REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número especial
Homenagem a Ana Luísa Janeira

 

Ana Luísa Janeira
Foto de José M. Rodrigues

TEREZINHA TAVARES

 

Uma Filósofa em Montemor-o-Novo

Palavras para Ana Luísa Janeira

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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Em busca de silêncios, de novos encontros e de dar um novo sentido à Vida, há doze anos a Ana Luísa decidiu dividir o seu tempo entre Lisboa e esta vasta Planície Alentejana de Montemor-o-Novo.

Este desassossego constante de encontrar novos significados e outras motivações para interpretação da vida leva a Ana Luísa a viajar, procurando descodificar os acontecimentos para os poder escrever. E foram muitos os textos editados que traduzem esta inquietude latente de entender os homens e os acontecimentos deste tempo.

Habituámo-nos a vê-la partir, frequentemente, para vários destinos, como se de uma Caixeira Viajante Solitária se tratasse, levando e trazendo as aprendizagens de cada lugar.

Sem medos, parte e logo encontra Amigos com quem partilha casa, a companhia e a cultura de cada povo. Depois, é através do correio electrónico que as notícias vão chegando e que se alimenta a Amizade.

 
 
 
   
   
   
   
   
   
   
   
   
 
 

Um Amigo traz outro Amigo para o nosso convívio e a partilha recomeça.

E porque há pessoas nas nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples facto de terem cruzado o nosso caminho, fico reconhecida por termos encontrado a Ana Luísa Janeira, que entra e sai das nossas vidas sem ruídos, que sabe escutar e estar atenta. Ela que, de uma forma construtiva, me ajudou nesta longa caminhada de trabalho educativo com crianças.

É que, muitas vezes, quem está no terreno precisa do olhar de quem ensina, estuda e investiga, para poder aferir a forma como o conhecimento teórico se cruza com o prático. Cada vez mais, quem trabalha nestas áreas encontra-se muitas vezes sozinho fazendo o caminho e, por vezes, só precisamos que nos oiçam. Foi o que fez a Ana Luísa: soube sempre ouvir.

Gostava de vir à Oficina da Criança; gostava do lugar, das pessoas, de ver a alegria das crianças a trabalhar nos ateliers na descoberta dos saberes práticos, fazendo e inventando novas formas de modelar o barro ou de pintar.

 Viu crescer muitos projectos. Emocionava-se com a capacidade criativa das crianças. Gostava de conversar com os monitores. Trouxe alguns dos seus amigos. A Oficina foi, durante estes 12 anos, um dos lugares que gostava de frequentar.

Vinha muitas vezes. Surpreendia-se com as dinâmicas desenvolvidas em torno de projectos educativos, em que a criança criativa é capaz de sonhar e de crescer na expectativa de inventar uma nova maneira de tornar este mundo mais justo e mais sensível. E porque a criança nos une e o futuro nos desafia, é por aqui que se tem ajudado a preparar o futuro de Montemor-o-Novo, onde uma filósofa um dia escreveu: 

 

 

Ana Luísa Janeira na Oficina da Criança, em Montemor-o-Novo

 

Nas caves da criatividade

sempre aberta

 a porta dá entrada para mundos que algumas janelas interiores sugerem

mas também para expectativas do imaginário

porque dentro os projectos traduzem a persistência entre coração e mãos

na busca de momentos para o lúdico ou a reciclagem

onde a magia de uma intenção nova desemboca em novo uso.

 

Nas caves da criatividade

o respeito por cada um e o olhar cúmplice das monitoras

mantêm um clima de responsabilidade à mistura com hábitos de trabalho

e uma atmosfera permitida entre certos limites

só os necessários

enquanto os ritmos pessoais são privilegiados

sem constrangimentos de relógios ou classificações

sem normas rígidas ou avaliações

mas pela liberdade a conviver ao lado do outro.

 

Nas caves da criatividade

a criança e o jovem valem por si mesmo

porque recebem atenção para o desejo no meio de tantos outros ritos estruturantes

Magusto – Festa de Natal – Colónia de Férias

Semana Cultural – Praia – Feira da Luz    

quando calendarizam espaços e tempos para o saber e saber-fazer

mas também para ocasiões maiores e festivas da comunidade envolvente. 

 

Nas caves da criatividade

tudo parece natural, instintivo, espontâneo e até fácil

contudo este ar fluido e deleitoso

só é possível por uma organização de fundo

qual batuta a dar sinais subtis na energia e delicadeza do invisível

e uma equipa amadurecida

qual orquestra entusiasmada e afinada

para que as coisas aconteçam com serenidade, leveza e autenticidade

em espaços apetecíveis e retentores de afectos.

 

Nas caves da criatividade

a consonância entre poder local e agentes educativos

demonstra que é fazível uma cidadania alimentada desde pequeno

onde os tempos livres sirvam uma sociedade participativa

aliando conhecimentos e valores

princípios e tolerância

em torno de uma sensibilidade construtiva para o amanhã.

 

Nas caves da criatividade

entra-se por vontade e com vontade de modelagem ou cestaria

para pintar, ler, brincar às casinhas, jogar aos matraquilhos ou ainda no computador

sim

porque neste presente entre o passado e o futuro

há lugar para artesanato como para novas tecnologias

sendo por aí que passa a energia onde a cultura desdobra

formas-de-viver que o adulto irá sentir e recordar

anos depois e sempre com ternura.

                                                Ana Luísa Janeira

 

 

Agora que decidiu deixar Montemor-o-Novo para ir à descoberta de outros lugares, de outras motivações, quero dizer a esta Amiga que fica a lembrança com as marcas de um Tempo.

Terezinha Tavares

 

 

 

Terezinha de Fátima Lopes Tavares, 63 anos, Natural de Lobito-Angola, Tecnica Superior de Serviço Social; Desde 1980 a viver no Alentejo- Montemor o Novo e a trabalhar na Oficina da Criança como Coordenadora e Animadora deste projecto.

 

 

© Maria Estela Guedes
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