p. 102).
2 Vanguarda: a utopia possível
Philadelpho Menezes Neto (1960/2000), na sua brilhante e derradeira
obra A crise do Passado, faz um histórico crítico das vanguardas,
desde o primeiro uso deste termo, por Gabriel Désirie Lauerdant, em
1845, até a sua incorporação ao “ideário da modernidade” por
Baudelaire, entre 1862 e 1864 (MENEZES NETO, 2001, p. 94). Nesta
obra, após expor as semelhanças entre os termos, identifica
elementos característicos da vanguarda e que o distinguem do
modernismo, quais sejam: “a criação de uma linguagem de expressão do
presente da modernidade que tem por fim uma interferência direta da
obra na realidade associada a um futuro utópico que se afasta e
cancela radicalmente o passado.” (MENEZES NETO, 2001, p. 100).
Menezes Neto identifica estes elementos no conceito de escritores de
vanguarda de Charles Russell:
Aqueles escritores e artistas que afirmam não só que seja necessário
achar uma linguagem estética para exprimir este sentido de novidade,
mas também de achar-se de algum modo a vanguarda de uma situação
futura da arte e da sociedade, que as suas obras inovadoras ajudarão
a fazer nascer. (RUSSEL, apud MENEZES NETO, 2001, p.100).
Não sendo possível adentrar no tema, é imperioso anotar algumas
características das vanguardas, além destas mencionadas no conceito
de Russell. Uma delas é o experimentalismo, característica do
processo criativo. É certo, também, que os ventos revolucionários
produziram diversas formas de experimentalismo, numa sequência que
se prolongou até a segunda metade do século XX, inclusive com
manifestações na América do Sul.
Assim é que as “vanguardas” – sempre sob a égide do experimentalismo
– ora se pugnam pelo “primitivismo, jogo e humor”, típicos do
irracionalismo (sensorialismo), ora pelo racionalismo (cubo-futurismo
russo, futurismo italiano), o racionalismo construtivista, sendo que
estes últimos encontram seu paralelo nas artes plásticas, na
primeira metade do século XX, na arte conceitual.
3. Vanguardas brasileiras: a ruptura que
afirma a tradição
Não obstante a filiação declarada ou não aos
movimentos europeus mencionados, no Brasil predomina até os dias
atuais a produção de poesia de índole modernista, mesmo aquela
autodenominada de “vanguarda”. Conquanto a bandeira da vanguarda
tenha sido empunhada ostensivamente pela poesia concreta, a partir
do ano de 1955, é certo que o conjunto de obras deste grupo está
adequado à definição de modernidade ou “pós-modernidade”, como quer
Philadelpho Menezes Neto.
O evento inaugural da corrente modernista no
país, com implicações sociais e políticas, foi a Semana de Arte
Moderna de 1922, liderada por Oswald e Mário de Andrade. O poeta e
ensaísta Horácio Costa ressalta a expressividade da poesia
brasileira pré-modernista, de Cruz e Souza a Augusto dos Anjos,
vendo nesses exemplos a preparação do caminho para a renovação que
viria com o modernismo brasileiro. (COSTA, 1998, p. 24). As forças
econômicas e políticas do sul do país, notadamente do Estado de São
Paulo, tiveram papel relevante na organização do movimento
modernista que se expandiu para todos os setores da sociedade civil.
Costa destaca os novos procedimentos poéticos, dentre eles:
La preferência por metáforas de velocidad; la
escisión absoluta de las formas tradicionales y el consecuente
imperio del versolibrismo; el rompimento secuencial y el montage
cubista; la inclinación neologística; la libre asociación, factores
estos últimos ya pronunciados sea por el “errante” Sousândrade, sea
por el Cruz e Souza que escribe baudelairianos poemas em prosa.
(COSTA, 1998, p. 25).
Para Costa (1998, p. 25), este movimento
representa “uma ruptura que afirma la tradición” porque, com outros
procedimentos estéticos, prossegue afirmando os valores
progressistas das revoluções liberais.
Ressalta ainda, o papel relevante dos poetas
Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Cassiano
Ricardo, Manuel Bandeira dentre outros, lembrando
interdisciplinaridade do movimento, que reuniu a literatura, as
artes plásticas, a música e o ensaio, “al punto de sernos difícil
imaginar que outro cambio tan eficaz venga algún dia a repetirse.”
(COSTA, op. cit., p. 26).
