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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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Ana Luísa Janeira
Foto de José M. Rodrigues |
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PLANTAS E RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: NATUREZAS, CONTINENTES E
TRADIÇÕES
YURI TAVARES ROCHA |
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DIREÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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Índice de Autores |
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Sabemos que um forte simbolismo associado às
plantas prevalece
ao longo da história das civilizações. Elas são
vistas e sentidas
como entidades habitadas por uma energia,
positiva
ou negativa, dispondo por sua vez
de alguns poderes como o de
proteger,
afastar este ou aquele malefício, propiciar o Bem
para
além da generosidade própria,
onde se insere o poder de alimentar,
de curar, de perfumar... (1) |
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Introdução |
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Na história da humanidade, há cerca de 12 mil anos atrás, no Período
Neolítico, surgiu a agricultura, quando grupos de Homo sapiens
passaram de coletores a cultivadores de plantas, principalmente por sua
capacidade de acumular informações sobre o ambiente, pela observação
constante e sistemática dos fenômenos e características da natureza e na
experimentação empírica dos recursos naturais, entre eles, as plantas.
Essa prática permitiu o aumento da oferta de alimento. Com o tempo, foram
selecionados entre os grãos selvagens aqueles que possuíam as
características que mais interessavam aos primeiros agricultores, tais
como tamanho, produtividade, sabor, etc. Assim surgiu o cultivo das
primeiras plantas domesticadas, entre as quais se inclui o trigo e a
cevada.
Estas primeiras plantas foram apropriadas pelos grupamentos humanos por
suas propriedades alimentícias, mas depois inúmeras outras plantas foram
sendo agregadas por seus valores medicinais, sagrados, utilitários, etc.
No ano 77, o médico-cirurgião grego-romano Dioscórides
publicou a obra De Materia Medica, catálogo em cinco volumes de
mais de 500 plantas da região do Mar Mediterrâneo, sendo descritos 35
fármacos de origem animal e 80 de origem mineral (2). Incluía também
informações de como os gregos usavam estas plantas, especialmente para
fins medicinais, de onde e como cada planta era coletada, se era
venenosa, se era comestível e se tinha algum potencial econômico. Essa
obra foi referência etnobotânica até o final da Idade Média.
Em 1542,
Leonhart Fuchs,
artista do Renascimento, iniciou uma
nova maneira de registrar as plantas. Sua obra De Historia Stirpium
catalogou cerca de 400 plantas nativas da Alemanha e da Áustria (3).
No século XVIII, o capitão e explorador inglês James Cook levou várias
informações sobre plantas do Pacífico Sul desconhecidas na Europa,
depois de três grandes viagens realizadas (4).
O século XIX foi o auge da exploração botânica. O naturalista alemão
Alexander von
Humboldt coletou muitos dados no
Novo Mundo
em sua viagem de 1799 a 1804, muitos relacionados a plantas americanas
ainda também desconhecidas na Europa (5, 6).
Entre 1860 e 1890, o médico e botânico britânico Edward Palmer coletou
plantas e artefatos dos povos indígenas do oeste da América do Norte e
México, publicando, entre outras obras, a List of Plants collected in
S.W. Chihuahbua, em 1885 (7).
No Brasil, no século XVII, no Nordeste brasileiro invadido por Maurício
de Nassau, os botânicos holandeses Guilherme Piso e Georg Marggraf
coletaram plantas e registraram usos conhecidos pelos nordestinos. No
século XIX, os naturalistas alemães J. B. von Spix e Carl F. P. von
Martius registraram o uso de plantas pelos indígenas, em sua viagem pelo
Brasil. Martius publicou a obra Flora Brasiliensis, de 15
volumes, 22.767 espécies e 3.811 litografias. Em 1886, Alphonse De
Candolle publicou Origin of cultivated plants, obra na qual os
dados etnobotânicos foram empregados nos estudos sobre a origem e
distribuição de plantas cultivadas (8).
