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A
Agenda contém inúmeras menções a aspectos do passado que são referências
essenciais.
Assiste-se hoje a uma Trivialização da Cultura, reduzida a fonte de
entretenimento e diversão, com as eventuais necessidades intelectuais e
do espírito a serem alimentadas por informação processada,
essencialmente através das tecnologias contemporâneas. Devemos
perguntarmo-nos, tal como o poeta T. S. Eliot [2], prémio Nobel da
literatura de 1948: “Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?”
Esta
nova cultura de informação indiscriminada, prazer e autonomia, obtida
por meios tecnológicos actualmente disponíveis e potenciada pela sua
crescente interligação, é compulsivamente apelativa para a Juventude,
tornando-se a substância da sua vivência diária, centrada numa Realidade
Virtual e com profundos reflexos no processo de Socialização.
Neste domínio, a Escola tem papel relevante. Além do objectivo evidente
do Desenvolvimento pessoal, compete-lhe contribuir para a inserção das
novas gerações na vida comunitária. Aliás, terá sido esta a função
principal que lhe foi confiada, quando o sistema formal de educação foi
estabelecido. A Sociedade delegou-lhe então, de forma institucional, a
Transmissão do Saber, a Preservação e Criação Cultural. Neste contexto,
disciplinas em que a Ana Luísa participou durante muitos anos,
História da Ciências, Filosofia das Ciências, Sociologia das
Ciências, não só cumpriram aquela função da Escola, como contribuíram
para a formação de muitos grupos de alunos.
Com o
evoluir da dimensão e complexidade das diversas áreas curriculares, a
necessidade de fornecer o Conhecimento e Informação específicos foi
ocupando os meios e o tempo de ensino, reduzindo drasticamente, ou mesmo
eliminando, a outra competência outorgada. Este desajustamento entre as
duas missões, é, muito provavelmente, uma importante causa da acentuada
degradação cultural que se testemunha, nomeadamente de valores e
convicções e no nascer de sub-culturas ou mesmo contra-culturas
preocupantes.
No topo
da pirâmide do sistema de Ensino Formal, compete à Universidade ponderar
seriamente um correcto balanceamento entre a formação Técnica e
Humanística, valorizando o “Fazer” sem esquecer o “Ser” e ter um papel
impulsionador na adopção de medidas adequadas para os outros níveis de
escolaridade. Uma Educação estética desde os primeiros anos de
escolaridade contribuirá, decisivamente, para apreciar valores ao longo
da vida, assim como uma formação Filosófica, desde os últimos anos do
Secundário (e prolongável ao Superior) seria um factor de harmonização
entre as principais componentes culturais.
De
algum modo, estas preocupações estão vertidas no Manifesto produzido
pelos embaixadores do Ano Europeu da Criatividade e Inovação (2009),
personalidades nomeadas de reputado mérito nas áreas da Cultura,
Ciência, Economia, Educação e Design: “...Progredir com sabedoria
implica o respeito pela história e pelo património cultural. Todo o novo
saber assenta no conhecimento do passado e, na sua maioria, as
inovações são combinações de elementos já existentes. Plena de
respeito pela memória colectiva e individual, a cultura é importante
para não perder o rumo neste mundo em constante mutação. ...”.
Manifesto que contribuirá para enformar a estratégia comunitária nesse
domínio até 2020.
Embora
com algumas condescendências para o clima civizacional hodierno,
registe-se o notável progresso face aos postulados do que ficou
conhecido por estratégia de Lisboa que basicamente concebia a Educação
como um “serviço” e o Conhecimento como um vago amontoado de
“competências” para um desempenho competitivo, ao fim e ao cabo, em prol
dum pragmatismo criador de “cidadãos operacionais” para o mercado de
trabalho. Curiosamente, a “produção” já excede as necessidades de
procura, com as dramáticas implicações no desemprego, precariedade
laboral e ocupação de posições que não requereriam as qualificações
adquiridas.
