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“ O sábio não se
prende à obra acabada
E como não se prende não tem nada a perder. “
Lao Zi
(China,
séc.VI-V AC)
Tradução de Casimiro de Brito e Yao Jinming.
A
desconstrução só é possível se, a priori, existir uma construção, ou
seja, se antes de o homem entrar no ciclo do espaço e do tempo, já tiver
existido como algo construído: um armário só se pode desconstruir depois de
ter existido como construção, ou no caso de um texto, se este já tiver
existido como unidade, como coisa constituída e construída. Ora isso não é
possível de ser afirmado.
1-
quem nos poderá afirmar que o homem antes de entrar no mundo já foi
alguma coisa?
2-
Como é que o desconstrutivista conseguirá desconstruir uma obra de
que ele não pode saber se está construída ou não, pois que ele não acredita
na construção, mas somente na desconstrução ? A descontrução é o seu deus.
Uma religião. |
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A verdade é que o
homem e a obra mais nos parecem algo que se vai construindo do que
desconstruindo. Porém sendo o tempo, ou parecendo-nos , linear e tudo
se encontrando em movimento, bem como condicionado pela morte, o homem
será sempre algo de inacabado . Ora o problema que aqui vemos é que o
homem teórico parte sempre do homem, isto é, ele vê-se como o centro da
existência, esquecendo-se afinal que , como tudo quanto o rodeia, não
passa para lá de um simples grão de areia no oceano do ser.
O
des-construtivismo tal como outras teorias modernas são produto do
egocentrismo humano que quer explicar o que não é explicável, ou seja, a
existência humana, partindo de múltiplas perspectivas. Mas, como de
outra maneira não pode ser, humanas demasiado humanas. Heidegger , onde
o descconstrutivismo bebeu a sua essência, mas talvez de forma errada,
ensinou-nos a olhar as coisas a partir do Ser e não do homem. Pois o
homem não se encontra fora do ser, nem nunca se poderá encontrar, mas
antes encontra-se enraizado dentro do ser e tudo o que ele diga sobre o
ser, será sempre um simples andar às
apalpadelas,
pouco mais: “ Errare humanum es “, eis a formula! A ignorância humana é
infinita.
Como diz Karl
Popper:
Quanto mais aprendemos sobre o mundo, quanto
mais profundo o nosso conhecimento, mais específico, consistente e
articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos - o
conhecimento da nossa ignorância. Essa, com efeito, é a principal
fonte da nossa ignorância: o facto de que o nosso conhecimento só
pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente ser
infinita. (...) Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta
diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que
conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.
[ Karl Popper, in 'As Origens do Conhecimento e da Ignorância' ]
Ora depois de lido isto, digo: a arte será a meu ver
( e principalmente a poesia ) porque a verdadeira arte sempre se liberta
sempre da subjectividade do sujeito , isto é do homem que a criou, o
lugar mais próximo do ser, ou seja, da sabedoria por excelência. No
domínio da arte , o ser aparece-nos em toda a sua evidência, por isso
toda a arte/ poesia nos toca para lá dos princípios racionais, ela
faz-nos sentir o inexplicável e o inexprimível, ela é a revelação da
grande sabedoria para lá da compreensão intelectual, ela toca-nos no
fundo da alma, ali não existem fragmentos, ali existe unidade, ou seja,
ela atinge o lugar transcendental da sensibilidade que há em cada um de
nós, a raiz ou a fonte, permitindo, durante um curto espaço de tempo,
uma religação com o ser, elevando-nos acima de nós mesmos , elevando-nos
ao panteão dos deuses. Pois que a arte é um jogo e só os deuses podem e
sabem jogar. O homem esse é um escravo dos seu trabalho, pois o homem
existe no seu dia – a - dia para subsistir.
A arte abole a ignorância porque esta não tem como
fim explicar, partindo de conceitos epistemológicos, a existência. A
arte é. E isso lhe basta. O homem buscará nela uma série de
interpretações, mas a arte olha com desprezo para o homem e diz: “ah,
pobre Édipo! Nunca conhecerás o caminho certo. Um dia matarás o teu pai
e amarás tua mãe. Os deuses estão muito acima de ti. És esperto, é
verdade. Mas de que te vale tanta esperteza? “
Quem será que ao
olhar uma tela, ou ao ouvir um trecho musical, ou ao ler um poema, nunca
terá sentido em si a religação com o todo, aquela elevação como
Baudelaire a descreve no seu famoso poema? Quem nunca terá sentido a
abolição do eu, para se sentir em comunhão com as forcas telúricas e
cósmicas? Quem nunca sentiu isto , digo: jamais será capaz de entender a
arte, nem poderá ser um artista de carne e osso. Esta religação não
desconstrói, mas constrói. Pois que constrói uma ponte entre o interior
humano , a sua sensibilidade anterior à racionalidade, e o Ser, ou seja,
deixa participar o homem no banquete do Ser. O homem agora, tem, por um
curto espaço de tempo, o privilégio de se sentir acolhido no berço desse
ser. Ele não é agora um eu, abandonado e exilado, mas sim, ele é agora
uma polifonia de eus dentro do mesmo círculo, ele faz parte do todo,
sente-se em comunhão com esse todo. A arte ensina-nos que não nos
devemos prender a nada, por isso ela nos dá a possibilidade da comunhão
com o todo , a arte diz-nos vieste da terra e voltas a terra. A arte
diz-nos: o artista é só uma ferramenta e um nome. A arte por sua vez
transcende essa ferramenta e esse nome, ou seja a biografia histórica.
Pergunto: de Camões o que ficou , a biografia ou a obra? A verdade é que
não é essencial conhecermos a biografia de Camões para compreendermos a
sua obra , mas já é essencial conhecermos a obra de Camões para falarmos
de Camões. Sem a sua obra o que era Camões? A obra faz o poeta e não o
contrário.
Quanto ao resto
digo: são teorias daqueles que se querem apropriar da existência, ou
seja, teorias de homens que querem aparecer nos jornais e serem adulados
como gurus, bem-feitas as contas, ditadoras que não conseguem aceitar a
existência como algo que lhes não pertence. O que é natural no tempo
usurário e “detergente “ dos dias de hoje. Pouco mais do que isso.
É preciso voltarmos a ver a arte a partir da arte e a poesia a partir da
poesia e não a partir das teorias virulentas do poeta ou do artista,
vaidoso, sedento de poder e reconhecimento. Só assim a arte poderá
atingir aquilo que ela afirma e promete e que é: a revelação do
irrevelável e a revolução interior que se exterioriza e não admite
poderes ditatoriais sejam estes de que ordem for. "... a liberdade a
minha religião ...“ ( Miguel de Carvalho ) esta deve ser a máxima do
artista/ poeta.
E perguntará agora o leitor, mas do autor o que fica? Respondo: fica um
nome sonante numa bela enciclopédia e talvez um ramo de louros num museu
e um monte de prémios numa estante e quem sabe também um corpo
embalsamado para que os seus aduladores lhe possam beijar os pés.
Luís Costa, 2010
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