O termo “etnobotânica” foi cunhado por John William Harshberger, botânico
americano, quando publicou o artigo Ethno-Botanic Gardens na
revista Science, em 1896 (9).
O estudo considerado como o primeiro trabalho etnobotânico
moderno foi o realizado pelo médico alemão
Leopold Glück, que trabalhou em Sarajevo (Bósnia e Herzegovina),
pesquisando usos médicos tradicionais das plantas feitas por populações
rurais bósnias, em 1896 (10).
No início do século XX, o campo da Etnobotânica experimentou mudanças na
compilação dos dados e grande reorientação metodológica e conceitual,
caracterizando o começo da Etnobotânica Acadêmica, sendo Richard Evans
Schultes considerado o fundador desta nova fase (11). Hoje, existem
periódicos científicos internacionais que publicam artigos relacionados
à Etnobotânica, tais como Journal of Ethnobiology,
Journal of Ethnobiology and
Ethnomedicine, Ethnobotany Research & Applications e
Journal of Ethnopharmacology.
Quanto ao jardim etnobotânico, provavelmente, o primeiro tenha sido o
Jardin des Premières-Nations, existente dentro do Jardin
Botanique de Montréal (Canadá), fundado para manter coleções de
plantas utilizadas pelos 11 povos nativos de Québec, existentes antes da
chegada dos europeus à região (12).
Podemos entender a Etnobotânica como um ramo da Botânica que estuda a
ligação entre as plantas e as culturas e etnias tradicionais, procurando
entender como as plantas são apropriadas pelo homem em seus usos
alimentícios, fitoterápicos, ritualísticos e religiosos, entre outros.
Por isso, a Etnobotânica é interdisciplinar e está ligada à Etnobiologia,
Antropologia, Etnografia, Teologia, etc., envolvendo
botânicos,
antropólogos,
bioquímicos,
médicos,
teólogos, etc.
O etnobotânico documenta, descreve e explica relações entre
culturas e usos de plantas, entendendo, à luz da linguagem científica,
como as plantas são utilizadas, conservadas, apropriadas e percebidas
pelas sociedades como plantas alimentícias, medicinais, ritualísticas,
têxteis, tintoriais, nos cosméticos, na construção, como ferramentas,
moeda e vestimenta, na literatura e na vida social em geral.
Dessa maneira, a etnobotânica é uma disciplina científica que trata da
inter-relação pessoas/plantas; suas pesquisas também contribuem para o
manejo e conservação dos recursos naturais e para o conhecimento da
biodiversidade de plantas com potencial econômico em seus domínios da
natureza (13).
A Etnobotânica engloba todas as ligações do homem com as plantas, tanto
as ligações materiais – uso, manejo, conservação, etc, quanto as
relações imateriais – símbolo religioso, componente do folclore e de
tabus, uso ritualístico, etc. (14). Por isso, os estudos etnobotânicos
são ou deveriam ser essencialmente inter e multidisciplinares.
A Etnobotânica possibilita resgatar e registrar conhecimentos
tradicionais que poderiam se perder ou que estão presentes em etnias e
culturas de tradições orais que, de alguma forma, encontram-se ameaçadas
quanto à manutenção e transmissão desses conhecimentos. Além disso, é
necessário definir a maneira pela qual se pode retornar o conhecimento
sistematizado pelo cientista à comunidade autóctone que possui o
conhecimento sobre as plantas pesquisadas; comumente, são produzidos
manuais, cartilhas e listas ilustradas de plantas, além de ministrados
cursos e palestras, mas outros meios também podem ser adotados (15).
Por suas características, a Etnobotânica inclui-se nas etnociências, que
procuram entender e valorizar o saber-fazer popular, autóctone ou
indígena, adotando posturas teórico-práticas de natureza
interdisciplinar, ajustando metodologias e procurando novos
procedimentos (16).