O movimento modernista de 1922 a 1930, afirma
Costa (1998, p. 35), foi um “querer ser moderno”, uma tomada de
posição em relação às artes e à cultura em geral, uma introdução à
modernidade que marcaria todo o século XX.
Seguiu-se a este período a autodenominada Geração
de 45, cuja característica foi a “es la continuidad crítica en
relación con el movimiento de 1922” (COSTA, op. cit., p. 35), e que
foi denominada de “modernos“, diferenciando-a da modernista,
conquanto não fossem estanques as suas propostas.
Esta geração trouxe o poeta João Cabral de Melo
Neto, considerado um dos maiores poetas brasileiros de todos os
tempos, para o qual o rigor formal era o princípio poético
determinante, o que o diferenciava dos demais, continuadores
acomodados da Semana de 1922.
Costa (1998, p.36), aduz que, com Cabral, surge
um novo tipo de verso na poesia brasileira, “el mineral, extraña
transformación del verso elétrico dos modernistas y del verso animal
de los modernos” com o qual surge uma nova objetividade:
“El verso, que es posible no hacer”, em un gesto,
Cabral desmistifica lo específico de la poesia como lenguage electo;
se relativiza en el famozo “compromisso” del poeta con su lengua;
introduce una noción fundamental para la poesía contemporánea – la
del “silencio poético” e el “silencio significante” -, y reclama su
liberdad de autor, en una palabra. Sutilmente, también, afirma la
prioridad de la razón y de la decisión sobre la inspiración –
estamos, realmente, en los antípodas del romanticismo – al mismo
tiempo que anuncia su propria poética: encuentro de poesía y crítica
e el mismo cuerpo de la escritura. (COSTA, 1998, p. 37).
Não resta dúvida de que há características que
ultrapassam os conceitos modernistas na poesia de João Cabral que
bem mereceria a alcunha de vanguardista, tão sonhada por tantos
outros poetas brasileiros.
João Cabral vai além dos limites do modernismo,
resumidos por Mário de Andrade, em uma conferência-balanço, em 1942,
quando concluiu que as contribuições do modernismo foram “el derecho
permanente de la investigación estética; a la actualización de la
inteligência artística brasileira y a la estabilización de la
conciencia creadora nacional.” (COSTA, op. cit., p. 38).
No que respeita à Poesia Concreta, modo como quer
ser chamado o movimento, Costa lembra que surgiu quinze anos após a
“conferência-balanço” de Mário de Andrade, com aqueles ideais já
consolidados, quando um grupo de jovens poetas paulistas, liderados
no início por Waldemar Cordeiro, insurge-se contra o verso como modo
de expressão de poesia, bem como sua linearidade e sequencialidade,
apontando-os como objetivos a superar.
Na fase ortodoxa deste movimento, seus autores
pregam a negação do lirismo e do verso, de modo a afastar da obra
qualquer possibilidade de representação: “o poema-produto: objeto
útil”. (CAMPOS, A.; PIGNATARI; CAMPOS, H., 1987).
Costa (1998) ressalta, por outro lado, o
inestimável trabalho de tradução do grupo, do mesmo modo que a
produção crítica e teórica. É absolutamente induvidosa a enorme
contribuição do grupo para a literatura, as artes e a cultura
brasileira como um todo. Um dos aspectos a ressaltar, por oportuno,
é a acolhida mundial das obras dos concretos, de modo que se
convencionou por admitir o movimento como o primeiro na literatura
brasileira a expandir-se para o exterior, o que é fato.
Outro ponto a se ressaltar é o enorme talento
criativo dos membros mais destacados do movimento, cada qual com seu
estilo pessoal, evidentemente. Décio Pignatari, independentemente de
qualquer trabalho teórico que tenha realizado, de docência ou da
própria organização do movimento concreto, tem seu lugar dentre os
mais importantes poetas brasileiros. Sua obra é homogênea e
consistente, sendo uma das mais criativas da poesia brasileira da
segunda metade do século XX.
Como exemplos vale lembrar os poemas “Um
movimento”, “Caviar”, “Terra”, “Coca-Cola”, dentre inúmeros outros.
Haroldo de Campos, já falecido, foi o mais
produtivo dentre os mentores do movimento, tendo produzido uma obra
poética tão vasta e complexa quanto a sua produção ensaística, e que
o colocou no panteão dos intelectuais de reconhecimento mundial,
ombreando-se a Octavio Paz.
