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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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Ana Luísa Janeira
Foto de José M. Rodrigues |
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De como relações humanas
façam parte de nós:
Além das
teorias da mente
JUDITE ZAMITH-CRUZ
Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho
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Editor | Triplov |
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ISSN 2182-147X |
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Dir. |Maria Estela Guedes |
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Índice de Autores |
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O que se encontra atrás de nós e à
nossa frente são pequenas questões, comparadas com o que se encontra
dentro de nós.
(Ralph Waldo Emerson,
sem data; citado por Dorothy Sisk, 1987, p. 3)
Introdução
Com o delineamento anterior de figuras mínimas, procurámos esboçar uma
ausência de linearidade na vida de relação, comum a todos nós. Quando
dedicada à Professora Doutora Ana Luísa Janeira, o desenho enquadra
espaços de vida com outros e uma certa turbulência que é lhe é querida
como pessoa inteligente e amiga.
Foi depois de um Colóquio - «Ciências, técnicas e valores», coordenado
pela própria Ana Luísa, em 1993, que lhe pedi conceder-me uma
entrevista, em que me permiti perguntar-lhe sobre uma vida profissional,
em que «interdisciplinaridade» seria, então, uma palavra conotando a sua
excepção e, de como viria a dizer-mo, «navegando bem», esse seria «o seu
mar».
O início do diálogo com Ana Luísa também me ensinou o valor da diferença
de mentalidades e a exigência de desaprender valores político-sociais,
por pretender ser congruente/consistente no que se creia convincente. |
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Delineamento da vida intelectual de Ana
Luísa Janeira |
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A Professora estudara e escrevera sobre Simone Weil (Janeira, 1967) e eu
própria, psicóloga de formação, lera Sartre (e Beauvoir de «o segundo
sexo»), mas nem a sua resposta ao «porquê» de estudar Weil me traria luz
com cambiantes dela ser-com-outros e, no desnorte, o diagrama por mim
desenhado modelou Ana Luísa, mas encontra-se por concluir.
A entrevista que no dia 3 de Fevereiro do longínquo ano de 1994 pedi à
Senhora Professora foi introduzida, respondendo-me «não ter [tido muito
anteriormente, em 1967] estrutura» para estudar Simone de Beauvoir
(1908-1986), quando se propôs analisar vida e obra de Simone Weil
(1909-1943), na investigação final de licenciatura em Filosofia, na
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Na minha desconexão com o tempo, parecer-me-ia que a primeira Simone
fosse minha conhecida. Mas a outra Simone, quem seria? Via a sua
fotografia em pensamento e sabia ser irmã de matemático, André Weil, que
eu lera por sintonia com um matemático que me falara do Grupo Bourbaki.
Com a Professora desaprendi. Simone Weil foi minha autora também, sem
ter feito leitura extensa. Com a Professora, passei a estudar igualmente
textos de Padre Júlio Fragata (jesuíta eminente) e de Michel Foucault
(1926-1984), com quem conviveu, conheceu amigos e leu mais (Zamith-Cruz,
1997).
Mas não foi logo a seguir ao comentário sobre quem fosse para si Weil,
que Ana Luísa Janeira me contou tudo. Somente deslindei o encontro entre
as Simones, relendo «Memórias de uma menina bem-comportada» (1982), de
Beauvoir, obra de 1958, nas páginas que têm até hoje uma marca que Ana
Luísa me ofereceu.
À época, Beauvoir ter-se-ia acercado do primeiro «intelectual de
esquerda», Pierre Nodier (p. 241) que, estudante na Sorbonne, faria
parte de massa de «surrealistas» (p. 242). Todo esse período, vivido
anos passados por Ana Luísa, me fez abrir também para a diferenciação na
pessoa e a autonomia de acção, desejável em anos vindouros.
Beauvoir (1982, p. 242) «abria o espírito» e ao «pacifismo» (p. 244) se
entregava, ela que «era pela igualdade dos sexos» (p. 243) e, para essa
condição psíquica ser por si relatada, culminou na diferença em Weil. De
sobreaviso, Beauvoir tinha a concepção «pequeno-burguesa» de que não
valeria a pena «pensar na felicidade da humanidade, se esta não tinha
razão de ser» (p. 244). Weil viria a ser aproximada da resistência, na
Guerra Civil de Espanha, após trabalho fabril.
No extracto de texto (Beauvoir, 1982, p. 244) dá Weil exemplo em
contrário do que fosse a orientação «burguesa», sendo caracterizada por
possuir «inteligência» e «bizarria» no trajar e, nos bolsos, mas em
separado, teria aos 23 anos números de Libres Propos e de L'Humanité.
Constaria então entre os jovens universitários, Beauvoir ressentindo-se
por tal gesto, que Weil chorara pela fome vivida na China, durante os
anos cinquenta do século XX.
As palavras trocadas, quando se encontraram as duas filósofas, foram-me
ditas sem fixação ao texto, que tive que encontrar e descobrir no
significado plural: igualdade versus diferença. Portanto, enquanto
Beauvoir assumira que «o problema não seria tornar os homens (e
mulheres) felizes, mas sim encontrar um sentido para a sua vida», Weil
acreditaria que «a revolução» viria a «dar o pão a todos», um dia na
China. Weil quando a ouviu, terá ripostado, no olhar que foi dos pés à
cabeça e voltou aos pés: «Vê-se bem que você nunca teve fome».
A semelhança de pensamento ou a diferença (eco de felicidade de alguns,
poucos) marcam o modo como nos posicionemos na vida.
Não passou fome Beauvoir, mas quem foi a pessoa que Ana Luísa estudou
com idêntico nome de Simone? Aos 23 anos, se Ana Luísa estudasse «um
rebelde», segundo explicou, não trataria de «escândalo», no que em
Beauvoir «lhe escaparia». Em sentido contrário, a minha profissão
existencialista primeira é sustentada ao longo de anos. Não. De novo,
estávamos em terrenos diversos, logo nas primeiras palavras trocadas.
Ana Luísa o que vira em Weil, afinal?
Como seria o caso, Ana Luísa não responderia de imediato a interpelação.
Primeiro, contou-me que lera «As meditações metafísicas» (cujo subtítulo
seria relativo a demonstração de existência de Deus e a separação mente
e corpo), escritas em 1641, por René Descartes (1596-1650), em curso de
Professor Miranda Barbosa, em Coimbra mas, como aluna católica, fora o
professor a dizer-lhe ter de pedir «uma licença ao seu bispo» para o
poder ler.