A ponte entre a Etnobotânica e o estudo das plantas nas religiões
afro-brasileiras deve ser feita para possibilitar o “(...) enquadramento
científico de saberes-fazeres, tanto passados como actuais, que têm
subjacentes diferentes universos cognitivos, diferentes formas de viver
e de interpretar o mundo, bem como longos percursos históricos por
vários ambientes, várias naturezas, vários continentes” (17).
As religiões afro-brasileiras estão baseadas na tradição oral. Para
aproximarmos este conhecimento da academia, que tem a tradição escrita,
é preciso entender que tudo “(...) começa na ideação (imanifesto) que se
manifesta no pensamento (1ª instância), para a seguir se apresentar como
verbalização (oralidade – 2ª) e, finalmente, a escrita (a 3ª)” (18).
Além disso, o conhecimento sobre o uso sagrado das plantas presentes nas
religiões afro-brasileiras está ligado à própria formação dessas
religiões, compostas das matrizes formadoras Indo-Européia, Africana e
Ameríndia (19).
Assim, as plantas sagradas utilizadas nas religiões afro-brasileiras
vieram de naturezas, continentes e tradições diferentes. Pretendeu-se
exemplificar isso, modestamente neste artigo, com quatro das plantas
desse universo etnobotânico e religioso. Esta é uma temática já estudada
(20, 21, 22, 23), mas ainda é um campo imenso de pesquisas, justamente
por causa da riqueza de gênese dessas religiões e de suas matrizes
formadoras.
Cabe ressaltar que uma das inspirações para escrever este artigo e
pesquisar sobre plantas, jardins e etnobotânica vem da admiração pela
Professora Ana Luísa Janeira e da consulta a inúmeras de suas
publicações sobre essas temáticas (24, 25, 26, 27, 28, 29). É uma honra
conhecê-la, tanto acadêmica quanto pessoalmente, conviver consigo quando
é possível encurtar as distâncias do Atlântico e poder participar deste
número da Revista Triplov de Artes, Religiões e Ciências. |
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Plantas e religiões afro-brasileiras |
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Um campo de pesquisa etnobotânica ainda pouco explorado no Brasil é
aquele que busca compreender a ligação das plantas e as culturas e
etnias que já existiam no Brasil e as que chegaram em diferentes
momentos históricos, procurando entender como as plantas eram e são
utilizadas em termos sagrados, ritualísticos e
religiosos dentro das religiões afro-brasileiras em sua mais ampla
diversidade de tradições, tais como Umbanda, Jurema, Omolocô, Tambor de
Mina, Terecô, Candomblé, Pajelança, Catimbó, Xambá, Babassuê, Toré,
entre outras (30).
As religiões afro-brasileiras estão envolvidas num processo
de miscigenação, uma vez que o Brasil recebeu “(...) uma amostra de
todas as culturas com suas respectivas teogonias e cosmogonias e as
miscigenou em tempo recorde, se torna natural a recriação e aparente
mistura das nomenclaturas (...) no amplo território brasileiro. O
Brasil, por ser um país continente, recebeu em diferentes proporções,
influências culturais da Europa, África, América e Ásia, dando
características específicas a
cada região, que compõe nosso território. [As religiões afro-brasileiras
acompanharam] essas características regionais, [elas se apresentaram] de
diversas maneiras em locais distintos” (31).
“As Três Escolas Umbandistas Primevas são idênticas às matrizes
formadoras do povo brasileiro: Indo-Européia, Africana e Ameríndia.
Vejamos os exemplos de cada uma delas:
1ª Umbanda Traçada e Candomblé de Caboclo
– como descendentes da matriz Africana. Óbvio, há traços das demais (Indo-Européia
e Ameríndia), mas a predominância é Africana.
2ª Pajelança, Jurema
– descendentes da matriz Ameríndia, com maior ou menor influência das
demais matrizes formadoras.
3ª Umbanda Branca, Umbanda Cristã e Umbanda
Oriental – descendentes da raiz Indo-Européia, com traços mais ou
menos marcantes das outras duas matrizes ou raízes” (32).
