Fiz então uma listagem de possíveis
entrevistados, começando por pensar nos mais acessíveis, ex-colegas que
vim a reencontrar mais tarde na Universidade de Évora como por exemplo a
Alexandra Dias e a Celeste Silva do Departamento de Bióloga e o João
Castro (que está no Pólo de Sines) ,e outros que vou contactando como a
Isabel Freire (também professora na Universidade de Lx) ,e os com quem
pouco contactei desde então, como a Vanda. Há ainda o que náo tendo
sido meus colegas directos contactei através da Prof Ana Luísa, como a
Alexandra Escudeiro..) . Cheguei a perguntar a prof Ana Luísa por
outros nomes de ex-alunos que pudesse entrevistar e fui acrescentando
á lista.. a Clara Pinto Correia., o José Manuel Fernandes.. o Humberto
Rosas..o Saul..
Entretanto no meu primeiro contacto, a
Alexandra Dias, percebi que algumas pessoas já estariam envolvidos na
escrita de depoimentos sobre a Prof Ana Luisa ...) . Assim, apesar da
ideia ser interessante percebi que a lista não seria tarefa fácil
de constituir de uma forma representativa e que a tarefa iria ser de
difícil execução no espaço curto de tempo que tinha.. Decidi por isso
centrar-me entre mim e a professora Ana Luisa e fazer afinal o
testemunho uma aluna, amiga e ao entrar nas lides de professora
Universitária também colega que partilha a inquietação
interdisciplinar que foi, tem sido, um pano de fundo entre nós e
motivo de grandes conversas e reflexões ..
Creio poder afirmar que partilhamos a
ideia de que a interdisciplinaridade não é uma mera conjugação ou um
confronto de disciplinas autónomas…mas implica produzir novos
conhecimentos que exigem uma base comunicacional cuja fluidez passa
pelo estabelecimento de uma boa rede de afectos entre as pessoas
ligadas aos diferente saberes…implica uma atitude de abertura , uma
capacidade de experimentar, correr riscos … Sobre a importância da
afectividade questionávamo-nos até se um coordenador de projectos
científicos para liderar um grupo não terá de ser primeiramente um
gestor de afectos.
Ainda está por cumprir aquele esboço de
projecto que pensamos fazer juntas em que a hipótese de trabalho..ou
ponto de partida seria a afirmação de que : “náo há
interdisciplinaridade sem afectividade”.. uma síntese que emergiu de
análises de processos de grupos com propósitos interdisciplinares em
que fomos percebendo que se faltava esse factor de gestão de afectos,
falhava também a boa comunicação cientifica que leva á construção de
novos saberes...e identificámos que este é um dos aspectos que muitas
vezes náo é discutido nem considerado explicitamente mas que acaba por
ser uma das condições da interdisciplinaridade..
Voltemos então ao meu percurso de ex-aluna.
Comecei a andar à volta das memórias e á volta de papeis ligados a
essas memórias..
Olhando agora com distância para aqueles
anos setenta agitadíssimos com ..imensos alunos, percebe-se que a
própria circunstncia criou uma necessidade de se encontrar novas formas
de organização, tantos dos recursos humanos como dos espaços, como na
forma de organizar o currículo. Sentia-se uma criatividade nesta
mobilização de pessoas e meios. Nesse caldo experimental fiz a
primeira disciplina com a professora Ana Luísa Janeira…(Historia e
Filosofia das Ciências) e tenho a memória de uma sala cheia de posters
com os nossos trabalhos…e era já aí diferente a forma como os fazíamos
e apresentávamos...