Fiquei a saber de raspão que também a obra de Descartes fora colocada no
Index. Eu sabia existirem livros proibidos, anteriormente à revolução de
25 de Abril de 1974 e, ainda assim os comprava em livraria da Avenida de
Roma, em Lisboa. Não tinha qualquer problema. O que eu não sabia é que a
Professora fora «respeitadora a 100%» do que fosse proibido ler, pelo
Index Librorum Prohibitorum. Assim colocado, até Eça de Queirós foi por
Ana Luísa lido não antes dos 24 anos, fazendo-me esse reparo, para
acrescentar que fez (nos seus estudos de licenciatura e de doutoramento,
em História da Filosofia Contemporânea, em 1971) «dois místicos», meus
desconhecidos: Weil, uma «pessimista» e Teilhard de Chardin, um
«optimista». Foi essa a primeira vez que Ana Luísa se me colocou como
ambivalente nos sentimentos explicitados. Na actualidade, já saberemos
que essa faceta, comum aos seres humanos, os preserva de serem ditos
polarizados - «bom» ou «mau», por conta do nosso cérebro com regiões
cerebrais aproximadas ou sobrepostas. Ao contrário dos animais, quando
nos seja observada uma emoção forte como o amor ou o ódio, o amor
sobrevive na mescla sentimental mais duradoura amor-ódio. Portanto,
somente os seres humanos são ambivalentes.
Aos 27 anos, Ana Luísa foi também a primeira pessoa que conheci a ter
estudado, tão cedo para a época, em Paris I, no Panthéon-Sorbonne, para
escrever uma tese cujo nome foi «Os fundamentos filosófico-científicos
na obra de Theillard de Chardin». Quando eu teria quase 34 anos, não
passaria Chardin de um nome «não existencialista».
Portanto, Ana Luísa assumiria não ter «inventado» que seriam «os dois
maiores místicos do século XX» por si estudados. Admirava-os muito,
podendo «falar de Weil como se fosse sua amiga». Aquela figura magra de
Weil seria o que em mim contava, mas a Professora poderia elucidar-me.
Novo paradoxo se seguiu, quando a minha interlocutora acrescentou,
escrito nas primeiras folhas de entrevista: Se Weil «ressuscitasse», nem
teria «de que falar com ela», aliás, «nem a quereria conhecer». Ainda
assim, «falaria dela, como de uma amiga»?
O que «apaixonou» Ana Luísa, no «pensamento místico» de Weil? «Muito
interessante», por exemplo, na «interdisciplinaridade», é Teilhard, mas
não aderiu ao seu pensamento, porquê?
Ana Luísa aderiu antes a Weil, por conseguinte, uma pessoa «ímpar», mas
terá até mesmo «embirrado» com ela, «fisicamente». Eu conhecia a
fotografia e imaginei associar-me. Como diria em outros momentos de
conversação, «também se pode perguntar...».
Convicções abalizadas são as que sejam contrastadas com pessoas que as
tenham similares na experiência ou espaço de pertença.
Os nossos dissensos seriam de desvalorizar. Não soube em que lugar me
colocar. A figura de Weil, por mim retratada com óculos, seria de
parecença comigo? Seria o corpo um padrão de referência, também para me
dizer Ana Luísa, em outro lugar, que a personalidade única, na
Filosofia, não «existiria»? Ao contrário, para a Ana Luísa, Rudolf
Nureyev (1938-1993), terá dado um passo em frente, de dança,
extraordinário, quando o viu em cena em Paris. A ponto de o identificar
como podendo ser «homem ou Deus».
Também para Ana Luísa o interesse pelo outro, Weil ou Nureyev, passaria
pelo que lhe «escapasse», afinal. |
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1. Somente crianças são «teorias ingénuas»? |
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As teorias ingénuas são «teorias da mente», ou seja,
são teorias espontaneamente concebidas por crianças e bebés, adultos e
jovens, quando atribuam a outros intenções, crenças, desejos ou
representações mentais (no sentido de pensamentos ou sentimentos).
Numa abordagem cognitiva, aparentemente consentânea,
o mundo «real» é entendido estruturado ou ordenado (Houdé, 2004, 2005,
pp. 74-77; Bideaud & Houdé, 1989, p. 66) e a criança é dita viver em
cenário mental menos caótico do que se pensou no passado (Lécuyer, 1996,
2004). O conceito de número natural[i]
não é adquirido com a «idade da razão» e a entrada no ensino formal. O
bebé discrimina tipos de energia de objectos inanimados e tem o conceito
implícito de objecto. Com cerca de 6 meses considera os seres humanos
distintos dos objectos, possuindo «vida mental» (Spelke, sem data; cit.
por O. Houdé, 2005, p. 77): quando vê um objecto afastar-se de outro
objecto, sem que o primeiro o empurre, surpreende-se, o mesmo não
acontecendo quando o observa entre seres humanos. O seu cérebro e a
cultura fazem-no intuir, espontaneamente, uma teoria ingénua da mente.
Alan Leslie diria que o bebé, à nascença, possui um módulo de teoria da
mente, o que decorre da evolução das espécies.
Depois dos 3 anos, a aquisição da consciência é
notória[ii], bem antes do
mais sofisticado raciocínio moral (Kochanska et al., 1994), o que é
favorecido (ou não) por temperamento, carácter e o modo de interacção
precoce com mãe ou substitutos significativos (Kochanska, 1997). Na
medida em que as raparigas têm distintos circuitos cerebrais para a
empatia[iii], manifestam
marcada sintonia com quem delas cuide e proteja (Weinberg, 1999), ao
contrário de autistas (Frith, 1997, p. 92). São mulheres a melhor
reconhecerem e avaliarem emoções de outras pessoas (McClure, 2000; Hall,
1978, 1987), processo crucial para a empatia (Kosslyn & Rosenberg, 2004,
p. 359), o que consuma uma garantia, na sua segurança ao avaliarem
situações (Snodgrass, 1985, pp. 146-155; Tavris, 1991, pp. 89-136).
A consulta psicológica é uma actividade de prestação
de cuidados em que a empatia (avançada)[iv]
e/ou a compaixão[v] são
difíceis de elucidar, quando nos queiramos «colocar na cabeça» de outra
pessoa – uma «teoria da mente». Ao nível do envolvimento, por
«combinação da presença (no aqui-e-agora) e da objectividade emocional»
(Arnold & Boggs, 2003), salientar-se-á na empatia o auto-conhecimento, o
desenvolvimento pessoal-social do psicoterapeuta e a auto-descoberta (self-disclosure),
para além de termos da relação/contrato terapêutico.
No que se explora no presente artigo de Psicologia -
a gestão de distância relacional, este contínuo e metáfora de abertura[vi]
e fechamento[vii] ultrapassa
o recurso psicoterapêutico do «eu» (self) na empatia, por se aliar a uma
forma de isolamento, qualidade que demarca a profissão.