No
preâmbulo dos recentes Estatutos da FCUL (2009) pode ler-se “A
Faculdade assume como missões principais o ensino, a investigação e a
transferência do conhecimento e da inovação nas áreas das ciências
exactas e naturais e das tecnociências, bem como a produção, a difusão e
a partilha de culturas, estimulando a abertura permanente à sociedade
civil, através da disseminação de conhecimentos e da interligação com os
agentes sociais e económicos”. No que se refere à 1ª missão, é
seguramente importante estimular a Sensibilidade da Sociedade, que a
Escola integra, para os assuntos de índole científica, de modo a criar
na cidadania uma correcta compreensão da necessidade da actividade nessa
área, combatendo o declínio no interesse das novas gerações a abraçar
profissões e carreiras no universo científico. Com efeito, após décadas
em que a Ciência se constituíu como paradigma cultural e a sua
aprendizagem era motivo de orgulho, a imponderada e incorrecta aplicação
política dos frutos da utilização da Ciência, que designamos por
Tecnologia, conduziu a um gradual afastamento dos cursos científicos,
com particular incidência na área da Química.
A
missão “a produção, a difusão e a partilha de culturas” refere-se
à Cultura Científica. Embora seja difícil definir Cultura Cientìfica,
poderá, no entanto, entender-se como um conjunto específico de Valores,
Normas e Práticas que norteia a comunidade da Ciência. (O conceito deve
também incluir todos os mecanismos através dos quais os indíviduos e a
Sociedade se “apropriam” da Ciência e Tecnologia). A Prática mais
amplamente reconhecida é o Método.
O
Método Científico, só por si, não é suficiente para estabelecer as
nossas convicções e apreciar os valores de outros domínios culturais.
Não se compreende uma grande obra literária atravès da Observação e
Experimentação; não se usufrui de uma magnífca sinfonia musical por meio
de uma investigação acústica; não há o sentimento de maravilha com uma
escultura ou um quadro notáveis, fazendo a análise do bronze (mármore)
ou tintas empregues na sua manufactura.
Mesmo
no que respeita à difusão, deve enfatizar-se a abissal diferença entre
Cultura e Popularização Científica. Esta é muitas vezes transmitida de
forma reprovável, por mistificadora e sensasionalista. Felizmente, cada
vez são mais os actores do mundo científico que combatem esses perigos,
dedicando tempo e esforço para uma divulgação de qualidade junto do
grande público, contribuindo para um grau de aculturação superior,
eliminando a confusão pseudo-científica (que é quase sempre componente
essencial da Popularização). De notar que todas as formas de
Criatividade têm as mesmas raízes humanas: Curiosidade, Imaginação,
Sentido do Belo, Memória e capacidade para sonhar. Assim, as pontes de
ligação entre Ciência e Cultura (Artes e Humanidades) são efectivas.
Longe vai a controvérsia das duas Culturas.
As
interações entre Ciência e Cultura assumem várias expressões: Artistas
sempre colaboraram na ilustração de obras científicas; Escritores
produzem biografias de eminentes Cientistas; temas científicos são fonte
de inspiração para cuidadas novelas, peças de teatro, interessantes
quadros e esculturas; personalidades da área científica revelam
apreciável qualidade no campo literário (poesia, romance, por ex); a
Ciência disponibiliza meios e técnicas para caracterizar, datar e
autenticar os frutos da criação artística; as Neurociências estão a
dedicar significativo esforço de investigação aos processos cerebrais de
percepção, cognição e criação de Arte; têm aumentado os eventos
(Simpósios, Exposições) e as publicações conectando as Humanidades e as
Ciências. Um relevante exemplo é Science and the Artist's Book,
uma exposição que explora as ligações entre a criatividade científica e
artística através do formato de livro. Resultado da iniciativa conjunta
das Smithsonian Institution Libraries e do Washington Project for the
Arts (WPA) que, em 1993, convidaram um grupo de reconhecidos artistas de
livros para criar novos trabalhos de arte baseados em volumes clássicos
da colecção da Heráldica da Ciênciais da Dibner Library of the History
of Science and Technology, (parte da Smithsonian Institution Libraries'
Special Collections). Os livros dos artistas, cada qual inspirado por um
assunto, teoria ou ilustração dos marcos dos trabalhos da ciência, com
os quais se comparam, oferecem visões divertidas, imaginativas ou mesmo
emotivas do lado criativo da Ciência. O conteúdo cobre muitas áreas, por
exemplo para a teoria dos sons, pode ver-se a marca heráldica e o
fantástico resultado de fotografar padrões de ondas sonoras usando
areia, corda de violino e pratos metálicos, muitas vezes sobreponível
aos diagramas originais concebidos 200 anos antes. Também na área da
Química, o celebrado trabalho de Volta, origina um modelo para as
interacções sociais analogo à troca de electrões que ocorre numa bateria
(usando as palavras “given-dado” e “gained-ganho”, “set-colocado” e “sought-pretendido”).