Nas religiões afro-brasileiras, inúmeras plantas são utilizadas para
defumações, banhos, ornamentos, sacudimentos, preceitos, oferendas,
etc., além da utilização como essências. Sua utilização está ligada à
magia vegetomagnética porque as plantas, além dos aspectos já
comentados, são consideradas sagradas e relacionadas aos Orixás (33,
34).
As plantas utilizadas nos ritos, cerimônias e oferendas das religiões
afro-brasileiras, que também podem ser chamadas de ervas, estão, como
tudo na matéria, ligadas às vibrações dos Orixás. Assim, cada planta
está associada a um determinado Orixá de maneira mais direta e às suas
correlações vibracionais com os signos, os astros, os entrecruzamentos
vibracionais e as entidades espirituais. Por essa razão, são sagradas,
além de assimilarem e conterem o “prana”, a energia vital emanada pelo
Sol e absorvida pelas plantas. Também, por não terem consciência, essa
energia é mantida pura e inalterada.
A seguir, quatro plantas utilizadas nas religiões afro-brasileiras,
oriundas de naturezas diversas – região mediterrânea, semi-árido
brasileiro, África Ocidental e Ásia Tropical; de continentes distantes –
europeu, americano, africano e asiático; e, de tradições religiosas
distintas – indo-européia, africana e ameríndia. |
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Arruda, Atopá Kun |
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Planta muito conhecida por neutralizar ou afastar coisas
negativas. “O poder de proteger associado a uma determinada planta nem
sempre assenta nas propriedades medicinais. Entre nós, a mal cheirosa
arruda parece ter, sobretudo por via do mau cheiro, uma sólida reputação
protectora da residência e dos seus habitantes, pelo seu poder de
afugentar o mal na forma de bruxas ou bruxarias” (35).
Ligada a Exu, é usada em banhos e sacudimentos na Umbanda e
nos Candomblés de Angola; porém, não é utilizada em terreiros jêje-nagôs
baianos e cariocas (36).
Em outras tradições das religiões afro-brasileiras, é uma planta que
corresponde à vibração do Orixá Oxalá com intermediação para o Orixá
Yorimá, representada pelo Caboclo Tupy e relacionada ao Exu Sete Capas
(37).
Na natureza, ocorre espontaneamente em locais quentes e ensolarados do
sul do continente europeu, sendo considerada uma planta mágica desde a
Antiguidade, talvez devido ao fato de exalar aroma forte e adocicado.
Pertence à família botânica Rutaceae e seu nome científico é Ruta
graveolens L.. |
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É uma planta perene, subarbustiva, bem ramificada e
crescendo em touceiras (Fig. 1); sua parte aérea é anual:
os ramos do ano são os mais claros e brilhantes, os mais velhos são
acinzentados e mais rígidos. As folhas são carnosas e verde-azuladas ou
acinzentas. Deve ser cultivada a pleno sol e em solo permeável e seco. |
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Fig. 1. Plantas de arruda em seu ambiente natural, região mediterrânea
(38). |
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Nos aspectos etnobotânicos, a arruda já era utilizada pelos gregos e
romanos como repelente de ratos e pulgas, contra indigestão e outras
doenças; também usada em ritos africanos e a igreja católica já utilizou
a arruda para aspergir, em missas solenes, água benta sobre seus fiéis
(39). Foi encontrada cultivada em jardins de residências rurais na
Áustria, onde é chamada de Weinraute (40), e comercializada como
planta medicinal no Peru, conhecida como ruda (41, 42).
Em pesquisa realizada em templos umbandistas de nove estados brasileiros
e do Distrito Federal, a arruda foi apontada com a mais utilizada, uma
vez que é muito utilizada e indicada pelas entidades pai-velho, caboclo,
encantados e exus, tanto durante os ritos quanto em oferendas (Fig. 2),
defumações, etc. (43). |
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Fig. 2. Ramos de arruda compondo oferenda a Exu, Templo da Ordem
Iniciática do Cruzeiro Divino (44) |
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Jurema, Jurema-preta |
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É a planta considerada a mais importante nos rituais de Jurema de Mestres no Nordeste brasileiro; sua casca é utilizada para o
preparo de uma bebida, de origem indígena, também chamada jurema,
composta de vinho moscatel ou aguardente, melado de cana e gengibre; os
índios acreditavam que essa bebida estimulava os sentidos, propiciando
sonhos, estados de êxtase e de encantamentos (45). Também pode ser
chamada de tataré, angico-branco e espinheiro.