Pese dizer-se que ninguém possa sentir o que outro
sinta (Freeman. 1995), exploraremos o modo de nos envolvermos e de nos
distanciarmos, para melhor reflectirmos em isolamento, quando ajudamos
crianças ou adultos «difíceis». |
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2. Redes neuronais combinadas na empatia e na linguagem
para percursos
em inter-ser |
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Não será por meio de um só «módulo» do cérebro que os
circuitos cerebrais «acesos» e «apagados» no compartilhar de
sentimentos, crenças e conhecimentos seja provavelmente identificado,
excepção feita para estudos com indivíduos enquadrados no «espectro
autista», por Uta Frith e Francisca Happé, entre outros investigadores
do Departamento de Neurologia Cognitiva de Wellcome, em Londres.
No autismo, um gene que se supõe estar implicado
encontra-se no cromossoma que se crê também conter um gene implicado na
linguagem (Cohen, 1998, p. 2119), o que em conjunto se depreende
associado à comunicação e partilha de sentimentos.
Rochel Gelman (in MIT Encyclopedia of Cognitive
Sciences, pp. 128-129) defende que possuímos esquemas inatos e
competências conceptuais precoces de natureza abstracta, para domínios
«específicos» como a linguagem[viii],
o que também veio a ser contestado em anos recentes (Goldberg, 2005,
trad. port. 2008, p. 185). Afinal, o hemisfério esquerdo não monopoliza
a linguagem, após se ver crianças normais activarem o hemisfério direito
na aquisição linguística (Goldberg & Costa, 1981; cit. por E. Goldberg,
2005, trad. port. 2008, p. 185) e analisados danos cerebrais das que
sofreram lesões no hemisfério direito (Bates, 1999; Bates & Roe, 2001;
cits. por E. Goldberg, 2005, trad. port. 2008, p. 185).
Ainda quando corria a noção mais consensual de
lateralidade da linguagem, Noam Chomsky (1955, 1965) defendeu o
mecanismo inato para a sintaxe, pressupondo uma matriz profunda, a sua
estrutura básica. Uma mesma estrutura gramatical (como a decomposição de
palavras em sujeito-verbo-complemento) não aliena a possibilidade de
línguas diversas e a variabilidade das frases possíveis (Clark, 2003).
Mas há outros mecanismos inatos. No domínio
sócio-emocional, o inglês John Bowlby (1951) foi um psiquiatra (etólogo
e psicanalista), que estudou a ligação mãe-criança, alertando para o
risco de separação, em ausência de prestação de cuidados adequados em
situações de institucionalização de menores («hospitalismo»). Esse outro
mecanismo inato – relacionamento - era então amplamente evidenciado,
depois de período sensível. Essa concepção, permite-nos dizer ser muito
difícil depois de período sensível (primeiros anos), ser-se capaz de
manter relação íntima genuína: nas primeiras interacções emocionais com
pais sustentam-se os posteriores laços de afecto (Bowlby, 1988).
De facto, os recém-nascidos de certas espécies formam
um vínculo emocional com a mãe (Lorenz, 1937). Essa é a crença, estudada
cientificamente, de que os bebés e os progenitores estão biologicamente
predispostos a ligarem-se, o que é essencial à sobrevivência dos bebés e
às suas relações futuras de harmonia.
E se há resposta materna a recém-nascido (por efeito
do neurotransmissor oxitocina), têm vindo a ser evidenciados processos
evolutivos também inatos e ligados à conduta, como o efeito da
vasopressina (a hormona social masculina). Ambas as substâncias químicas
do cérebro, na ausência de aprendizagem, «fazem com que se deseje agir
de forma masculina» (Brizendine, 2007, p. 13).
Assim colocado, depois dos primeiros etólogos
(zoólogos alemães)[ix]
estudarem em contexto não laboratorial animais, neurobiologistas fazem
saber que as hormonas têm o poder de determinar o que o cérebro esteja
«interessado» em fazer (Brizendine, 2007). Mas também a sermos «todos
interaccionistas», sabemos sermos sujeitos a «códigos» em que o meio se
cruza com a genética, indissociavelmente.
Por último, na maquinaria cerebral, se os mecanismos
de reconhecimento de padrões (memória genérica, linguagem,
reconhecimento de caras, conceito de número natural ou relacionamento
íntimo) nos permitem mais do que classificar coisas (Goldberg, 2005,
trad. port. 2008, p. 97), a linguagem também nos permite decidir como
actuar em relação a ideias e a pessoas.
Por conseguinte, desde crianças agarramos
conhecimento de nomes de pessoas, interacções, coisas e acontecimentos
de modo congruente, sem que sejam factos desconexos e sempre agimos no
mundo.
Na base desse modelo cerebral modulado, pretendemos
inferir adiante o que nos une por «co-sentimento» ou por me «sentir com»
alguém em qualquer sentimento - compaixão. Agimos então quando colocamos
em palavras pressupostos de abordagens dinâmicas (mas não
psicanalíticas), em que o indivíduo é compreendido como «auto-organizado»,
mas também é observado como podendo transformar-se, de forma a mudar (Mahoney,
1991, trad. bras. 1998, p. 49), quando se insista na ilustração
projectiva de que ser é vir-a-ser (filosofia processual) e na
unidade/complementaridade de «tensões opostas» - processos antagónicos.
Um exemplo pode ser dado do que pretendemos debater: ao longo de um
diálogo ou na simples co-presença não verbal, pode ser-se conduzido a
inter-ser - uma exploração de abertura e/ou fechamento de possibilidades
relacionais e da pessoa vir-a-ser.
Nos seres vivos, a expansão e o fechamento opõem-se,
assim como um ser humano se opõe a outro ser humano. Opor-se, sem
julgamento de valor, será possível quando o comportamento for separado
do valor conferido à pessoa (Kamins & Dweck, 1999), nos termos
rogerianos (Rogers, 1980; Riley, 2000, p. 138), como segue:
«A empatia genuína está sempre desprovida de juízos
de valor ou de diagnóstico. Aquele a quem é dirigida percebe-o com certa
surpresa: ‘Se eu não estou a ser julgado, talvez não seja tão mau ou
anormal como eu pensava. Quem sabe se não me julguei com demasiada
severidade…’» (Rogers, 1980; Riley, 2000, p. 138).
Adiante será discriminado do desafio «agressivo», um
tipo de desafio cognitivo dito «progressivo» ou confronto activo (Mahoney,
2003, p. 27).
Nessa base experiencial/vivencial, a probabilidade de
auto-aceitação (e o auto-conceito[x])
é gradualmente aumentada, tanto quanto a possibilidade humana de
realizar as próprias potencialidades (auto-realização), dito que em meio
certo, esse desenvolvimento ocorra em tempo. |
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3. Competências de ajuda psicológica e educacional |
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Tenho confiança na caminhada que sempre empreendemos
para a ordem, o auto-conhecimento e em sintonia com a aquisição e
desenvolvimento de conhecimento humano. A vida humana também volta e
torna a voltar a nós mesmos, ainda que não se trate dum eterno retorno[xi].