Augusto de Campos produziu uma obra menos extensa
e mais coerente com a teoria que elaborou com os demais, não abrindo
mão dos elementos visuais em estreita interação com os verbais,
mantendo-se, assim, fiel aos seus ideais iniciais.
É induvidoso, portanto, que a Poesia Concreta
efetivamente trouxe inestimável contribuição à poesia e à literatura
brasileiras, filiando-se, todavia, na sua essência, ao movimento
modernista contra o qual se insurgiu, haja vista a simpatia pelas
obras de Oswald e Cabral.
Porém, antes de qualquer coisa é preciso lembrar
que no Brasil já ocorria nas artes plásticas, desde antes dos anos
1950, a produção de arte “abstracionista geométrica”, liderada por
Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Amilcar de Castro, Luiz
Saciloto, dentre outros. Desta destacada corrente das artes
plásticas foi emprestado o nome do principal movimento
“vanguardista” brasileiro.
Por outro lado, não tardaram as reações ao
movimento autointitulado de vanguarda, do mesmo modo que não
tardaram as defesas apaixonadas das suas propostas. Alguns poetas do
Rio de Janeiro, a exemplo de Ferreira Gullar, romperam com o
movimento logo no início (1959) e fundaram o que chamaram de
“Neoconcretismo”, cuja proposta era contrária ao que entendiam por
normatização e dogmatismo da poesia, pretendidas pela tríade
paulista. Os neoconcretos defendiam a autonomia e o trabalho de
investigação do artista. Estas ocorrências estão registradas na
Pinacoteca do Estado de São Paulo, que dedica amplo espaço à arte
concreta brasileira.
Falou-se em dogmatismo e normatização, mas outros
termos são utilizados pelos críticos da poesia concreta, tais como
“pedagogia” ou “didatismo”, termos estes que estão na contramão do
que se entende por vanguarda, conforme acima exposto. E não poderia
ser de outro modo. A Teoria da Poesia Concreta é um memorial
descritivo de poesia que exclui deste gênero quaisquer expressões
que não atendam aos seus requisitos.
Segundo seus próprios autores o “movimento da
poesia concreta alterou profundamente o contexto da poesia
brasileira. Pôs ideias e autores em circulação. Procedeu a revisões
do nosso passado literário. Colocou problemas e propôs opções.”
(CAMPOS, A; PIGNATARI; CAMPOS, H., 1987, p. 7).
Porém, sem desmerecer a importância do movimento
e dos seus militantes, verdadeiros guerrilhados da poesia, o
movimento e sua produção estão a merecer o devido exame crítico,
ainda tímido quando não servil. Um dos aspectos a lembrar, en
passant é que este movimento acabou por se circunscrever aos
fundadores e uns poucos outros militantes, não tendo sequência nem
mesmo nas próprias obras. Alguns simpatizantes incursionaram pela
prática com excepcional talento e competência, a exemplo de José
Paulo Paes e Dora Ferreira da Silva, os quais, todavia, jamais foram
admitidos no seleto clube.
4. Poesia concreta: vanguarda ou pós-modernismo?
Não é diferente a opinião do renomado crítico Fábio Lucas, o qual
reconhece a importância do movimento que:
Afluente do modernismo se declarou a força mais radicalmente
transformadora da poesia nacional. Percebendo com agudeza o estado
de saturação retórica atingido pela manifestação poética
extremamente livre, inconsequente e vazia que se seguiu às
facilidades da estética descompromissada, não dogmática e
não-preceptiva reivindicada pelos modernistas, o grupo de poetas
experimentais dos anos 50 pugnou contra o verbalismo frouxo que
dominava o cenário lírico discursivo. (LUCAS, 1985, p. 9-10).
Uma das mais abalizadas e pioneiras vozes a expor as fraturas do
movimento, Fábio Lucas militou, com a desenvoltura que lhe é
peculiar, pela pluralidade de sistemas, sem exclusões que entendeu
de cunho ideológico.Neste imbróglio estético/cultural, demonstrou a
necessidade de um exame pluralista, imparcial, independente de
escolas ou confrarias, normas ou manifestos, o que é a
característica da poesia através dos tempos:
O
concretismo, como exemplo de falsa vanguarda, executou no contexto
literário brasileiro um gigantesco plano de diluição de experiências
já provadas em outros lugares, além de divulgar as obras de suporte
teórico das “novidades” que já eram antigas. (LUCAS, 1985, p. 10).
A
atualidade demonstra o acerto do citado crítico, posto que a poesia
brasileira do início do Século XXI caracteriza-se pela pluralidade,
livre de rótulos ou normas engessantes; pela multiplicidade de
linguagens, suportes, mídias e processos criativos.