Interrompi o curso de Biologia para
fazer o Curso de Educação pela Arte e os anos oitenta são marcados por
um reingresso agora na postura de estudante trabalhadora …
Curiosamente este ano, no dia em que a
Primavera chegou e se comemorou o Dia da Árvore ,talvez por andar com a
preocupação desta intervenção, a efeméride fez-me recuar muito anos
atrás e vem-me uma imagem da Professora Ana Luísa Janeira sentada numa
escola de Ensino Especial então na Alvares Cabral , a Crinabel , a ver
uma grupo de crianças a fazer uma apresentação do dia da Arvore.. Corria
o ano de 1983 . Eu tinha reingressado no Curso de Biologia depois de
ter terminado o curso de Educação pela arte que me levara a trabalhar
com as expressões artísticas e naquela fase com Crianças deficientes.
Quando anunciei na Escola a presença de uma professora da faculdade de
Ciências a situação por si só não soou a vulgar mas mais invulgar foi
o facto da apresentação fazer parte de um trabalho para uma disciplina
do curso de Biologia. O tema que escolhi tratava do dia da Árvore e
incluía a dinamização pratica com crianças das chamadas classes
sensoriais ( com deficiências múltiplas do foro cognitivo , sensório-
motor, neurológico), em boa verdade eram as crianças da Escola que
apresentavam as maiores dificuldades e esse desafio que me permitia
“ligar “ questões profissionais e académicas em campos tão
diferentes estava a ser-me dado numa disciplina e por uma professora
especiais , uma professora que me proporcionou a liberdade de
experimentar..e reflectir num outro contexto mobilizando conhecimentos
e competências tão diversificados, que soube identificar o que eu
poderia fazer potenciando e valorizando o que eu estava a fazer
noutro domínio; que se deslocou do seu espaço e do seu território e
teve curiosidade de ir aquela Escola .. e deu o seu tempo e a sua
atenção…eu senti isso como uma outra forma de fazer Universidade... num
tempo em que não existia ainda o discurso de abertura ao exterior que
hoje quase se tornou banal.Para mim na altura foi muito transformadora e
enriquecedora esta possibilidade de ousar uma incursão noutros campos e
de me mover eu própria entre ciência, arte, educação, reeducação, que
afinal têm para mim a base comum dos afectos, os afectos tanto pelas
pessoas como pelos temas, como pelos espaços; os afectos como mola
mobilizadora.. que incentiva uma outra atitude, uma outra
disponibilidade, a tal inquietação que não nos deixa instalar num saber
já feito. A parte escrita desse trabalho começava com uma citação de
de Etienne Souriau “il y une chose qui l`on cherche toute sa vie qu`on
ne trouveras jamais”…(nas buscas que fiz na minha papelada encontrei o
trabalho . O certo e que ainda me sinto na busca … á procura da “ chose…”).
Em 1985 nova interrupção no curso de
Biologia agora com a minha entrada na Escola Superior de Educação do
Porto para a área de expressão dramática. E em 1986 surge a
possibilidade de ir para Inglaterra fazer um mestrado: havia que pedir
uma bolsa, ter cartas de professores e lembro-me bem de ir bater à porta
da Rua Barjona de Freitas..
(e agora ao reler os pareceres vi a tal
referencia ao trabalho feito na Crinabel pelo que terá ficado na memória
da ambas)…
E desde então e embora seguindo caminhos
diferentes nunca mais as nossas vidas se deixaram de cruzar, tendo-nos
permitido “filosofar” sobre tudo, sobre a universidade, sobre a
politica, sobre o conhecimento, sobre as relações, sobre a
interdisciplinaridade…
Em 1992, já doutorada passo a integrar o
Corpo docente da Universidade do Minho, embora noutro campos (das
Expressóes Artísticas Integradas) mas não demorou muito que voltasse a
estar envolvida nos projectos da professora Ana Luísa Janeira com
aquela forma especial que ela tem de nos saber implicar e tornar
cúmplices de novas aventuras…recordo a azáfama do projecto Cultura
Natura (coordenado pela Prof Clara Queiroz que com toda a estrutura
mobilizadora da Ana Luísa reunia imensos investigadores das mais
diversas áreas). O projecto não foi financiado ( a Jnict desse tempo
não encorajou uma aventuras interdisciplinares daquela dimensão) mas a
inquietação ficou… e mesmo sem financiamentos e mais uma vez com a mola
dos afectos a mover-nos criámos o nosso Núcleo Interdisciplinar em
Braga, “Natureza e Arte”, inspirados pela Ana Luísa..e e de certa forma
ligados e a esse punhado de gente de áreas tão diferentes que ela
sempre soube “ligar”, mobilizar …identificando o potencial de cada um…e
os contributos que podem dar a um determinado projecto..