Retomaremos ainda o passado ou anteciparemos o futuro por esquemas
relacionais, base complementar ao modo como o acentuou R. W. Emerson
(1803-1882) no mote e expressão depois da epígrafe – é preciso olhar
para dentro de nós mesmos.
Por acréscimo de sentido, mostrarei que a relação
humana que privilegio na clínica psicológica envolve interacções em
colaboração e em que se observam procedimentos de afirmar a pessoa com
compaixão e esperança, o que implica reequilibrações permanentes de
ciclos de experienciar riscos para novas capacidades a aprofundar e
reflectir. No entanto, por redução conceptual também se contrasta a
presença, o carinho e a compaixão com o confronto (na auto-regulação,
por estratégias de coping)[xii]
ou desafio cognitivo «progressivo»[xiii],
exigido à mudança humana (Mahoney, 1991).
E então quando se pretenda atingir o âmago do ser
humano com a intenção de o educar, de o entender e de o levar a aprender
passa-se pela relação como desafio ou perturbação[xiv].
Uma criança, adolescente ou adulto, pode assim ser «aprendiz»,
emocionalmente andaimado[xv]
por pessoas em situações que desafiem a sua estabilidade.
A aprendizagem exige andaimagem e novidade e,
entretanto, crianças, mulheres e outras minorias continuam a ser vistas
como «sujeitos passivos de determinações estruturais» (James e Prout,
1997, p. 4)? Sofrem muitos circunstâncias externas aflitivas: condições
sócio-económicas de miséria familiar, nascem em famílias disfuncionais,
frequentam escolas sensaboronas, são batidas por "maus" pais e
professores e o sistema de ensino em Portugal é debatido (CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2009). |
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3.1. Prevenção de situações de risco e desenvolvimento humano |
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Na sua primeira década de vida, as crianças
representam hoje quase metade da população mundial e são o futuro do
mundo. «O adulto (...) é o ideal para o qual tende a criança» (Château,
1946)?
Outros paralelos inter-geracionais podem ser
colocados. Uma personagem de Milan Kundera, em O livro do riso e do
esquecimento, fez o seguinte comentário, dirigindo-se a um grupo de
rapazinhos, em alusão àquela expressão comum: «A razão pela qual as
crianças são o futuro não é o facto de elas se tornarem adultas algum
dia. Não, a razão é que a humanidade evolui cada vez mais para a
infantilização e assim a infância é de facto a imagem do futuro». Os
adultos perderam o rasgo cognitivo dado pela adultez ou a idade da razão
deu lugar à resignação.
Em todo o mundo, são vítimas de subnutrição mais de
900 milhões de crianças e adultos. Já em 18 de Janeiro de 2006, em
Portugal, foi relatado na comunicação social que é violada uma criança
de 2 em 2 dias, número que aumentou. De modo incansável, todavia, muitos
adultos procuram reduzir o sofrimento dos mais novos. Outra das suas
maiores preocupações[xvi]
com os miúdos é criar-lhes segurança e paz para se recrearem e
desenvolverem[xvii].
Pensa-se que será a mudança individual a desencadear mudanças mais
amplas, sociais e no meio ambiente, defendendo-se que transformações
individuais e colectivas sejam reciprocamente complexas, atendendo às
intenções dos indivíduos face aos seus mundos.
Mas se não existem infâncias perfeitas, acarinhar os
mais jovens exige cuidar deles, manifestar solicitude, atenção e
interesse. Numa relação de carinho, a sua expressão é um assunto
controverso, já que reflecte o nosso quadro social e as nossas
capacidades simbólicas em imaginarmos o que outra pessoa sente –
possuímos uma «teoria da mente»?
Como foi supra-referido, a teoria da mente[xviii]
foi desenvolvida nos anos noventa do século XX e foi reportada (nem
sempre adequadamente) a autistas (Baron-Cohen et al., 1993),
defendendo-se que, no quotidiano, uma pessoa tem diversos níveis de
capacidade para inferir o que outros estão a pensar, crer, desejar,
sentir, de maneira a ser previsto e explicado o seu comportamento.
Antecipa-se o que outros «podem compreender e o modo como reagirão numa
dada situação» (Kosslyn & Rosenberg, 2004, pp. 501-502).
Uma miúda de 6 ou 7 anos já não vive na alcofa? Não.
Caminha para o exterior do lar. Formula raciocínios inesperados, cria
interrogações existenciais e aprofunda a dúvida e a incompreensão sobre
a sua vida. Quer ter grandes amigas, segreda-lhes confidências e tem
segredos. Escapa ao olhar da mãe, não lhe obedece. Pode estar inquieta.
Escolhe as suas músicas e roupas. Pode deixar de trabalhar com a
realidade psicológica (os seus desejos) para transformar a realidade
segundo substituições, entregando-se a actividades psicomotoras, a
danças árabes e a desportos, a abstracções e a acções simbólicas, nas
actividades sócio-educativas.
As manifestações mais impulsivas da primeira infância
(0-3 anos) e da segunda infância (3-6 anos), polarizadas na relação aos
pais, dão lugar ao grupo extenso de pares (escola e amizades) na ambição
de presença e de pertença ao grupo.
Acredita-se que a personalidade da criança se torna
afinal acessível, se dá a conhecer, conversando com ela ou observando-a
a brincar e a desenhar, em actividade individual (Winnicott, 1971). Os
seus «problemas» (temores, tormentos...) desenrolam-se muitas vezes
atrás do palco, ainda que o pensamento mágico deixe progressivamente de
fazer sentido.
Ao longo dos anos, temos vindo a utilizar estratégias
vivenciais (imagens mentais), a colocar questões e pedidos desenhos em
conversações com crianças (Zamith-Cruz, 2007, 2006a, 2006b, 2010;
Zamith-Cruz & Carvalho, 2008). Com essa intenção, realizámos um trabalho
em colaboração prolongada com muitas raparigas e rapazes, com a intenção
de aprofundar a interacção e a experiência, em que a criança foi
afirmada[xix] na sua
auto-eficácia e esperança, envolvida com carinho, compaixão e propiciado
o reequilíbrio em momentos de abertura e de fechamento, de suporte
afectivo e de desafio cognitivo.
Portanto, no presente texto afirma-se, o que consuma
a fenomenologia (percepção pessoal-social), que contribui para o
sentimento de dignidade humana e única realidade construída de que as
pessoas existem (incondicionalmente) para outras pessoas: os pais para
os filhos ou os educadores para crianças, jovens e adultos.
