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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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Ana Luísa Janeira
Foto de José M. Rodrigues |
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MARIA SÁ XAVIER
Expressão de
uma espacialidade e constituição de um território através do
cortejo do Ticumbi na Vila de Itaúnas, Conceição da Barra,
Espírito Santo, Brasil |
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DIREÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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Este trabalho pode ser apreciado como pequenos recortes de leitura de
uma investigação sobre espacialidades na Vila de Itaúnas, Conceição da
Barra, Espírito Santo, Brasil. De fato uma comunicação breve sobre a
minha tese de doutorado defendida em janeiro de 2009, na Universidade
Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. A tese está
intitulada como: “Ticumbi e a arte de curar na Vila de Itaúnas,
Conceição da Barra, Espírito Santo, como expressões de espacialidades _
2008. Esta comunicação pretende homenagear a filósofa, professora
interdisciplinar e incentivadora de trabalhos sobre leituras de
espaço/tempo e fazeres com saberes – Ana Luisa Janeira. |
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1-Tempo/espaço na Vila: a vila antiga e a vila nova |
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O distrito da Vila de Itaúnas situa-se ao norte do município de
Conceição da Barra, Espírito Santo, Brasil, numa área de planície
litorânea, entre alagados, segundo Ferreira (2002). O distrito conta com
uma população estimada de 2.800 habitantes, área rural e urbana. A Vila
possui um conjunto de grande beleza paisagística com dunas, praias, rio,
alagados, e fragmentos de Mata Atlântica (FERREIRA, 2002). A Vila (área
urbana) tem estimada uma população de 1.500 habitantes, sendo que em
alta temporada de verão ela chega a receber cerca de 60 a 70 mil
turistas, por temporada. A particularidade da Vila é que parte do seu
território foi (re) definido nos anos 1990, como uma Unidade de
Conservação de uso restrito, o Parque Estadual Itaúnas - PEI. O rio de
cor escura que banha a Vila e empresta-lhe o nome se chama Itaúnas,
sendo que o vocábulo Itaúnas tem origem tupinikin (povo tupi, JOGAIB,
2005) e significa “itá ou Y-tá, o que é duro, a pedra, o penedo, a
rocha, o seixo, o metal em geral, o ferro”; e “una, adjetivo negro,
preto, escuro”. Escuras são as pedras que cobrem o leito do rio e
afloram também na praia, criando um local protegido para entrada e saída
dos pescadores. A Vila tem um histórico interessante com um antes e
depois de um “soterramento”. Conta-se que a Vila Antiga situava-se na
restinga, entre o rio Itaúnas e o mar. Por algum motivo e de acordo com
várias lendas, neste trecho a vegetação original foi retirada. Com a
areia solta, e ação dos ventos nordeste e sudeste inicia-se o
soterramento da Vila Antiga na década de 1950. O provável início do
soterramento em 1925, e 1956 o soterramento parcial da Vila. Em 1942 a
Vila passa a ser objeto de investigação em razão do soterramento, e em
1949 ocorre à criação da Reserva Florestal do Riacho Doce, dentro do
distrito de Itaúnas, na divisa do Espírito Santo e Bahia. Em 1960 a nova
Vila de Itaúnas passa a ser construída, e o soterramento da Vila antiga
é consumado na década de 70 (FERREIRA, 2002). O “acontecimento”
soterramento deixa como o legado as dunas móveis, os alagados e a Vila
atual com seu arruamento. A Vila sempre teve um ambiente religioso
forte, marcado por suas festas religiosas, sendo a principal a de São
Sebastião e São Benedito (19 e 20 de janeiro). O Ticumbi é um encontro
de congos que ocorre em homenagem aos dois santos, mas especialmente São
Benedito. A forte religiosidade afrobrasileira vem reforçar com a
religiosidade católica o catolicismo popular, tendo a imbricação do
sagrado e do profano como fator preponderante, como encontrado, em
geral, por todo o Brasil (XAVIER, 2009). |
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2- O Ticumbi como expressão de uma espacialidade |
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Tradicionalmente o folguedo ou “brincadeira” do Ticumbi é composto por
um determinado número de integrantes e se realiza em comemoração a São
Benedito. A encenação conta com os seguintes personagens: o rei Congo, o
rei Bamba, seus secretários respectivos e o corpo de baile de cada
nação, representando os guerreiros. O enredo do auto se desenvolve em
torno da disputa entre os dois reis que querem fazer, separadamente, a
festa de São Benedito. Os desafios são atrevidos e provocativos,
declamados pelos secretários, entretanto dentro da tradicionalidade, as
questões tratadas em versos são sempre atualizadas. O Ticumbi é uma
categoria inventada por Luiz Guilherme Santos Neves, historiador e
folclorista capixaba para diferenciar o congo da região do norte do
Espírito Santo dos outros congos. Esta é considerada uma das mais