Com esta origem ameríndia, “a prática da jurema nordestina,
também conhecida como catimbó, é parte de um longo processo de
transformação e assimilações culturais que se difundem pela região,
sendo encontrada nas comunidades indígenas e no interior de diferentes
religiões afro-brasileiras, como o candomblé, o xangô e a umbanda. A
jurema compõe um complexo de concepções e representações em torno da
planta jurema e se fundamentam no culto de possessão aos mestres, cujo
objetivo é curar os doentes e resolver os problemas práticos da vida
cotidiana, como os infortúnios amorosos e profissionais” (46). |
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Além do uso da bebida jurema, também o fumo é usado na defumação feita com a
fumaça dos cachimbos (Fig. 3), utilizados nos ritos religiosos dos
Mestres da Jurema (47). Em outras tradições das religiões afro-brasileiras, a jurema está ligada
ao Orixá Oxossi com intermediação para o Orixá Yori, representada pela
Cabocla Jurema e relacionada ao Exu Bauru (49). Também pode ser considerada ligada a Ossaim e aos Caboclos (50. |
Fig. 3. Mestre Canindé acostado em Pai Rivas,
durante rito no Centro de Cultura Viva das Tradições Afro-brasileiras
(48). |
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Na natureza semi-árida nordestina brasileira, a jurema é uma
planta arbórea de pequeno a médio porte, espinhosa, bem ramificada, de
pleno sol e resistente à seca (Fig. 4). Pertence à família botânica
Leguminosae e há várias espécies conhecidas como jurema, algumas
consideradas sinonímias botânicas: Pithecolobium tortum Mart.,
Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir., Mimosa hostilis Benth.,
Acacia hostilis Benth. e Acacia jurema Mart. (51, 52, 53). |
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Pesquisas etnobotânicas identificaram que “muitos grupos
indígenas do semi-árido pernambucano consideram a jurema (Mimosa
tenuiflora (Willd.) Poir.) uma planta sagrada, cercada de profundo
respeito e de todo um cerimonial, com as populações dessa planta
tendendo a ser protegidas” (55). Apresenta importante significância
mágico-religiosa para estes grupos indígenas brasileiros e para
afro-descendentes (56, 57, 58). |
Fig. 4. Planta de
jurema na paisagem nordestina brasi-leira, Comunidade Quilombola
do Jatobá, Patu/RN (54) |
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Dracena d’água, Pau d’água, Pèrègún |
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É, provavelmente, a planta mais conhecida e popular nos candomblés do
Brasil, ligada ao Orixá Ogum, e utilizada no àgbo, em banhos, em
sacudimentos e em vários rituais, bem como plantada ao redor da casa de
Ogum, sendo as oferendas a este Orixá colocadas junto às plantas de
pèrègún (59).
Em outras tradições religiosas afro-brasileiras, é uma planta que
corresponde à vibração do Orixá Oxossi com intermediação para o Orixá
Ogum, representada pelo Caboclo Araribóia e relacionada ao Exu Pemba
(60).
Na natureza, distribuía-se originalmente na
África Ocidental, Tanzânia e Zâmbia. É uma planta arbustiva, de
folhas verdes dispostas em rosetas, com
altura de 2 a 6m (Fig. 5);
seu crescimento é limitado quando são cultivadas em água, daí seu nome
comum. Suas flores, arranjadas em inflorescências pendentes, são muito
perfumadas, originando seu termo específico fragans.