Aprofundaram-se características supra-referidas na relação para a
presença efectiva que firma e afirma outrem, para além dos
empreendimentos educativos intencionais[xx]
e coordenação nas acções de vivenciar (imaginação guiada) desenhar e
dialogar (Young et al., 2003).
Eliciaram-se portanto co-construções das suas
«teorias informais» da mente. |
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3.2. A concepção de presença no aqui-e-agora |
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É sempre difícil definir «presença» junto de criança
ou adulto: «Estás comigo, quando estás comigo?»
Desejo ter desenvolvido, ao longo de mais de 20 anos,
a capacidades em (mostrar) estar presente e em prestar atenção a alguém
(apreendendo quando não estou presente, ainda que esteja
frente-a-frente), com quem comunico, a partir de formação psicológica
experiencial com o psicólogo americano Mike Mahoney:
«Digo então a mim mesmo: ‘Está aqui, presente,
agora!’ Quando uma pessoa entra no meu campo visual, não estou
comummente consciente da minha expressão facial. Para essa pessoa, olho
os seus olhos, a cara e o movimento que me seja dirigido. Para mim mesmo
centro-me na intenção de estar presente. (…) Procuro o conforto que as
pessoas sentem em se encontrarem consigo próprias. Acho que as pessoas
se sentem mais confortáveis comigo, quanto mais eu me sinta confortável.
A abertura é facilitada por relaxamento e geralmente concentro-me em
relaxar a respiração e a voz. (…) Não incito ninguém a falar-me de
questões emocionais ou privadas no início dum encontro e tento
desenvolver o seu ritmo de expressão. Se uma pessoa me parece tensa ou
se manifesta incomodada, desajeitada ou desastrada, procuro respeitá-la,
não questionando emoções e sentimentos» (Mahoney, 2003, p. 16).
«Aceitar, sem questionar, é respeitar». Defendeu-o
também Agostinho da Silva (1906-1994), em entrevista televisiva.
Parecerá que estar humanamente presente numa
interacção liga-se a termos arriscado explorar novas formas de nos
relacionarmos connosco.
Até mesmo aqueles que nos são mais queridos podem ser
afectados por essa base de encorajamento e de nos sentirmos com alguém
(«com-paixão»). Com Mahoney (2003, p. 15) acredita-se existirem momentos
cristalinos de compreensão e de carinho, com tal impacto, que poderão
ondular outras vidas e gerações, o mesmo sendo válido para momentos de
julgamento e de crueldade.
Encontros interpessoais são experiências únicas e
sempre diferentes. Não é nem a passagem do tempo nem as temáticas
abordadas que os diferenciam: é a presença face a face que torna os
encontros e os desencontros sempre diversos. |
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4. Desafios para a mudança humana |
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Não parece inadequado aliar a presença ao carinho,
alento e encorajamento. Aspectos relacionais mais diferenciados do que
afirmar alguém é ainda confrontar a pessoa emocionalmente andaimada com
situações que desafiem a sua estabilidade.
Os desafios emergem com a aceitação mútua de que são
desejáveis novas oportunidades para experienciar algo em equilíbrio
instável[xxi]. Desde a mais
tenra idade, o desenvolvimento sócio-emocional integra, como foi dito
atrás, exigências de segurança e conforto integrados por desafios
cognitivos propiciados pelos cuidadores primários (pais, irmãos…) ou
outros.
Em casos em que um indivíduo se sinta esmagado por
desafios inapropriados, por excessivos ou «agressivos», procura ajuda
profissional, excepção feita a crianças e pessoas com perturbações do
foro psicótico.
E como se muda, inculcado o desafio?
Mudamos com dificuldade e lentamente, sem afectar a
identidade do eu e o sentido de realidade. Todo o sistema vivo (para
além do sistema humano) é fundamentalmente conservador[xxii]:
a sua primeira prioridade é auto-ajuda, abrigo, preservação e busca de
protecção. A mudança humana envolve, portanto, novas maneiras de nos
relacionarmos connosco (como foi dito) e de nos relacionarmos com outros
e com a sociedade, assim como se assumem novas maneiras de resolver os
conflitos humanos (muitos dos quais centrados no poder).
Penso que formas de mudar são, por exemplo, modos
diversos de nos percepcionarmos, de arriscarmos sentimentos que possam
parecer ameaçadores ou desconfortáveis e de explorarmos a vida.
O ser humano pode ajudar outro ser humano a mudar?
Sim, mas também pode retardar a sua mudança, caso
possua poder sobre esse indivíduo e seja o seu alvo preferido de apego
emocional. Na família é onde se geram maiores conflitos. Paradoxalmente,
é nela que os laços afectivos são mais intensos e duradouros.
Assim considerado, características de ajuda a outro
ser humano implicam segurança, flexibilidade, carinho afectuoso e
capacidade de deixar realizar a descoberta activa, sem constranger.
E como se ajuda alguém a mudar?
Por competência relacional e equilíbrio elástico[xxiii]
nas interacções e por ajuste no balanceamento em termos de requisitos
flexíveis de entreajuda – entre o envolvimento e o distanciamento. Duas
dimensões básicas e relacionadas estão presentes no equilíbrio
interpessoal sempre versátil e instável – a criação de contrastes entre
abertura e fechamento e entre conforto e desafio. |
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4.1. A abertura e o fechamento, condições humanas de elasticidade |
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Ser elástico não é uma qualidade inata ou um modo de
ser. É um processo dependente dos desafios que se enfrentem, da etapa de
desenvolvimento em que esses desafios ocorram, de factores sociais e
culturais e do próprio temperamento/carácter inato.
Por vezes, crianças ou adultos[xxiv]
estão tão alheados do que se imponha na escola, que se podem abrir,
fazendo perguntas, explorando significados e jogando com ideias e
possibilidades.
Mas a vida é feita de ciclos sucessivos e simultâneos
de abertura e de fechamento, em que é ganho sentido de ordem
proporcionado por expansões e constrições à experiência – essa é uma
expressão de auto-organização. E se nos expandimos demasiado,
arriscamo-nos a comprometermo-nos em excessivos desafios que, tantas
vezes, nem chegamos a «acomodar».
Os processos de aquisição de conhecimento e de
desenvolvimento requerem antes da pessoa um delicado equilíbrio, sujeito
a embate em terreno movediço, para proteger a sua coerência/congruência
nos «processos centrais de ordenação» (Mahoney 1991, 2003), ao mesmo
tempo que gere o novo, isto é, a diferença que faz a diferença.
A mudança requer assim novas experiências e, no
mínimo, episódicas aberturas à experiência. As transformações em tais
processos de natureza, predominantemente, não linguística (não
proposicionais), dicotómina (polarizados) e direccional (dirigidos mais
em uma ou outra direcção), são os valores[xxv]
e as concepções de eu[xxvi],
de realidade[xxvii] e de
poder (de controlo)[xxviii].
