REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 01

 

Quem compreender aquilo que é novo através da reutilização
do que é antigo pode vir a ser um Mestre.
Confúcio 

 

Rege a Lua a quimera do sonho e do êxtase; o sonho se comporta, dessarte, como uma aparição, separação temporária entre a Alma e o corpo. Para os preclaros ocultistas, trata-se da via ou da viagem por o chamado mundo astral, e, para os povos da Antiguidade, era a forma preciosa de comunicação com o Sobrenatural. Daí que possamos considerar a visão e a «rêverie» como o estado e a estação do misticismo, daí que, no significante ou ciência das Letras, Jorge Telles de Menezes se mova numa linha onde se encontram, e bem, Teresa de Ávila, Plotino e S. João da Cruz.

É no endeusamento ou entusiasmo do sonho que Menezes se cura, que Menezes procura os arquétipos e símbolos do inconsciente colectivo; daí que, na mistagogia ou misteriosofia, o arquétipo seja, simultaneamente, a arcaico e o arcano. Na sua escola, escala ou didascália, o Jorge nos educa ou nos eduz, o Jorge nos conduz, hierogrâmato, para uma gramática gnósica, hermética e alquímica: a selenographia, então, além de ser rimance, é qual iniciação nos mistérios românticos – e alcandorado, e alteado, é o Percy Bysshe Shelley.

Da Lua o «daimôn», como vemos, é o domínio, não da razão, mas sim do sentimento, do encantamento, e da magia das imagens. Ora a «imago» é o que tende para se tornar real, e o mundo imaginal é o medianeiro ou médium entre a monda sensível e o mundo inteligível; e trata-se, aqui, das formas ou fantasmas em suspenso. Em estrénuo espiritual deixou escrito, o Estagirita, que não pode, o ser humano, pensar ou compensar-se sem imagem ou fantasma… Se a imaginação do homem é, de facto, um pequeno universo, através das imagens o Menezes labora na magia, colabora, desse modo, com Deus, no projecto criacionista…

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
   
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Paulo Brito e Abreu

JORGE TELLES DE MENEZES:

DA «SELENOGRAPHIA IN CYNTHIA»

OU DA ESSÊNCIA DA POESIA
 

                                                                      Paulo Brito e Abreu
 


Se Deus iniciou a Criação, então cabe ao Iniciado, que é Poeta, o aumentá-la e terminá-la; e através da catarse, que é uma purga, reflecte-se, com fé, o macrocosmo em microcosmo. Ora «catharsis» é uma palavra grega proveniente dos mistérios iniciáticos, e o drama e psicodrama de Menezes, isto é, a questa e a busca da flor invisível, é, acima de tudo, uma forma de libertar o Parnaso e as paixões, vivendo-os, com Alma, de modo imaginário. Porque o sonho é, portanto, uma faxina para a mente, a metáfora ou mentira que, à força de ser matutada, se transforma, mirificamente, na verdade promissora. Podemos falar, à guisa de Janet, da moral desinfecção; se compensar é pôr o penso na nossa turvação, exprimir um poema, no mental automatismo, é bem espremer, premente, o pus e o fel da ferida narcísica.

Na linha, então, dos românticos, simbolistas, ou surrealistas, temos visto e aventado que a selenographia é privilegiado portal para a exploração do inconsciente, e o mesmo inconsciente, para Lacan, é o curso e discurso do Outro. E, no século XIX, nos ensinava Rimbaud que «je est un autre»; numa hermenêutica ou no escólio, dilata-se e completa-se o Ego, com quê? Com o limo e a lava das furnas, do antro das Mães, e da palavra ou do palácio da Morte: e aqui dormir, portanto, é ser Iniciado.