Assim é que a poesia brasileira renasce na terra devastada pelo
radicalismo normativista concreto imposto à guisa de remédio caseiro
para as “teorreias” atribuídas aos discordantes, alcunhados de
“chupins desmemoriados”.
Para Lucas, a história da literatura é marcada pela “hesitação’
entre períodos que ora privilegiam a imitação ora evidenciam a
criação”:
Naqueles momentos em que a criação se torna um valor em si, os
artistas se preocupam com a ruptura com os sistemas linguísticos,
mostram-se insatisfeitos com o gosto dominante, procuram
particularizar ao máximo a atividade produtora. No caminho da
particularização infinita chegam ao limiar do solipsismo e do
isolamento. (LUCAS, 1985, p. 8).
Na
fase do domínio da imitação “há busca do padrão coletivo”,
“sancionado pela adoção de modelos exemplares”, atividade definida
por Ezra Pound como beletrismo, quando a qualidade equivale a dos
criadores e diluição, quando não passa de reprodução medíocre.
A
vanguarda ressalta sua diferença com prática da imitação,
pretendendo ultrapassá-la, deixá-la na retaguarda, instaurando a
“modalidade de mecanismo de competição que rege a nossa sociedade”.
(LUCAS, op. cit., p. 9).
Philadelpho Menezes Neto, declarado entusiasta da poesia concreta e
da poesia de vanguarda brasileira, também ele um expressivo criador,
além da extensa e excepcional obra teórica, realizou o mais profundo
trabalho de dissecação da poesia concreta até agora.
Na
obra A crise do passado, acima citada, ressalta que o termo
“pós-modernismo” foi utilizado pela primeira vez no Brasil por
Sérgio Buarque de Holanda, termo original da cultura
hispano-americana, “para definir uma reação ao modernismo por
tendências já presentes no seu interior.” (MENEZES NETO, 2001, p.
161).
Relata este autor que Sérgio Buarque de Holanda percebeu duas
vertentes oriundas da mesma estética de confronto com o modernismo:
a primeira de natureza contra-revolucionária e a segunda
caracterizar-se-ia pela radicalização das “premissas abertas pela
experimentação dos modernistas brasileiros” (MENEZES NETO, 2001, p.
162). Nesta última podiam ser incluídas as obras de estreia dos
líderes da poesia concreta, juntamente com João Cabral de Melo Neto.
Não obstante, aduz Menezes Neto (2001, p. 162), “desde a primeira
revista do grupo Noigandres, de 1953, o termo poesia de vanguarda
foi adotado para cunhar a linhagem estética à qual se vincularia o
grupo.”
Nesse choque interno entre concepções tipicamente vanguardistas,
ligadas às categorias da modernidade (como superação e inovação –
veja-se por exemplo o nome das edições concretistas: invenção) e
outras que já prenunciavam um confronto com elementos do projeto
moderno, pode-se entender o momento de passagem do ideário das
vanguardas para seu próprio aniquilamento na pós-modernidade.”
(MENEZES NETO, op. cit., p. 162).
Comparando o movimento ao Letrismo do romeno Isidore Isou (1947), no
qual a racionalização foi levada ao extremo a ponto de desconsiderar
a “materialidade física da letra” como linguagem, mas somente como
“grupos de traços gratuitos” (MENEZES NETO, 2001, p. 163), assevera
que este movimento antecipa a poesia concreta, devido ao projeto de
valorização exacerbada da forma do poema. As diferenças que nota são
nos aspectos da visualidade do texto, destacada pela poesia
concreta, enquanto Isou valoriza o aspecto sonoro da letra o
“anti-semanticismo” e a “gratuidade colagística”, enquanto “a
visualidade no concretismo se dá como uma racionalização medida da
forma.” (MENEZES NETO, 2001, p. 163).
Desse modo a poesia concreta se afasta das vanguardas sensorialistas.
Nesse passo pode-se notar a origem da cisão que originou
neoconcretismo, conforme acima exposto, pois é nítida a tese destes
de que a racionalização tolhe “a realização imaginativa” (RUSSELL,
apud MENEZES NETO, 2001, p. 155), para eles muito mais realizadora.
A racionalização da poesia concreta vem agravada pelo dogmatismo que
busca novos suportes a cada crítica, suportes estes que vão da
poesia provençal a Mallarmé, por exemplo.