Como se disse, o sistema vivo é fundamentalmente
conservador – resguardo e cautela ajudam-nos a protegermo-nos de mudar.
Essa é uma condição, por exemplo, quando se explorem novos territórios
geográficos ou se seja confrontado com contextos de prazer ou
sofrimento. Nessas situações, é comum o sistema adaptável retroceder,
contrair-se, fechar-se um pouco.
Aliás, cada indivíduo tem o seu tempo e estilo de
abertura e de fechamento, os quais não são per se modos de viver «bons»
ou «maus». E num sistema vivo esses processos são exigidos para a sua
manutenção em movimento e são mútuos, recíprocos e alternativos suportes
vitais.
Quando respiramos, inspiramos e expiramos. O exemplo
de expansão e fechamento pode ser dado com as partes dos órgãos e do
corpo que se contraem e dilatam como os pulmões, os poros, as artérias,
as pupilas, o coração ou o sistema digestivo.
Mas ao contrário da respiração ou da digestão, a
metáfora da abertura e do fechamento implica não podermos atribuir um
valor global significativo a esses processos em relação com a
experiência. Não é somente porque nos mantemos sempre a mudar que o
valor da mudança se estabelece. O que está em causa é sermos, em
simultâneo, dados a expandirmo-nos e a contrairmo-nos, em diferentes
níveis (dos sistemas e órgãos à dimensão psicológica «extroversão-introversão»),
existindo um contínuo de níveis intermédios. Existem ritmos variáveis e
complexos que não podem ser captados num número sumário para abrirmos e
fecharmos áreas orgânicas e a auto-consciencialização também reflecte
esses ciclos rítmicos. Nem sempre temos consciência de expansão e de
contracção na acção. Por sua vez, se esses processos forem ilustrados
pelo contraste entre pensar e sentir, podemos ser em grande parte
dirigidos pela cabeça ou conduzidos «fora da nossa mente».
O romano Vittorio Guidano (1991) aludiu à dança
perpétua entre experienciar («I») e reflectir («me»), enunciada por
William James.
Giampiero Arciero (1999, Arciero & Guidano, 2000,
Arciero et al., 2003) explorou esse processo de mantermos e reatarmos a
coerência cognitiva.
Milan Kundera (1983) apelou à «insustentável leveza
do ser»[xxix] e retrocedeu
até à absorção na experiência corporal («I») e criou um parêntese dessa
experiência pelo recurso verbal («me»), usando palavras, conceitos e
reflexões da experiência: descrições, comentários, interpretações,
análises ou explanações próprias de um literato.
No quotidiano, é fácil observar-se o alheamento
irreflectido ou a verbalização categórica dos que nos rodeiam. As acções
exploratórias e/ou emocionais são indicadores de abertura, arriscando-se
vivenciar - experienciar.
Por acréscimo de sentido, quando se pensa na
oscilação da dimensão que abrange o pensamento e o sentimento, vê-se
como os indivíduos se movem com os seus ritmos, por processos de
auto-organização.
Quando os nossos ritmos são perturbados, podemos
dar-nos conta deles. |
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4.2. O desafio cognitivo não colide com o suporte afectivo |
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Todos buscamos afirmação, apoio, conforto nos outros.
Se desejamos ser acarinhados, aprendemos a
confortarmo-nos, o que pode ajudar a confortar outros ou a manipulá-los,
ainda assim com empatia.
Diariamente, nem sempre encontramos pessoas empáticas
(Huguet, 2005, p. 59): amáveis no diálogo, calorosas, abertas aos
outros, com a aptidão de os compreenderem, ressentindo as suas emoções e
tomando em conta as motivações alheias.
Em interacções, os processos não antagónicos de
suporte afectivo e de desafio cognitivo exigem responsabilidade, sendo
preferencialmente preparados com sensibilidade e, de modo cíclico, sendo
conduzido o experienciar em conjunto do desafio para circunstâncias
problemáticas – ameaças, danos e desafios:
«Nas situações de ameaça, ocorre uma expectativa em
relação a um acontecimento negativo, que impõe a acção da pessoa, com
vista a reduzir a probabilidade da sua ocorrência. Nas situações de
dano, por sua vez, existe já um mal/prejuízo evidente, mas que poderá
ser minimizado ou maximizado, em função das atitudes ou acções do
indivíduo. Nas situações de desafio, o indivíduo confronta-se com
situações que põem à prova a sua competência ou imagem, obrigando-o à
necessidade de mobilização de aptidões de confronto para enfrentar a
realidade» (Gonçalves, 1993, p. 99).
White (1985; citado por A. Vaz-Serra, 1988, p. 303)
também referiu o conceito de aptidão de confronto, como «mecanismos de
defesa», nos seguintes termos:
«Tendemos a falar de confronto (coping), quando temos
em mente uma modificação relativamente drástica ou um problema que
desafia as formas familiares da pessoa se comportar e requeira a
execução duma nova conduta. Essa condição dá origem, com frequência, a
afectos desconfortáveis como a ansiedade, o desespero, a culpa, a
vergonha ou o pesar de cujo alívio faz parte a necessidade de adaptação.
O coping refere-se a esta adaptação em condições relativamente difíceis»
(White, 1985).
Mas o que é sermos confortados, de modo genuíno, não
adulterado, por alguém?
Quando apertamos uma pessoa nos braços, a agarramos
ou a escutamos atentamente somos compassivos, convidando-a encostar-se,
em sentido literal ou metafórico, o que indica que essa pessoa se pode
abandonar, ali e ao nosso lado, em silêncio ou não. Quando vivermos
momentos difíceis, desejaremos alguém presente na nossa dor, reduzindo a
solidão da nossa altercação, esforço, combate, conflito ou luta aberta. |
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5. Como entender os
desafios cognitivos que nos propomos na aprendizagem/aquisição de
conhecimento |
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Gerir relações implica preparar os encontros,
apoiar-se em pontos fortes mais do que apiedar-se pelas próprias
fraquezas ou pelas fragilidades detectadas nos outros, numa escolha
deliberada contra o derrotismo.
Nessas circunstâncias em que se dá mais valor às
oportunidades onde outros vêem ameaças, riscos e danos (sem acções
paliativas), os desafios podem ser confrontos activos e não provocações
agressivas, que têm tantas vezes lugar nos limites da capacidade e da
possibilidade.
Os desafios «agressivos» (decorrentes da ira, podendo
implicar o domínio ou incorrer na dúvida acerca das capacidades do
outro) não são «progressivos» (Mahoney, 2003, p. 27) ou confrontos
activos.