Há aquelas frases da professora Ana Luísa
que ficarão retidas em mim.. (embora nem sempre consiga exercer) como
“É preciso tempo para PENSAR”.
Colada a essa gestão de afectos está
esse outro “must” do trabalho interdisciplinar, o tempo para pensar,
pensar como ligar as pessoas, os conhecimentos e como mobilizar as suas
especificidades...
Em 1996 com a minha
mudança para a Universidade de Évora e mais tarde da Professora Ana
Luisa para Montemor, tivemos outros cruzamentos como o “Colóquio de
Museus , Ciência e Arte que culturas para o sec XXI?” , organizado pelo
CICTSUL entáo coordenado pela Professora Ana Luisa em que o Movimento
Português de Intervenção Artística e Educação pela Arte, foi
co-organizador . Esta foi uma parceria de visóes interdisciplinares dado
que o Movimento de que sou Presidente, nasce de uma abordagem
interdisciplinar das Artes que defende uma filosofia da educação
artistica que almeja em termos de educação pela arte formar um
individuo mais criativo e actuante sob o ponto de vista social e
cultural , atento e aberto á sua propria transformação. Na minha
prática interdisciplinar tenho vindo a utlizar o termo integração das
expressões artísticas e temo-nos preocupado com uma perspectiva
Holistica da pessoa o que foi implicando uma pesquisa de métodos e
técnicas vindas de áreas diversas do conhecimento como arte, da
psicologa da pedagogia, terapia e em que fui buscando tambem
contributos de uma vertente espiritual (bem sei que esta questão náo é
tão pacifica entre nós e nas nossas discussões a prof. Ana Luisa
defendia que a espiritualiade está numa outra dimensáo e que náo se pode
misturar...mas este náo será um ponto de discussáo neste meu depoimento.
O que quero aqui relevar foi a experiencia de envolvimento que este
tipo de organização proporcionou, neste caso e na parte que dizia
respeito ás minhas areas de intervenção envolveu o Movimento, alunos
de Evora, alunos estagiários do Instituto Piaget.
Estava nesta fase a dar
uma particular atenção á formação de professores do primeiro
ciclo e educadores de infância no sentido de abordarem o seu
trabalho e a sua vida de uma forma mais criativa, afirmando a sua
autonomia de pensamento e acção, de forma a responder satisfatoriamente
aos desafios que a sociedade lança…Tenho a convicção que educadores e
professores podem ser grandes actores de mudança da social através das
crianças que formam. É uma perspectiva utópica mas acredito que
através destes profissionais é possível proporcionar a vivência das
diferentes expressões artísticas desde a primeira infância, no sentido
de desenvolver a personalidade e o potencial expressivo-comunicativo de
cada criança. A educação pela arte nesta perspectiva não tem como
objectivo a formação de artistas mas sim desenvolver qualidades
criativas e estéticas, que contribuam para formar um indivíduo mais
criativo, capaz de estabelecer novas associações, com capacidade de
correr riscos ao lançar-se em caminhos desconhecidos para produzir algo
de novo.
Mas voltando ao mundo
partilhado com a professora Ana Luisa Janeira as minhas participações
mesmo que timidas em alguns dos seus projectos como a festa da
cincia (aí como figurante) fica marcada por uma vivencia fantástica do
envolvimento, da mobilização de imensos recursos com escassos apoios
financeiros mas com uma enorme capaciade de conjugação de vontades
sabiamente canalizada mostrando que outra forma de fazer universidade e
investigação é possivel, uma forma em em que a dimensáo humana marca a
grande presença , no meu ponto de vista..
