REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 02

 

“ O sábio não se prende à obra acabada
E como não se prende não tem nada a perder. “

Lao Zi  (China, séc.VI-V AC)
Tradução de Casimiro de Brito e Yao Jinming.

 

 

A desconstrução só é possível se, a priori, existir uma construção, ou seja, se antes de o homem entrar no ciclo do espaço e do tempo,  já tiver existido como algo construído:  um armário só se pode desconstruir depois de ter existido como construção, ou no caso de um texto, se este já tiver existido como unidade, como coisa constituída e  construída.  Ora isso não é possível de ser  afirmado.

1-      quem nos poderá afirmar que o homem antes de entrar no mundo já foi alguma coisa?

2-       Como é que o desconstrutivista conseguirá desconstruir uma obra  de que ele não pode saber se está construída ou não, pois que ele não acredita na construção, mas somente na desconstrução ?  A descontrução é o seu deus. Uma religião.

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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Luís Costa

DES-CONSTRUTIVISMOS/ CONSTRUTIVISMOS,

POESIA/ARTE

 

                                                                      Luís Costa

 
 
 
 
 
 
 

A verdade é que o homem e a obra mais nos parecem  algo que se vai construindo do que desconstruindo. Porém sendo o tempo, ou parecendo-nos ,  linear e tudo se encontrando em movimento,  bem como condicionado pela morte,  o homem será sempre algo de inacabado . Ora o problema que aqui vemos é que o homem teórico parte sempre do homem, isto é, ele vê-se como o centro da existência, esquecendo-se  afinal que , como tudo quanto o rodeia,  não passa para lá de um  simples grão de areia no oceano do ser.

O des-construtivismo tal como outras teorias modernas são produto do egocentrismo humano que quer explicar o que não é explicável, ou seja, a existência humana, partindo de múltiplas perspectivas. Mas, como de outra maneira não pode ser, humanas demasiado humanas. Heidegger , onde o descconstrutivismo bebeu a sua essência, mas talvez de forma errada, ensinou-nos a olhar as coisas a partir do Ser e não do homem. Pois o  homem não se encontra fora do ser, nem nunca se poderá encontrar, mas antes encontra-se enraizado dentro do ser e tudo o que ele diga sobre o ser, será sempre um simples andar  às apalpadelas, pouco mais: “ Errare humanum es “, eis a formula! A ignorância humana é infinita.

Como diz Karl Popper:

Quanto mais aprendemos sobre o mundo, quanto mais profundo o nosso conhecimento, mais específico, consistente e articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos - o conhecimento da nossa ignorância. Essa, com efeito, é a principal fonte da nossa ignorância: o facto de que o nosso conhecimento só pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente ser infinita. (...) Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância. [  Karl Popper, in 'As Origens do Conhecimento e da Ignorância' ]

Ora depois de lido isto, digo: a arte será a meu ver ( e principalmente a poesia ) porque a verdadeira arte sempre se liberta sempre da subjectividade do sujeito , isto é do homem que a criou, o lugar mais próximo do ser, ou seja, da sabedoria por excelência. No domínio da arte , o ser aparece-nos em toda a sua evidência, por isso toda a arte/ poesia nos toca para lá dos princípios racionais, ela faz-nos sentir o inexplicável e o inexprimível, ela é a revelação da grande sabedoria para lá da compreensão intelectual, ela toca-nos no fundo da alma, ali não existem fragmentos, ali existe unidade, ou seja, ela atinge o lugar transcendental da sensibilidade que há em cada um de nós, a raiz ou a fonte, permitindo, durante um curto espaço de tempo, uma religação com o ser, elevando-nos acima de nós mesmos , elevando-nos ao panteão dos deuses. Pois que a arte é um jogo e só os deuses podem e sabem jogar. O homem esse é um escravo dos seu trabalho, pois o homem existe no seu dia – a - dia para subsistir.

A arte abole a ignorância porque esta não tem como fim explicar, partindo de conceitos epistemológicos, a existência. A arte é. E isso lhe basta. O homem buscará nela uma série de interpretações, mas a arte olha com desprezo para o homem e diz: “ah,  pobre Édipo! Nunca conhecerás o caminho certo. Um dia matarás o teu pai e amarás tua mãe. Os deuses estão muito acima de ti. És esperto, é verdade. Mas de que te vale tanta esperteza? “

Quem será que ao olhar uma tela, ou ao ouvir um trecho musical, ou ao ler um poema, nunca terá sentido em si a religação com o todo, aquela elevação como Baudelaire a descreve no seu famoso poema? Quem nunca terá sentido a abolição do eu, para se sentir em comunhão com as forcas telúricas e cósmicas? Quem nunca sentiu isto , digo: jamais será capaz de entender a arte, nem poderá ser um artista de carne e osso. Esta religação não desconstrói, mas constrói. Pois que constrói uma ponte entre o interior humano , a sua sensibilidade anterior à racionalidade, e o Ser, ou seja, deixa participar o homem no banquete do Ser. O homem agora, tem, por um curto espaço de tempo, o privilégio de se sentir acolhido no berço desse ser. Ele não é agora um eu, abandonado e exilado, mas sim, ele é agora uma polifonia de eus dentro do mesmo círculo, ele faz parte do todo, sente-se em comunhão com esse todo. A arte ensina-nos que não nos devemos prender a nada, por isso ela nos dá a possibilidade da comunhão com o todo , a arte diz-nos vieste da terra e voltas a terra. A arte diz-nos: o artista é só uma ferramenta e um nome.  A arte por sua vez transcende essa ferramenta e esse nome, ou seja a biografia histórica.

Pergunto: de Camões o que ficou , a biografia ou a obra? A verdade é que não é essencial conhecermos a biografia de Camões para compreendermos a sua obra , mas já é essencial conhecermos a obra de Camões para falarmos de Camões. Sem a sua obra o que era Camões? A obra faz o poeta e não o contrário.

Quanto ao resto digo: são teorias daqueles que se querem apropriar da existência, ou seja, teorias de homens que querem aparecer nos jornais e serem adulados como gurus, bem-feitas as contas, ditadoras que não conseguem aceitar a existência como algo que lhes não pertence. O que é natural no tempo usurário e “detergente “ dos dias de hoje. Pouco mais do que isso.
É preciso voltarmos a ver a arte a partir da arte e a poesia a partir da poesia e não a partir das teorias virulentas do poeta ou do artista, vaidoso, sedento de poder e reconhecimento. Só assim a arte poderá atingir aquilo que ela afirma e promete e que é: a revelação do irrevelável e a revolução interior que se exterioriza e não admite poderes ditatoriais sejam estes de que ordem for. "... a liberdade a minha religião ...“ ( Miguel de Carvalho )  esta deve ser a máxima do artista/ poeta.

E perguntará agora o leitor, mas do autor o que fica? Respondo: fica um nome sonante numa bela enciclopédia e talvez um ramo de louros num museu e um  monte de prémios numa estante e quem sabe também um corpo embalsamado para que os seus aduladores lhe possam beijar os pés.


Luís Costa, 2010

 

 

Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal).
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, jornal Triplov, site Triplog e revista Agulha.
Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
Contacto: l.Costa@web.de

 

 

© Maria Estela Guedes
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