importantes manifestações do folclore capixaba, sendo que, o termo pode
ter sido usado numa corruptela do Cucumbi (nordeste) e Cacumbi (RJ). O
mestre Santos Neves trocou o nome original de Baile de Congo por Ticumbi
(MEDEIR0S, 2008, e comunicação pessoa, 2008). Na Vila de Itaúnas, a
maioria o trata como brincadeira do Ticumbi. Nesse sentido, aqui
apresento o Ticumbi enquanto uma instituição social da Vila de Itaúnas –
uma associação hierárquica, com identidade religiosa, mas não só, que
apresenta sua fé. Este encontro de congos manifesta-se em comemorações,
entre outras, e ensaios, rituais e festejos de São Benedito e São
Sebastião, sendo o último padroeiro da Vila de Itaúnas. Podemos dizer,
assim, que o Ticumbi é a expressão de uma espacialidade, um ethos, uma
cultura, de um estar no mundo dos nativos da Vila. Está para além de um
simples folclore, e tem expressão política. Opera uma territorialidade,
inaugura um território (XAVIER, 2009). |
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3- Um olhar sobre o território e territorialidade na Vila de Itaúnas |
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O ritual de festa do Ticumbi, nos primeiros dias de janeiro, marca um
recomeço e transforma os lugares comuns de Itaúnas, em locais sagrados –
uma hierofania (manifestação do sagrado) marcados por fortes rituais de
grande expressão cultural identitária (ROSENDAHL,2008a,2008b). É onde o
território aparece como o encarnador da cultura, segundo Aureanice
Côrrea (2004, 2008); neste sentido o território favorece o exercício da
fé e da identidade religiosa do devoto. Aqui vamos compreender a
territorialidade como uma ação promovida por seus agentes na relação com
o mundo, revelando uma estratégia geográfica poderosa com a finalidade
de influenciar e controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando
uma área como seu território (este pode ser ativado e desativado) (SACK,
1986). Na verdade, sãos os meios pelos quais espaço e sociedade estão
relacionados num dado tempo histórico percebido (SOUZA, 1995). O autor
Muniz Sodré (1988) opera com a idéia do território enquanto um
espaço-lugar, algo referendado pela história e pela memória dos agentes
que o construíram. Ele ainda nos mostra como que o estar-no-mundo do
sujeito humano é espacial, numa referência ao pensamento do filósofo
Heidegger. Nesse sentido, a territorialização (organização das coisas no
espaço) na Vila de Itaúnas é dotada de força ativa e simbólica e podemos
inferir que a territorialidade (essa ação) é um dado subjetivo e
relacional, que pode ser conhecido e reconhecido através de suas
diversas formas e expressões, como um patrimônio cultural. Este
patrimônio se apresenta como material ou ideal no saber local. Penso que
a territorialidade está para além de uma expressão de poder, pois na
Vila ela aparece como uma estratégia e tática fortemente dependente de
relações e posições de seus agentes sociais. Nesse sentido e nesse
trabalho, na Vila de Itaúnas, o Ticumbi se apresenta mais como uma
tática e estratégia de inserção e controle, de reafirmação de um
território – âmbito da arte política, do que um folclore religioso (como
querem alguns) (XAVIER, 2009). |
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4- As redes de afeto na Vila de Itaúnas. |
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Na Vila de Itaúnas encontramos uma rede social que denominamos de “rede
de afetos”. A metáfora-imagem ou ainda representação da rede existe
desde a Grécia antiga, em várias sociedades humanas em suas
manifestações mitológicas. A imagem do tecer do tecido, da malha, do
entrelaçamento dos fios formando a trama, inspira e representa o
simbolismo da interconexão (DI MÉO, 2001). Essa figura se apresenta até
nos nossos dias, como na cibercultura das redes sociais virtuais, ou
ainda a rede ou malha rodoviária, ferroviária, telefônica e etc., apenas
para citar. Na Vila a rede se contata através das diferentes formas ou
intensidade das relações sociais num determinado campo social –
parentesco, amizade, vizinhança e religião. Essas relações se dão em
torno da organização e ensaio dos grupos de Ticumbi, culminando com os
festejos que duram cerca de três dias, sendo que amparam e estruturam os
grupos que se apresentam. Posso inferir que a rede de afetos tem
características de movimento social identitário, posto que seja uma
estratégia de ação religiosa que também é política. Este movimento
social faz surgir e mantêm uma Instituição – a Instituição do Ticumbi,
onde se afirmam e reafirmam valores e mantém a tradição afrobrasileira
dos itaunenses, suas raízes, suas origens. Essas redes se dão por meio
das conexões, que estabelecem os nós e constroem suas espacialidades
através e nas relações dos sujeitos na rede. Os nós podem ser
representados pelos festeiros. Os festeiros são aqueles que arcam com as
despesas econômicas das festas, sendo doando animais para rifa, leilão,
ou mesmo com gêneros alimentícios para a refeição dos participantes.