Atenta no senso, amigo leitor. Nós não explicamos um poema tal como explica, o cientista, a liquefacção ou locomotiva; nós compreendemos o mesmo poema, isto é, deixamo-nos prender por a magia de Jorge. Tal é o significado do Historicismo ou das chamadas, por Dilthey, de ciências do espírito, porque a vida do Autor, segundo cremos, reflecte-se e repete-se na vivência do ledor. E se o digesto é o digerido, assimilar um poema é tornar-se similar à metáfora sua. Pois através da didascália ou psicodrama, isto é, só por meio da didáctica léxis, o pão do Pneuma é extensivo ou compreensivo ao complemento e à «communio»; na católica Eclésia, também, a «messis» da Méssia é primórdio para o Messias…

Destarte e na arte, para Menezes, a Natura é natal e bem nutrice, e a melhor maneira de lidar ou atinar com a natural fisiologia será através da personificação, prosopopeia ou fantástico animismo; e temos, desse modo, a mitologia, como o espaço privilegiado da Poesia ou «rêverie». E ecologia é qual «école», é qual morada e namorada do filho do homem. A Bíblia da escola é a Sacerdotisa. O bétilo, na Pítia, clama por «Beth». Na sideral agricultura ou na geórgica celeste, o que faz o nosso Jorge é transportar, para a vida vígil, a feeria ou fantástico do sonho; e essa, pois, é a profecia, esse é o estado teológico de que falava, com força, o positivo Augusto Comte. Crismava o sociólogo a Teologia como a fábula fictícia; não será, pois, a ficção, como o adágio ou apanágio do Poeta que finge, ou melhor, do que afivela e revela uma plástica «persona»?

Estamos quase a terminar. Uma questão, agora, de enlevo, o relevante quesito se impõe, preponderante: quem é, no fim de contas, Jorge Telles de Menezes? Na hermenêutica fausta da hermética festa, redarguiremos, em resposta: acima de tudo, o nosso amigo Jorge é um bardo e um rapsodo. E, na ciência das Letras, ou seja, em letradura, o vocábulo «bardo» tem duas acepções: dilucidemos, dessarte, elucidemos o ledor. Para os antigos gauleses, com efeito, o bardo era um Poeta pertencente à escola sacerdotal, era o homem que, cantando e encantando, defendia, providente, o Panteão do seu povo. Temos visto que tal é o Profeta; visto havemos, também: provençal é professor.

O segundo significado é mais premente e abrangente, releva problemas da santa Teosofia. «Bardô» é uma palavra tibetana que significa, etimologicamente, «entre duas estâncias, estados ou estações»: ora uma, amável leitor, é a vida; a outra, dessarte, é a Morte. Pois indo ao imo, e vendo o âmago do lance, «bardô», para os Budistas, é o estado limiar ou liminar entre duas reencarnações. E se o ledor, agora, ponderar, que o seu sono e o seu sonho é qual a Morte quotidiana, cortado terá, em boa hora, o nó górdio do problema, terá, previdente, resolvido o dilema. Haverá, o homem que lê, de ser, também, o homem que vê; haverá, qual vidente, quiçá, concluído: Morfeu informa Orfeu, e morrer, de certa forma, é ser Iniciado: é tal a insígnia, a signa, e o significante, da selenographia; é tal a parição, e o par, da celeste aparição, ou pra dizer, com fulgor, de uma vez só: tal é pois, com Lucina, o sentido e o som da língua latina.

 
 
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

PAULO JORGE BRITO E ABREU 
Paulo Jorge Brito e Abreu nasceu em Lisboa, Portugal, a 27 de Maio de 1960. Licenciou-se, em 1986, em Estudos Anglo-Portugueses, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É Poeta, pensador, ensaísta, conferencista, crítico literário, cantor e psicodramatista; encetou, em 2007, uma carreira de Pintor. Desde 1999, é Sócio Correspondente da Academia Carioca de Letras; no ano 2000, a União Brasileira de Escritores atribuiu-lhe, em parabém, a Medalha Peregrino Júnior de Intercâmbio Cultural. Por o seu contributo para a Cultura Portuguesa, foi agraciado, em 2006, com uma medalha, pela Escola Secundária D. Diniz. E por meados, primaveris, dos anos 60, sua Mãe, Maria Amélia, ensinou-o, correctamente, a ler, a escrever e a contar…
CONTACTO: paulobritoeabreu@yahoo.com.br

 

 

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