Segundo Menezes Neto (2001, p. 163), o concretismo, pelo menos na
sua fase ortodoxa, “é essencialmente uma poética da racionalização”,
mas seus métodos de composição, típicos da sociedade pós-industrial,
distanciam-no dos movimentos de vanguarda, pois o esvaziam dos seus
intuitos utópicos.
No
entanto, ainda restava à poesia concreta o desejo de reconstrução da
linguagem das vanguardas intelectualistas. Porém, ela se insere
expressamente naquele “momento generoso de otimismo” (CAMPOS, H., p.
184, apud MENEZES NETO, 2001, p. 165) que caracterizou a década
(1950), aderindo de carona ao frenesi oficial daquele período:
A
poesia concreta, no entanto, já adentrando um pós-modernismo ao
incorporar dados da nova linguagem tecnológica, busca penetrar na
cultura como elemento estético desse novo código social, quer se
situar como linguagem pertinente a toda estética do período,
perdendo, assim, a instância da negatividade que o projeto de
autonomia artística possuía nos modernistas. O projeto de autonomia
estética, oriundo dos modernistas, mas agora destituído da crítica
da negatividade, se combina com a índole racionalista das vanguardas
intelectualistas, que se resolve na noção de comunicação de
estruturas. (MENEZES NETO, op. cit., p. 164).
Assim é que, pelas ocorrências que se seguiram, pelo envolvimento
dos poetas concretos com a música popular (Tropicalismo), pelo
reconhecimento implícito de que toda arte e toda poesia é
irracional, o movimento exauriu-se em si mesmo, sem deixar
herdeiros, a não ser no experimentalismo que se seguiu, como se verá
adiante, sucintamente:
Quando após a fase ortodoxa a poesia concreta vai se transmutando,
tornando maleáveis seus procedimentos composicionais, incorporando
mais fortemente a visualidade tipográfica, escapando do uso
exclusivo do tipo futura [...] ela vai rompendo com a racionalização
extremada da forma e da estrutura. Aí ela começa a desaparecer
enquanto movimento, fecha-se o ciclo de sua estética, os poetas
concretos deixam de fazer poesia concreta e passam a experimentar
novos processos de organização visual da palavra, assim como os
artistas plásticos experimentam a por art e os músicos, o teatro,
musicado. Quando isso se dá, no início dos anos 60, desaparece junto
com a poesia concreta a exacerbação racional que dirigia a obra de
seus autores. (MENEZES NETO, op. cit., p. 166).
Por estes motivos, Menezes Neto conclui que:
a
poesia concreta foi uma distorção classicista momentânea no percurso
artístico dos poetas concretos brasileiros, no qual o teor
vanguardístico-racionalista suplantou temporariamente a índole
pós-moderna já observada, na fase pré-concreta, por Sérgio Buarque
de Holanda, e que se acentuaria nas suas produções pós-concretas.
(MENEZES NETO, op. cit., p. 166).
Anota que Gomringer continuou fiel ao método que sempre
caracterizou a sua obra.
5. O experimentalismo na poesia brasileira atual
Tendo os próprios criadores e tenazes defensores da poesia concreta
a abandonado, tendo eles próprios resgatado o verso do túmulo onde
jazia sob pétalas, passado meio século do evento, a influência da
autodenominada vanguarda na poesia brasileira atual manifesta-se nas
práticas experimentais aliadas à eletrônica e pela busca incessante
pelo novo, com poucos resultados convincentes, todavia.
Na
sua Tese de Doutorado (PUC-SP 1996) Omar Khouri assevera o caráter
conservador e alheio à herança vanguardista da produção de poesia no
final do século XX. Com efeito, é tímida a influência da vanguarda
na poesia brasileira atual. Na maior parte da produção há escassa
influência da poesia concreta e a das vanguardas históricas. Nesta
vertente há presença marcante tanto do verso quanto do verbo. Ela é
denominada de “verbalista” por Khouri (1996), cujo meio de expressão
é o verso livre com escasso rigor formal e linguístico. Há uma
vertente que se pretende sucessora da vanguarda e cuja obra ainda se
enquadra na definição de experimental, “stricto sensu”. Neste último
caso, a produção predominante é de “poesia visual”, como incursões
pela "poesia objeto”, “livros de artista”, “instalações” e
performances corporais, dentre outras, recursos que foram explorados
largamente pelas vanguardas. Esta produção é veiculada
principalmente pela internet, revistas independentes de grupos
homogêneos. É uma produção que abrange desde a “poesia visual” até a
poesia elaborada por computadores, mediante programas criados
especificamente para esta finalidade. Esta produção tem diversas
denominações, dentre elas destacam-se os nomes intersemiótica,
“intersígnica” (termo criado por Philadelpho), intermídia,
polipoesia, vídeo poesia, infopoesia etc. Esta produção utiliza
predominantemente os suportes eletrônicos.