Sobre outra forma
de fazer Universidade parto do principio que esta não se faz num vácuo
da Sociedade defendo e tento desenvolver na minha prática docente o
principio da interacção que deverá por em movimento uma dialéctica
instigada pela curiosidade e pela possibilidade de experimentar e
constituir ideias novas. Pensar esta forma de Universidade implica
questionar o status quo académico e as hegemonias que ele engendra. Não
é tarefa fácil mas acredito que cada docente na sua acção náo deve
dissociar Ensino, investigação e actividade comunitária.. Do ponto de
vista da sociedade e do contexto em que a Universidade está inserida
deverão ser incrementadas oportunidades da comunidade interagir com a
Universidade, construindo parcerias em que se possa usufruir da
contribuição que o saber académico tem a dar na análise e no encontro de
soluções para os problemas que se colocam. Considero que este estar na
Universidade pressupõe uma nova cultura em que o estudante deve
perceber que a sua participação faz a diferença. Acredito no
trabalho empenhado que se faz com entrega em que se experimenta uma
alegria e o entusiasmo que nos faz trabalhar com muito mais afinco o
que deixa marcas indeléveis em nós e nos outros.
Penso que o
desafio actual é produzir uma experimentação pedagógica que nos leve à
busca de novos caminhos para uma Universidade útil e significativa ,
Isto implica uma maior aproximação entre os currículos e vida concreta
da sociedade. Nesse sentido dentro das possibilidades existentes
fomentei algumas intervenções alunos que dão corpo a uma dimensão
interdisciplinar acho que as vivências as que tive com a professora
Ana Luísa muito contribuíram para ousar ir nesse caminho. Defendo que
uma das possibilidades de desenvolvimento e da saída da crise
universitária em que nos encontramos é favorecer uma atitude
simultaneamente questionadora e proactiva perante os desafios e limites
impostos pela nossa realidade . Numa posição utópica talvez, mas da
qual ainda não abdiquei, gostaria de sonhar (com já escrevi algures)
com uma Faculdade da Imaginação integrada na Universidade do Bem Comum e
onde se aprenderia que a origem de todo o conhecimento está na
imaginação e para enfrentar a sociedade do poder e do capital precisamos
de Novas Ideias que permita à Universidade fazer frente aos novos
desafios da Humanidade. A professora Ana Luísa sempre foi para mim uma
fonte de inspiração para novas ideias…
Nos últimos anos muitas vezes pernoitei
em Montemor no caminho de Évora para Lisboa, desviando-me para a sua
casa onde um jantar me esperava e serões de conversa aconteciam ali
no campo onde a professora Ana Luísa fazia questão de viver sem
televisão, rodeada de coisas simples, objectos do quotidiano
simetricamente arrumados..numa estética muito única , que lhe é
própria espelhando o exterior o interior organizado e sistematizado,
aliando funcionalidade, criatividade e originalidade, uma casa cheia de
pequenas instalações artísticas enquadrando desde as sandálias ao saco
das compras..Ficava-me a sensação de estar num espaço cheio de
magia…ao mesmo tempo quase religioso..de religação à essência das coisas
simples...
E nesse ambiente de magia muito se
partilhou sobre a vida, sobre os caminhos actuais da instituição
universitária…a “bolonhização” dos cursos, a “efecêtização” (de FCT) da
investigação..e a forma de nos posicionarmos, não cedendo a alguns
princípios: muitas vezes discutimos o que é Rigor, .mas eu sinto que a
melhor forma de o perceber está neste exemplo da professora Ana Luísa
Janeira, uma vida académica em que há um todo coerente , um estar com
autenticidade e uma congruência entre o que é , o que faz e como
faz; afinal o melhor exemplo do que é ser interdisciplinar, seja no
conhecimento seja na vida…Obrigada Ana Luísa por continuares a ser para
mim uma mestra inspiradora… |