Outros
exemplos das fortes interações da arte com a ciência, incluem a pintura-
como no caso de capas de números da Nature (2003), que mostram famosos
trabalhos de Julie Newdoll, artista junta “ vida, ciência e cultura,
mitos e moléculas” nos seus quadros, tendo a obra designada como “brush
with Science”- e também a literatura, existindo diversas publicações
periódicas e textos escritos por artistas plásticos que relacionam a
linguagem visual com aspectos cientificos. Um trabalho conhecido e bem
aceite é o do pintor australiano Wayne Roberts [3], que inspirado na
música e nas suas escalas, desenvolveu uma interessante teoria que
involve profundos conceitos de matemática e geometria. Incluo neste
domínio as inúmeras obras que a Ana Luísa Janeira tem publicado.
Permito-me destacar uma das mais recentes, da coleccção “marcas das
Ciências e das Técnicas”, que dedica 2 volumes aos “eixos e
configurações de Lisboa”, designadamente “A Configuração de Santana e o
Eixo do Rato ao Chiado” e “Alcântara, Ajuda e Santa Maria de Belém”.
Não
obstante estes muitos sinais de interacção, não encontramos completa
correspondência na estrutura curricular do Ensino Superior. No panorama
vigente, hoje mais restrito pelo processo de Bolonha, é uma mais valia
para a FCUL a existência da Secção Autónoma de História e Filosofia das
Ciências e de cursos e disciplinas ministrados pelos docentes que a
integram, entre eles a Ana Luísa Janeira (responsável pelas unidades
curriculares (1º ciclo) “A Ciência e as Cidades” e “Conhecimento
Científico e Técnico em Portugal”.
Durante
muitos anos a Ana Luísa Janeira pertenceu ao Departamento de Química e
Bioquímica, e desse tempo recordo outro seu envolvimento. Nos
anos 80 foi criada a licenciatura em Química Tecnológica. As
preocupações da Ética da Ciência e Tecnologia entraram em fase
crescente, como testemunha a existência da “Division of Ethics of
Science and Technology” da UNESCO. Pretendendo incutir nos estudantes
que o Avanço da Ciência e Tecnologia deve ser feito num enquadramento de
respeito pela dignidade e direitos humanos, solicitei a preciosa
colaboração da Ana Luísa para introduzir na nova licenciatura uma
componente de humanidades, que balanceasse a exclusiva carga de
disciplinas de âmbito científico. Com a generosidade e o entusiasmo que
lhe reconhecemos, a nossa Colega propôs e leccionou vários anos a
disciplina de “Ética das Ciências e das Técnicas”. Nos textos da época,
relacionados com a disciplina, podemos encontrar frases como “Quando
relacionados com as ciências e técnicas, o bem e o mal, os valores e as
normas requerem uma inteligibilidade que não pode desculpar fugas à
realidade envolvente” ou “A pergunta sobre o desenvolvimento que
queremos, porque não é qualquer um que nos convém, implica perguntas
sobre a dialética entre sociedade, ciências e valores” que ilustram
como foi possível integrar a Ética, a História, a Filosofia e o Impacto
cultural da Ciência. A disciplina durou até ser engolida na voragem de
reformas e re-estruturações, mas deu frutos – alguns alunos de então
realizam hoje trabalho de investigação em campos afins. Estou segura que
a Ana Luísa Janeira nunca se arrependeu do trabalho dispendido e estaria
sempre disponível para travar os mesmos combates contra a
insensibilidade ou indiferença gerada por um Cientificismo acrítico. Na
minha opinião, a Ética e a responsabilidade da Ciência deve(ria)
ser parte integral da educação e treino de todos os cientistas.
Esta
citação [4] parece-me a mais adequada para agradecer e felicitar a
Colega e Amiga de tantos anos: “Uma Academia de Ciências é a consciência
do mundo científico, e mais ainda, é a consciência científica do mundo”. |