Nessa linha, a recente produção de “nanopoesia” por alunos,
professores e técnicos da Unicamp, veiculada na imprensa (jornal
Folha de São Paulo, 27 de abril de 2009, A5). Esta obra
caracteriza-se pela inscrição da palavra “infinitozinho” em um fio
mil vezes mais fino que um fio de cabelo. O poético da obra é a
possibilidade de grafar a palavra num espaço infinitamente pequeno,
no qual só pode ser lida com um microscópio especial. A esta obra
denomina-se “Nano poema”. Este é um exemplo do uso da tecnologia na
produção cultural. Para isto é necessária a conjunção de esforços de
técnicos (Unicamp, LNLS – Laboratório Nacional de Luz Sincotron), o
poeta (Arnaldo Antunes) autor do “texto” “infinitozinho”, extraído
de um poema. Nesse caso uma palavra incorpora o prestígio do seu
autor à nano-obra literária. O idealizador do projeto foi o poeta e
músico Juli Manzi, pseudônimo artístico de Giuliano Tosin, cujo
trabalho em desenvolvimento é “Transcriações: reinventando poemas em
meios eletrônicos”. Há uma plêiade de pessoas envolvidas no projeto,
desde o mentor da ideia, ao autor do “texto” escolhido, aos físicos
e técnicos em eletrônica que executaram o projeto, o custo público
da execução do projeto e também o jornal Folha de São Paulo que
veiculou o feito, dando-lhe caráter de verdadeiro acontecimento
literário. Estes são alguns dos aspectos da produção atual
tributária da vanguarda. Resta aos leitores, críticos, poetas e
demais interessados a avaliação da obra. Esta vertente de criação
incorpora novas tecnologias digitais, tão logo estejam disponíveis e
suas criações transbordem dos limites da poesia propriamente dita
para o da arte digital. Há programas de computador criados para a
elaboração de “poesia”, com a mínima participação do artista, senão
nenhuma. Há uma obra que consiste em uma tela azul na qual se
movimentam grafemas verdes, que surgem e desaparecem e induzem à
ideia de morfemas (2). Numa outra obra, a palavra “dentro” em letras
estilizadas entra e sai da tela branca. Estas obras são do poeta
Amir Brito Cadôr. O Poema Civil n. 1, de André Vallias (3), consiste
no seguinte:
O LAUDO:
TA TUDO
EX TA(DO)
MINADO!
O
texto conciso, formal, coloquial, de influência concreta,
caracteriza-se pelas frases sobrepostas sugeridas (O laudo: (Ex-)Estado:
está tudo dominado), num fundo vermelho, com sons de vozes, ruídos e
música, enquanto as palavras alteram sua cor de modo a formarem as
frases sobrepostas. Verifica-se nestas produções que de demandam
extenso trabalho técnico além de artístico, tal qual nos jogos de
computador, publicidade e outras artes eletrônicas e digitais. Outra
característica é que sem um computador não é possível ter acesso a
estes poemas, a não ser que os já disponíveis livros eletrônicos
possam reproduzir tais obras, tornando-as mais acessíveis. A estas
produções, dentre as milhares existentes na rede de computadores,
Menezes Neto denomina de “poéticas extraordinárias”. Não há como
afastar a natureza de poesia enquanto gênero à maioria delas, tanto
pelo uso da palavra ou sinais gráficos, sons de palavras ou que
contenham alguma simbologia, ou mesmo imagens estáticas ou em
movimento que representem alguma forma de linguagem, posto que a
comunicação depende da convenção, dos códigos ou da “chave léxica”.
A indagação que se faz é sobre a extensão do gênero poesia.