Por conseguinte, esses dois tipos de desafios podem
ter significados e serem sentidos como diferentes, em dependência da
tonalidade emocional, do contexto em que ocorrem e da qualidade da
relação de que dependem.
O desafio agressivo encontra-se, por exemplo, no
confronto dos campos de batalha, no jogo de combate/agonístico ou nas
lutas pelo poder. Chega a tomar a forma de insulto ou de «ousadia» que
conduz a acções destrutivas.
O outro tipo de desafio é um convite à elasticidade
da personalidade e, nesse sentido, pode ser dito «progressivo». Essa
orientação do desafio parte duma relação carinhosa e transmite uma
mensagem de confiança na capacidade. Com serenidade, doseando-se
manifestações de humor, com domínio/mestria e rigor pessoal, encoraja o
estiramento para diante, para novas capacidades e em aspectos essenciais
de desenvolvimento e de realismo - auto-conhecimento mais objectivo.
Nesse último sentido, dito progressivo, o desafio
arrasta o convite a explorar ou a experimentar na prática ou mentalmente
algo – procurar ou tentar o diferente, o novo mas viável (como no
processo «criativo»[xxx]),
o que é uma experiência não familiar. Assim sendo, o desafio progressivo
é essencial para um processo de mudança e o desafio encontra-se no cerne
do ensino de modos de educação e entreajuda.
Todavia, a forma que assume um qualquer desafio, o
seu âmbito e o tempo exigido devem ser sintonizados com as competências
actuais e correntes das pessoas e, ainda, sistematicamente
reequilibrados. Essa acepção é parte do que se chamou relação
incondicional positiva (aceitação emocional) na família, na educação e
na psicoterapia. Esse é o «desafio que exija intenso esforço e
capacidade» (challenge of challenging).
No entanto, um desafio inapropriado, por excessivo,
atendendo aos requisitos supracitados (centralidade/demarcação do seu
âmbito, tempo exigido e capacidades pessoais) poderá constituir uma
barreira à aprendizagem e/ou ser sentido pela pessoa como destrutivo,
impossível de atingir ou esmagador: «Isto é demasiado; isto é muito
rápido…».
Mas também se não se chega a pedir a outrem que
arrisque um qualquer desafio adequado, a pessoa perderá energia e
disponibilidade temporal, além de sermos cúmplices da manutenção do seu
modo disfuncional e antigo de viver.
Essas são exigências psicoterapêuticas em que os
primeiros desafios de clínicos ocorrem somente quando a afirmação do
cliente em segurança e carinho são aceites por este, sentida confiança
no profissional:
«Esses desafios surgirão então como uma dança a dois.
Será pior a pessoa ser arrastada prematura ou excessivamente para um
desafio do que não ocorrer esse intento de mudança forçada. Se erro,
prefiro errar na direcção do menor desafio que coloque a alguém do que
no sentido do desafio extremo. Quando as pessoas manifestam sinais de
retraimento, respeito-as. Também as encorajo a testemunharem o seu
processo de fechamento e dignifico a sua intenção que é uma forma de
auto-protecção» (Mahoney, 2003, p. 28).
Na relação pedagógica, tanto a colaboração activa
como a compaixão são centrais, sem esquecer a exigência de se estar
presente e afirmar o estudante, em ausência de distância excessiva, com
razoabilidade, controladas emoções próprias, por exigência e rigor
pessoal. Essa escolha de risco é possível quando se possua uma atitude
positiva frente à vida e de aceitação do outro, o que não é sinónimo de
tolerância ou de deixar correr. |
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Uma palavra final: A expansão humana fomenta a esperança |
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O sentido da estabilidade e da permanência foi atrás
contrastado com a transitoriedade, a inconstância e a volubilidade: a
mudança.
O mesmo pode ser dito nas orientações da psicologia
marcada por paradigmas inconciliáveis: behaviorismo, psicanálise e
cognitivismo.
Assim colocado, a «simpatia» foi um termo que se opôs
a «empatia» por delimitar um território relacional, em ausência de
distância crítica, conotado com abordagens psicanalíticas. Para Milan
Kundera (1983, trad. port. 1986, p. 29), amar por compaixão não é amar.
Entretanto, quando se refiram «experiências
compartilhadas» e, para a impossibilidade de condição «vivida» de
empatia, Walter Freeman (1995) defendeu que seja impossível ir mais
longe do que «simpatizar», o que não foi entendido nos seus termos, por
mais que nos custe mudar e mudar as palavras: à intimidade contrasta-se
a solidão e, na hierarquia de sentimentos, sentir com outrem é de
inquestionável valor humano.
Por acréscimo de significado, sabe-se que o que se
aprenda no paradoxo para o co-sentimento: a alegria começa onde acaba o
isolamento - modifica conexões neurais, fazendo com o que recordamos
mude continuamente.
Paradoxalmente, afinal, a alegria e a esperança nunca
serão ensombradas se acreditarmos que complementam a saudade e o medo
existencial que nos perpasse em certos dias.
Nessa última perspectiva, um ou outro dia pode ser
monótono, tedioso e insatisfatório: «hoje, tive um ‘mau’ dia!».
Encontrar num dia «benefícios» depende de se reflectir não ter ocorrido
um problema grave, o que poderia acarretar uma altercação no próprio dia
ou no dia seguinte.
A maturidade ganha nessa ou noutra experiência de
«tédio» joga então um papel significativo para a distinção entre o
essencial e o acessório, para a esperança e a serenidade, quando se
recorde o que está a correr bem, sem ser tantas vezes apreciado.
Mas também existem distintas interpretações sobre o
que é «bom» ou «mau» viver, ainda que as coisas possam ser diferentes do
que se afiguram quando se tornem «piores».
E até mesmo o que é tido por «mau» sugere uma ou
outra oportunidade para melhorar o relacionamento.
Com efeito quando nos empenhemos em entender e
compreender outros, todos nós damos significados díspares à vida e somos
guardiães de esperança, participando-o activamente, como quando se
declare qual seja esse significado para si mesmo e para outros - «a vida
é uma dádiva…». «A vida vale a pena[xxxi]».
Curiosamente, a pena está colocada por trás da vida.
Se Sócrates defendeu que a vida não reflectida não vale a pena ser
vivida, o inverso não deixa de ser justificado, na medida em que a vida
não vivida também não vale a pena ser objecto de reflexão (Kopp, 1978).
Indubitavelmente que a capacidade de proteger, reatar
ou restaurar a esperança nem sempre nos é presenteada: «Ao contrário da
garantia dada pelo poeta inglês Alexander Pope (1688-1744) – a esperança
simplesmente não pula, para todos nós, ‘o lado eterno no seio da
humanidade’» (hope spring eternal in the human breast) (Mahoney, 1991,
p. 374; 2003, p. 23).