Pertence à família botânica Ruscaceae (anteriormente pertencia à
Agavaceae) e seu nome científico é Dracaena fragans (L.) Ker Gawl.
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A variedade ‘Massangeana’, que possui faixas
amareladas em suas folhas, é chamada de pèrègún kò e
pèrègún funfun, ligada aos Orixás Oxumaré, Ossaim e Logun Edé,
utilizada no ritual de iniciação de Oxumaré e em banhos de purificação
(61).
Em termos etnobotânicos, descobriu-se que é uma das plantas utilizadas
pela população do distrito rural de Bushenyi, Uganda, para induzir o
trabalho de parto (63). Também é uma das plantas usadas em
cerimônias de casamento, em encontros
dedicados à feitiçaria e em cerimônias religiosas pela população que
vive no entorno do Parque Nacional Kibale, Uganda Ocidental, África
(64). Também tem uso ritualístico nas religiões afro-brasileiras
(Fig. 6). |
Fig. 5. Plantas de dracena d’água formando uma cerca viva (62)
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Fig. 6. Oparerê, bastão do Babalawô, junto com cabaça,
coquinhos de dendê (ikin´ifá) e folhas de pèrègún, Templo
da Faculdade de Teologia Umbandista (65) |
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Manjericão, Manjericão-grande, Efínrín |
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Planta muito conhecida por suas qualidades culinárias, utilizada em
molhos e massas como condimento aromático, confundida com a alfavaca e
com a manjerona, que são espécies diferentes, mas da mesma família
botânica. Por isso muito dispersa e cultivada na Europa, Américas e
África, e também considerada sagrada nas religiões afro-brasileiras.
Ligada aos Orixás Yemanjá e Oxum, tem suas folhas usadas na
Casa das Minas, culto jêje-mina no estado do Maranhão, e nos candomblés
de origem jêje-nagô (66).
Em outras tradições das religiões afro-brasileiras, é uma planta que
corresponde à vibração do Orixá Yori, representada por Tupanzinho e
relacionada ao Exu Tiriri (67).
Por ser uma planta muito aromática, é utilizada no preparo da água
perfumada que lava os degraus da Igreja de
Nosso Senhor do Bonfim, localizada em Salvador, estado da Bahia. A
devoção ao Nosso Senhor do Bonfim veio de Setúbal, Portugal, no século
XVIII.
Isso
porque, em alguns terreiros das religiões afro-brasileiras, há um
sincretismo com santos católicos: “(...)
Oxossi era São Jorge; Xangô, São Jerônimo; Omolu, São Roque e Oxalá, o
Senhor do Bonfim, que é o mais milagroso dos santos da cidade negra da
Bahia de Todos os Santos e do pai-de-santo Jubiabá. É o que tem a festa
mais bonita, pois a sua festa é toda como se fosse candomblé ou macumba”
(68).
“O líquido é preparado nos terreiros de candomblé de um a sete dias
antes do rito. O perfume vem de folhas e ervas cheirosas, como
laranjeira, manjericão, macaçá e alfazema e de água de levante, explica
a Mãe de Santo Benizaura Rocha de Almeida, do terreiro Luanda Junça
(Salvador, BA). A mistura fica em repouso em uma sala sagrada de culto
para a materialização da força do orixá até ao dia da festa, segundo o
babalorixá (sacerdote) Alexandre T´Ogun Olumaki (Alexandre Soares de
Almeida Sampaio Leite), do terreiro Ilê Axé Ogun Atojá, em São Paulo.