Tratando-se de atos criativos do homem com efeitos estéticos, sejam
elas baseadas ou não em signos convencionais, somente por isto esta
produção constitui poesia ou há casos nos quais não está adequada ao
gênero? Por outro lado, não há razão para exclusão do gênero poesia
se esta arte mais se aproxima do conceito de poeticidade do que
qualquer outra. Em primeiro lugar sua raiz também está
essencialmente na linguagem, como toda poesia, ainda que haja
dificuldade de decodificação. Mas uma poesia em grego ou chinês não
é de difícil decifração para qualquer leitor não conhecedor destas
línguas? A poesia exclusivamente escrita não é inacessível para o
analfabeto? Sendo a poesia essencialmente uma “arte do tempo”, estes
processos de linguagem, poesia em movimento (na tela), “pensamento
sucessivo” (FENOLLOSA) são a materialização da conjunção
substantivo/verbo. Sendo estas obras “representação do pensamento”
através de signos convencionais (palavras) ou não, de modo concreto,
podem ser excluídas do gênero poesia? Evidentemente que não, mesmo
porque a “mixagem de gêneros” é a característica cultura atual
(Geertz,1983).
Por outro lado, sendo função da crítica a definição de critérios de
avaliação da obra literária, quais serão os critérios de valoração
destas obras? A qualidade do texto acrescenta valor à obra cujos
recursos tecnológicos não sejam tão elaborados e vice-versa? A
simples utilização de recursos tecnológicos numa frase de quase
nenhuma potencialidade poética faz da obra uma poesia de qualidade?
É certo que não.
Os
critérios de qualidade poética dependerão de uma série de fatores em
conjunto. Quando começaram estas manifestações com o uso de recursos
tecnológicos, Augusto de Campos foi o primeiro a alertar “que o
domínio da informática não transforma ninguém em poeta”(4). Nessa
linha, há obras mais radicais, caracterizadas por sinais
fotoelétricos movimentando-se na tela, sem nenhuma possibilidade de
decodificação.
6. O conceito “metamoderno” de poesia
A
produção de poesia sem o uso da linguagem verbal ou simbólica levará
à ampliação do conceito de considerada literatura, já não restrita à
arte com palavras, mas à arte intersígnica.
A
poesia visual tem largo trânsito no mundo todo, com dezenas de
exposições em todos os continentes, tornando-se uma das mais bem
sucedidas formas de expressão de poesia da atualidade.
Entre nós, Plaza (2003), um autêntico criador de vanguarda,
comprovou a viabilidade da poesia visual e sua perfeita adequação ao
gênero conforme o conhecemos, através de traduções
“intersemióticas.
Referida tradução “consiste na interpretação dos signos por meio de
sistemas de signos não verbais, ou de um sistema de signos por
outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema
ou a pintura”, conforme as lições de Peirce. (apud PLAZA, 2003).
Assim é que traduz intersemióticamente o célebre Hai-cai de Bashô: o
velho tanque, rã salta, rumor de água, para as imagens: 1º momento:
fotograma de água calma, significando o “velho tanque”; 2º momento:
fotograma de uma rã; 3º momento: fotograma do tanque com movimento
ondulatório da água à guisa de “rumor de água”, após o salto.
Verifica-se que neste exemplo, como em diversos outros, com base na
análise do significado das imagens ou da visualidade, Julio Plaza
traduz diversos poemas para a linguagem puramente visual, mantendo o
significado intacto.
Estas são autênticas experiências com a linguagem, nas quais Julio
Plaza demonstra que o significado e o conteúdo poético da mensagem
são perfeitamente válidos
As
poesias visuais pretendem estabelecer a comunicação poética a
exclusivamente partir de imagens, ou , quando muito, em interação
com a palavra ou, eventualmente, outros signos.
Com a evolução dos recursos eletrônicos, poder-se-ia realizar a
tradução intersemiótica do Hai-cai citado através de imagens
cinéticas, seja um simples salto de uma rã para o tanque, com o som
produzido por isto, seja através de animações artificiais
sonorizadas. A estas manifestações obviamente não se poderá negar a
natureza de poesia.
Desse modo, o conceito de poesia, na pós-modernidade ou na “metamodernidade”,
amplia-se para abranger as produções resultantes da fusão de
linguagens, de suportes e de gêneros de arte.
A
literatura e a poesia veiculada e produzida na rede de computadores
torna-se um produto de uso e consumo coletivo, perecível e volátil,
propiciando o surgimento da figura predominante na produção
“artística” do técnico, do comunicólogo, animador cultural, conforme
preconiza Terezinha Losada.
Estes temas são recorrentes nos debates sobre a poesia atual,
causando certo desgaste no gênero, pela sua expansão para todas as
linguagens, ao mesmo tempo em que parte da produção de poesia
mantém-se fiel à tradição modernista, na maioria desvinculada de
rigores formais.
