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Quase meio século mais tarde,
esta problemática da influência da oralidade, da escrita e do sentido da
visão na transmissão de informação e na construção do Conhecimento tem
adquirido uma especial importância. Na verdade, a Conquista do
Imaginário, individual e colectivo, que se tem vindo a operar na
sequência das mutações económicas implementadas nas últimas décadas, não
poderia executar-se sem que os meios de comunicação de massas aqui
desempenhassem um papel fundamental, disto resultando importantes
consequências sócio-culturais a que a Escola, também ela, não consegue
ser alheia.
Assim, por exemplo,
Giovanni Sartori afirma numa sua obra, com uma certa ironia dorida, que
o Homo Sapiens está a ser substituído por um Homo Videns, chamando a
atenção para o facto de a televisão ser um ‘instrumento antropogenético’,
por gerar um novo tipo de ser humano: é que a televisão, afirma ele, é a
primeira escola da criança – a escola divertida que precede a escola
aborrecida, já que as crianças vêem televisão antes ainda de aprenderem
a ler e a escrever, acabando depois por responder prioritariamente,
quando adultos, a estímulos audio-visuais. A capacidade de abstracção e,
logo, a capacidade de compreensão, encontrar-se-ão assim prejudicadas,
no entender deste autor. Não sem razão, muito provavelmente, Ignacio
Ramonet, director do Le Monde Diplomatique, afirma o seguinte: “ Como se
oculta hoje a informação? Através de um aumento de informações”. A isto
chama ele ‘censura democrática’, por oposição à tradicional censura
autocrática.
Na verdade,
questionemo-nos: como é que hoje em dia lemos os jornais?
Frequentemente, da mesma forma que vemos televisão - fazendo zapping -
passando rapidamente uma vista de olhos pelos títulos e pelas
fotografias e suas legendas, raramente nos detendo nalguma notícia para
sobre ela nos debruçarmos com maior atenção. Estaremos, então,
verdadeiramente informados sobre o mundo que nos rodeia? Compreendemos
realmente o contexto em que vivemos? Reflectimos sobre a validade dos
elementos estruturantes deste mundo e das nossas vivências?...
Evidentemente que a
tendência uniformizadora que desta maneira se vai operando no espírito
dos indivíduos acaba por se traduzir, igualmente, na simplificação das
estruturas e das formas estéticas vigentes. Assistimos, assim, à
significativa proliferação de obras daquilo a que já se denominou como
‘Literatura Light’, cujos autores poderão ter assegurados nada mais do
que meia dúzia de anos de imortalidade, é um facto, mas que, para tédio
e exasperação dos mais argutos, são, mesmo que momentaneamente,
publicitados como escritores importantes, quando na realidade mais não
fazem do que simplificar ideias e sentimentos, para gáudio dos incautos
pouco habituados às tarefas da leitura e ao contacto com tonalidades
mais ricas, mas também mais complexas e, logo, de menor aceitação
imediata. Paralelamente, ocorre o fenómeno – que também não é novo – de
se operar um deliberado processo de esquecimento de certos autores e de
determinadas obras.
A divulgação destas
formas de superficialidade não tem a ver, obviamente, com a perspectiva
de Ortega y Gasset segundo a qual a palavra ‘alegria’ talvez provenha de
‘aligeirar’ – segundo ele, estar alegre é uma leveza, conforme referiu -
mas sobretudo para enfatizar que o Real não é algo que deve esmagar o
ser humano. Ora, o que agora parece suceder, num momento da história do
mundo ocidentalizado em que o culto da felicidade parece invadir o
quotidiano dos indivíduos como se de um dever se tratasse, é que estes
são deliberadamente fragilizados psicologicamente para se indisporem com
as formas da sua própria existência, a fim de adquirirem os produtos
que, em teoria, os reconciliarão consigo próprios e com os outros. Este
facto nada tem a ver com felicidade, mas sim com uma superficial,
histérica e comercial euforia.
É que a verdadeira
felicidade decorrerá, também, do facto de conseguirmos maravilhar-nos
com as grandes obras do espírito humano, de forma inteligente e crítica
– na Poesia como na Música, na Literatura e no Teatro como na própria
produção científica (já Nietzsche dizia que a Ciência mais profunda tem
de ser alegre, uma Gaia Ciência, como lhe chamou. A este propósito,
recordemos a perspectiva de um dos maiores arautos do Pessimismo, Arthur
Schopenhauer. A dado passo, disse este filósofo no seu Journal: ‘A vida
oscila, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento para
o tédio’. Como admirarmo-nos, pois, que os estudantes da sua
Universidade deixassem
a sua sala de aulas
quase vazia para irem antes assistir às lições de Hegel, seu grande
rival?...).
Temos, assim, que
‘sentir alegria’ não é uma vulgaridade nem traduz superficialidade. A
verdadeira felicidade provém sempre da inteligência em acção. Por esta
razão, igualmente, nós, professores (e aqueles que o desejam ser),
deveremos bater-nos continuamente contra os Schopenhauer de pacotilha
que proclamam ser de difícil compreensão ou muito trabalhosas algumas
das mais ricas obras do intelecto humano. Fazê-lo é procurarmos
enriquecer a Vida daqueles que connosco contactam. E, como disse a certa
altura Swann, personagem da magistral obra de Marcel Proust Em Busca do
Tempo Perdido, “a que mais se deve ligar, senão à Vida, o único presente
que o bom Deus nunca faz duas vezes?”. |