Além de servir para lavar os degraus da capela, a água é usada também
para ungir pelo caminho os participantes que buscam protecção
espiritual. O ritual termina em festa, animada por música e comidas e
bebidas típicas vendidas nas barracas que são montadas ao redor da
igreja. Apesar do clima de confraternização, o
cientista religioso Afonso Soares, da Pós-Graduação da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), explica que este tipo
de equilíbrio entre as duas crenças não é fácil, pois existem atritos
entre as religiões cristãs e as afro-brasileiras. Existem, inclusive,
movimentos no sentido contrário ao sincretismo, que visam separar o
candomblé do catolicismo. A razão para
tal tolerância na lavagem das escadas é que o evento é considerado mais
uma festa profana com forte apelo turístico que um rito religioso,
segundo a prefeitura soteropolitana. O evento reúne todos os anos cerca
de 1 milhão de pessoas, segundo dados da prefeitura de Salvador, e é o
segundo maior da cidade, perdendo apenas para o Carnaval.” (69)
É um dos rituais mais conhecidos e prestigiados em Salvador de
sincretismo religioso entre o catolicismo e as religiões
afro-brasileiras (Fig. 6). Parecido a este é a comemoração a Nossa
Senhora dos Navegantes, relacionada ao Orixá Yemanjá.
Na natureza, o manjericão ocorre nas áreas tropicais da Ásia,
pertencendo à família botânica
Lamiaceae (também chamada de Labiatae) e seu nome científico é Ocimum
basilicum L.. É uma planta arbustiva de até 1,5m de altura (Fig. 7),
aromática e bastante ramificada, florescendo quase o ano todo e devendo
ser cultivada a pleno sol. |
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Fig. 7. Lavagem da escadaria da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim,
Salvador, estado da Bahia, com a água preparada com manjericão, entre
outras plantas (70) |
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Nos aspectos etnobotânicos, o manjericão é utilizado como planta
medicinal e em saladas verdes no Paquistão, chamado de niazbo
(72); pelos vietnamitas, é usado como planta aromática, denominada
húng quế ou rau quế (73, 74); e, pela comunidade quilombola
Senhor do Bonfim (estado da Paraíba, Brasil), também utilizado como
planta medicinal (75). |
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Fig. 8. Planta de manjericão
(71) |
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Considerações finais |
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As plantas possibilitam o religare com as vibrações dos Orixás nas
religiões afro-brasileiras, beneficiando os centros de força ou
chakras e refletindo numa harmonia, estabilidade e equilíbrio
maiores do que antes de utilização das plantas, seja pela visualização,
oferenda, defumação, banho, alimento ou essência.
Procurar se religar com a natureza representada, minimamente por uma
planta, é procurar receber as vibrações dos Orixás que delas emanam,
mesmo sem saber disso. Em tempos de aquecimento global e sequestro de
carbono, as plantas estão sendo mais valorizadas, mas a humanidade ainda
está longe de entender sua plena importância em nossa vida planetária e
para nossa evolução espiritual.
As plantas tratadas neste artigo vieram de naturezas, continentes e
tradições diferentes e continuam sagradas. Arruda da Europa, jurema da
América, dracena da África e manjericão da Ásia representam as matrizes
formadoras do povo brasileiro vindas da
Europa, África, América e Ásia e as escolas umbandistas primevas
indo-européia, africana e ameríndia.
As plantas nas religiões afro-brasileiras são sagradas e seus estudos
etnobotânicos possibilitam a ligação entre a religião e a ciência.
Tem-se muito a pesquisar pois... Kosí Ewé Kosí Òrìsà...Sem folha
não há Orixá! |
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Notas |
|
(1) Alexandra Soveral Dias & Ana Luísa Janeira. Entre
ciências e etnociências. Episteme, n. 20, p. 107-127, 2005.
(2)
Stata Norton.
Lily Y. Beck trans.
De materia
medica by
Pedanius Dioscorides. Hildesheim, Germany, Olms-Weidmann,
2005.
Journal of the History of Medicine, v. 61, n. 2, p.
218-220, 2006.
(3)
Stanley H. Johnston.
The Great Herbal of Leonhart Fuchs: De historia
stirpium commentarii insgnes, 1542.
Brittonia, v. 52, n. 4,
p. ,
2000.
(4) Robin Fisher & Hugh J. M. Johnston. Captain James
Cook and his times.
London: Taylor & Francis, 1979.