Além destes últimos, há festeiros obreiros que tem menos visibilidade
social, mas também fazem seus agrados, doa sua mão de obra, e contribuem
para a festa, para o ensaio, sendo que cada qual com o que pode. Na
Vila, cada Ticumbi tem um itinerário (é um fio), um ou mais festeiros
(nós) e o conjunto dos Ticumbi é a própria rede de afeto constitutiva de
solidariedade expressa espacialmente, i.é., na sua espacialidade
(XAVIER, 2009). |
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5- Mapa interpretativo: um modo de se conhecer o espaço. |
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Um mapa é uma representação do território, mas não uma representação
passiva. Ele expressa, apresenta uma concepção do mundo, uma organização
do mundo vivido, do espaço vivido, mas também do espaço imaginário. Mapa
representa poder e conhecimento do território vivido, uma cosmovisão, e
essencialmente uma representação cultural (cf. SEEMANN, 2006; HOLZER &
HOLZER, 2006). Os indivíduos – agentes sociais – criam um modelo mental
de como o mundo funciona e este se altera quando novas informações são
adquiridas (cf. CORREIA; SÁ, 2009). Através dos mapas buscamos
compreender como a comunidade constrói seu espaço/lugar e morada através
de suas redes sociais. Para tanto foram construídos dois mapas: um mapa
mental, com ajuda de um nativo da Vila, um rapaz de 16 anos. Baseado no
mapa mental foi construído um mapa chamado de “interpretativo”, posto
que tenha sido ancorado nas experiências e experienciações do trabalho
de campo (etnogeografia). O mapa mental apresentado buscou, num primeiro
momento, representar no espaço social da Vila a localização da moradia
das principais referências socioespaciais, incluindo os seus
geossímbolos (cf. BONNEMAISON, 2002). Como referências sociais de um
tempo/espaço foram identificadas: Posto de Saúde, Igreja de São
Sebastião e seu anexo, Igreja de São Benedito (não oficial), Praça com
seu tronco de Pequi Vinagreiro ao centro, Posto Policial, Pousada Dunas
(primeira pousada a Vila), a Escola Benônio Falcão Gouveia, Cemitério,
Campo de Futebol, Casa do Cidadão (onde funciona o correio), casa da
Associação de Pescadores, Forró Buraco do Tatu, Bar Forró (o mais antigo
forró), Quadra de Esportes, Posto Farmacêutico, o Restaurante da D.
Teresa, Restaurante da Pedrolina (irmã da dona Teresa). No mapa
“interpretativo” buscamos demonstrar tanto o trajeto da procissão que
traz a imagem de São Benedito, através Rio Itaúnas, para os festejos,
como também o trajeto da procissão de São Sebastião que percorre toda a
Vila, voltando para a Igreja matriz. O local do encontro de congos nas
brincadeiras do Ticumbi e do Reis de Boi, o local da apresentação do
Alardo (encenação de uma batalha medieval entre mouros e cristãos), em
homenagem a São Sebastião e São Benedito. Representamos também a casa
dos principais festeiros do Ticumbi. Os dois mapas e as fotos que
ilustram esses recortes são apresentados aqui como anexos. |
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Fig.
1 -
Chegada da imagem de São Benedito no rio Itaúnas |
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Fig. 2 -
Mapa interpretativo: visão da espacialidade dos cortejos
na Vila |
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Fig. 3 - Cortejos na igreja de São Sebastião |
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Fig.
4 - Ticumbi |
Fig.
5 - Ticumbi, imagens de santos |
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Fig. 6 - Geossímbolos |
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Fig. 7 - Itaúnas, vista aérea |
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Fig. 8 - Ticumbi |
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Fig. 9 - Mapa mental |
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Bibliografia. |
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XAVIER, Maria A. de Sá. Ticumbi e a arte de curar na Vila de Itaúnas,
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2008. Tese de doutorado. Programa de Pós Graduação em Geografia. Niterói,
RJ:Universidade Federal Fluminense, 2009. |
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Maria Aparecida de Sá Xavier (Abre
Campo, MG, Brasil)
Professora – Pesquisadora do Mestrado Gestão
Integrada do Território – Universidade Vale do Rio Doce – Governador
Valadares – Minas Gerais – Brasil. Publicou «Fazeres com saberes de cura
numa comunidade piscatória caiçara. Paraty, Rio de Janeiro, Brasil».
Apenas Livros, Lisboa, Portugal.
Farmacêutica Homeopata - CRF: 6931-RJ
Especialista em Planejamento Ambiental -PGPA-UFF
Mestrado em Ciência Ambiental - PGCA- UFF
Doutora em Geografia Humana - PGGeo-UFF
http://lattes.cnpq.br/484477092339085
airamxavier@yahoo.com.br |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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