A
respeito do tema é oportuna a análise de Cauquelin (2005) sobre a
complexidade da arte atual, inclusive a poesia e a literatura:
É
preciso distinguir arte contemporânea de arte atual. É atual o
conjunto de práticas executadas nesse domínio, presentemente, sem
preocupação com distinção de tendências ou com declarações de
pertencimento, de rótulos. Não se pode realmente definir o
pós-moderno como contemporâneo [...] mas simplesmente como atual. O
termo designa justamente o heterogêneo, ou a desordem de uma
situação na qual se conjugam a preocupação de se manter ligado à
tradição histórica da arte, retomando formas artísticas
experimentadas, e a de estar presente na transmissão pelas redes,
desprezando um conteúdo formal determinado. É, pois uma formula
mista, que concede aos produtores de obras a vantajosa posição de
portadores de uma nova mensagem e desloca e inquieta os críticos e
historiadores de arte, que não sabem como captá-la nem a quem
aplicá-la. (CAUQUELIN, 2005, p.129).
Estas são as características da poesia experimental atual, em seus
diversos suportes tais como a imagem, o som e a poesia digital ou
eletrônica inclusive aquela produzida por programas de computador
sem a participação humana a não ser na programação. São inúmeras as
obras nas quais não há linguagem verbal ou simbólica, mas apenas
efeitos gráficos, sonoros, fotoelétricos etc., algumas delas
estranhas ao gênero poesia, pela total ausência de linguagem. Por
outro lado, considerando-se os princípios de ruptura e transgressão
das vanguardas históricas, talvez estas obras sejam adequadas a este
conceito. Mesmo considerando “poesia” como obra da criação humana,
não se pode abandonar a natureza artística desta produção, ou seja,
os efeitos estéticos, tanto no produtor quanto no receptor e suas
características de obra de arte. As produções tecnológicas devem
apresentar certas características sob pena de pertencerem a outros
gêneros de arte.
Porém, constata-se que há a institucionalização do experimentalismo,
o qual já incorporou a tecnologia eletrônica, inclusive através de
produções do computador, a preconizada “máquina de poesia”. No
entanto, a produção que utiliza os novos recursos tecnológicos nem
sempre está adequada aos conceitos estritos de poesia e literatura.
A utilização de textos em prosa e verso, literários ou discursivos,
sem qualidade literária, com suportes eletrônicos, digitais, não
fazem desse trabalho uma obra de qualidade artística nem literária.
A análise crítica desta produção é quase inexistente, de modo que é
pertinente o estudo da questão em face da crítica.
A
tecnologia – revolução eletrônica - como principal recurso na
produção de poesia, a arte elaborada pelo computador, evidenciam
mudanças radicais no sistema cultural, vale dizer, uma crise
(alteração dos conceitos de arte e poesia, dos autores, dos
difusores, dos cânones etc., com implicações antropológicas e
sociais).
Estes fenômenos devem merecer atenção como fenômenos culturais
contemporâneos; as novas mídias; as questões mercadológicas e a rede
de informação mundial que altera o equilíbrio tradicional da
produção e difusão cultural e suas consequências.
A
massificação dos produtores e a veiculação pela rede mundial de
computadores alteraram o sistema de produção e divulgação cultural,
criando outros meios de veiculação, o que põe em questão o problema
dos cânones.
Assim é que o experimentalismo, agora marcado pela influência da
tecnologia, torna-se norma, de modo que a “metamodernidade” “aponta
para a falência dos projetos, o esvaziamento do caráter transgressor
da arte” (MENEZES NETO, 2001, p. 274,) sendo que este infatigável
pesquisador acredita na possibilidade de criação de novas estéticas
que “entrem em confronto com o assintaxismo dessignificante herdado
das vanguardas sensorialistas” de modo que:
Uma arte e uma poética extraordinária hoje ainda seriam possíveis no
âmbito da invenção estética de modo a propor uma outra forma de
experimentalismo integral. Elas se contraporiam à tendência geral do
período, conduzindo à modificação da sensibilidade, à desrotinização
dos hábitos, à transformação dos gostos, reinstalando uma
comunicação estética onde se conciliem a atividade intelectual e a
intuitiva, a prazerosa e a perturbadora. (MENEZES NETO, op. cit., p.
277).
Desse modo a poesia terá que redescobrir suas origens, retornar ao
corpo, ao prazer, ainda que lhe seja impossível renunciar aos jogos
de linguagem nos quais a modernidade e as vanguardas colocaram-na.