(5) Gerald Helferich. O Cosmos de Humboldt. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
(6) Gerd Kohlhepp. Descobertas científicas da expedição
de Alexander Von Humboldt na América Espanhola (1799-1804) sob o ponto
de vista geográfico. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 6, n.
1, p. 260-278, 2006.
(7) Schirlei da Silva Alves Jorge & Ronan Gil de Morais.
Etnobotânica de plantas medicinais. In: M.F.B. Coelho, P. Costa Júnior &
J.L.D. Dombroski (Org.). Diversos olhares em etnobiologia, etnoecologia
e plantas medicinais. Cuiabá: Unicem, 2003, p. 89-98.
(8) Ulysses Paulino de Albuquerque. Introdução à
Etnobotânica. Rio de Janeiro: Interciência, 2005.
(9) Jonh W. Harshberger.
Ethno-Botanic Gardens. Science, v. 7, p. 203-205, 1896.
(10) K. Choudhary, M. Singh & U. Pillai. Ethnobotanical
survey of Rajasthan: an update. American-Eurasian Journal of Botany, v.
1, n. 2, p. 38-45, 2008.
(11) Op. cit.
(12) Alexandra Soveral Dias & Ana Luísa Janeira,
Op. cit.
(13) Ulysses Paulino de Albuquerque,
Op. cit.
(14) S. K. Jain. Ethnobotany: its scope and various
subdisciplines. In: S.K. Jain (Ed.). A Manual of Ethnobotany. Jodhpur:
Scientific Publishers, 1987, p. 1-11.
(15) Rubia Graciela Patzlaff & Ariane Luna Peixoto. A
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v. 16, n. 1, p. 237-246, 2009.
(16) Alexandra Soveral Dias & Ana Luísa Janeira,
Op. cit.
(17) Op. cit., p. 108.
(18)
Francisco Rivas Neto.
Escolas umbandistas: as neutralizadoras do
fundamentalismo endógeno. Disponível em: <http://sacerdotemedico.blogspot.com/2011/01/escolas-umbandistas-as-neutralizadoras.html>.
(19) Op. cit.
(20) Pierre Fatumbi Verger.
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(32) Francisco Rivas Neto,
Op. cit.
(33)
Francisco Rivas Neto. Umbanda: o elo perdido. São Paulo: Ícone, 1994.
(34) Francisco Rivas Neto. Umbanda, a proto-sintese
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(35) Alexandra Soveral Dias & Ana Luísa Janeira, Op. cit., p. 117.
(36)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
(37)
Francisco Rivas Neto. Umbanda: o elo perdido. São Paulo: Ícone, 1994.
(38) Disponível em:
<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/50/Ruta_graveolens_LC0061.jpg>.
(39) Marlene Cardillo Cardoso & Sélia do Nascimento,
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(43) Marlene Cardillo Cardoso & Sélia do Nascimento,
Op. cit.
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(45)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
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(49)
Francisco Rivas Neto,
Op. cit.
(50)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
(51) Op. cit.
(52) Luiz Carvalho de Assunção,
Op. cit.
(53) C.
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(59)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
(60)
Francisco Rivas Neto,
Op. cit.
(61)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
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(66)
José Flavio Pessoa
de Barros & Eduardo Napoleão,
Op. cit.
(67)
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Op. cit.
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Yuri Tavares Rocha (São Paulo/SP, Brasil)
Possui graduação em Engenharia Agronômica (1990), mestrado (1999) e
doutorado (2004) em Geografia, todos pela Universidade de São Paulo.
Atualmente, é professor doutor do Departamento de Geografia/Universidade
de São Paulo, desenvolvendo pesquisas e orientações em Meio Ambiente,
Planejamento Ambiental, Paisagem, Fitogeografia, Etnobotânica, Geografia
Física e Biogeografia. Membro da International Society for
Horticultural Science (ISHS). Membro do Templo Umbandista Ordem
Iniciática do Cruzeiro Divino (OICD). CV disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4792882D7
E-mail:
yuritr@usp.br |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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