De modo complementar, pensa-se que a esperança possa
ser educada e vigiada pela crença activa, firmada e afirmada na
capacidade e na possibilidade face ao bem que é estarmos vivos.
Viver é então um processo supremo de amar ainda mais
e ligado à auto-narrativa (identidade do «eu») e, se não traduz algo
mais do que correr, importa recriar modos de vida e buscar significado
para o que fazemos:
«As nossas extensas literaturas e laboratórios de
investigação psicológica ensinaram-nos que o significado da vida não
repousa, confortavelmente, num nicho como uma teoria única, modelo
exemplar de vida biográfica ou texto. O que constitui uma ‘lição de
vida’ parece ser que o seu significado seja interminável e
individualmente recriado nas lutas e triunfos por vivermos» (Mahoney,
2003, p. 23).
Os conceitos e concepções de viver e de sobreviver,
basilares à construção das crenças e desejos, em dadas circunstâncias de
existência, nem sempre são eficazmente operacionais. Nos processos que
imprimamos à esperança das crianças e à criação do seu envolvimento
seguro e acolhedor, é-lhes por vezes negado um refúgio.
Para o «melhor» ou «pior», tem-se esperança em que
não lhes seja negado, em última instância, um acréscimo de valor
conferido à vida, promotora de alegrias e esperanças: superar barreiras
entre nós e outros e partilha de sensações o que nos aproxima.
Propusemo-nos mostrar que desde crianças necessitamos
de cuidados de pais que criam vínculos com elas e, mais tarde, desejamos
desempenhar papéis de cuidadores, o que implica crenças e desejos,
conhecimentos, atitudes e valores de cooperação.
Partiu-se de se pensar existir variabilidade no nível
cognitivo para diferentes domínios, logo, não possuirmos uma capacidade
cognitiva geral, em que se isolam factores como a atenção, a inferência
ou a memória, segundo o modelo de estudo inicial de processos básicos de
conhecimento ou da teoria de Piaget.
A teoria de Piaget é de domínio-geral, porque «o
pensamento duma criança, de uma dada idade, pode ser caracterizado em
termos dum nível cognitivo geral» (R. Gelman, in MIT Encyclopedia of
Cognitive Sciences, p. 128).
De acordo com certas teorias alternativas às teorias
de domínio-geral, nas teorias de especificidade de domínios, a estrutura
do conhecimento genérico (por esquemas) até é uma barreira poderosa à
nova aquisição de conhecimento num domínio científico.
As nossas teorias populares (folk theories) opõem-se
à compreensão mais complexa, avalizada por investigação empírica e
experimental.
Concebe-se igualmente que, a partir de distintas
áreas de conteúdo, existirão diferentes modos (estruturados) de
pensamento e mecanismos implicados na aquisição de conhecimento (Susan
Gelman, in MIT Encyclopedia of Cognitive Sciences, pp. 238-239).
As inferências ou ilações atrás propostas são,
portanto, reportadas a um saber ligado a teorias de especificidade de
domínios: módulos no cérebro (teorias modulares), teorias de peritos (expertise)[xxxii]
e teorias da mente, comuns, ingénuas e populares.
A teoria da mente é uma teoria que chega hoje a
rondar a meta-teoria: Saber o que os outros pensam?
Para as perspectivas da modularidade da mente, a
mente possui, para a maioria dos investigadores, de forma inata,
invariantes biologicamente determinados para sistemas separados, em
domínios específicos. Essa é a abordagem mais poderosa entre cientistas,
partindo de Chomsky (linguagem) e Fodor (processos perceptivos). Os
módulos são, também para a maioria dos seus defensores, observados
independentes. Foi formulada a conjectura de que, na neurociência,
outras perspectivas venham a ser colocadas por Elkhonon Goldberg e Louis
Costa – «sabedoria» é o reconhecimento de padrões/modelos. |
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Notas |
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[i] Para comprovar a sua
mini-teoria de que a criança adquiria o conceito de número, depois
dos 6-7 anos, Piaget colocava a criança frente a duas filas de
tentos (de jogo), mais ou menos afastadas. A criança enganava-se até
aos 6-7 anos. Declarava que a fila que era mais longa tinha mais
tentos. Esse é um erro de intuição perceptiva. Em 1968, o psicólogo
Jacques Mehler mostrou que aos 2 anos já não se engana com bombons e
escolhe o conjunto com maior número, mesmo sendo o mais curto. É a
emoção e a guloseima que fazem a diferença.
[ii]
Se o carácter não depende somente dessa consciência precoce, na
adolescência, sentir empatia veio a ser crucial em um amplo leque de
situações morais (Hoffman, 2000).
[iii]
Sem deixar de ser um estereótipo social, mesmo antes do conhecimento
do cérebro feminino (Brizendine, 2007), Carol Gilligan (1982)
mostrou que as mulheres terão avaliações «mais elevadas» do que
homens nas suas ligações/afinidades sociais, o que foca as
interacções e Lennon e Eisenberg (1987) reconheceram nelas empatia
«superior», para além de notáveis orientações de prestação de
cuidados (Feingold, 1994).
[iv]
A concepção de empatia foi primeiro utilizada por Carl Rogers (1951)
e muito difundida na Psicologia da Saúde (Arnold & Boggs, 2003),
defendido que a empatia genuína e a exactidão exigida na avaliação
da compreensão humana ultrapassa a reflexão pela palavra. Empatia e
aceitação incondicional positiva foram os componentes da
psicoterapia humanista que distinguiu o comportamento do valor
conferido à pessoa (a qualquer pessoa), antes mesmo de se saber que
uma criança com vinculação «pobre» aos pais (ou outros
significativos, cuidadores primários) teria dificuldade em
compreender como outros se sentem (Gabbard, 1990; Pollock et al.,
1990), por possível «limitação» da função parental (parenting), por
privação emocional, por abuso ou por comportamento inconsistente de
cuidadores (Patterson, 1986; Patterson et al., 1989).
[v]
Compaixão significa sofrimento (nas línguas derivadas do latim, ao
prefixo «com» e a raiz «passio»), mas em checo, em polaco, alemã ou
sueco, o substantivo utiliza um prefixo equivalente, associado a
«sentimento» (Kundera, 1983, trad. portuguesa, 1986, p. 29).
[vi]
Abertura liga-se à dilatação e ampliação, ao iniciar-se ou criar-se
algo. Podendo ser precedida de barreiras (auto)impostas, envolve
processos psíquicos e físicos coibidos ou reprimidos e a libertação
do fluxo de tensões e do movimento.
[vii]
Fechamento associa-se ao estreitamento. Fechar algo pode ser
terminar uma actividade. Nós abrimos «para cima» e fechamos «para
baixo».
[viii]
A palavra, mas também a emoção e a inteligência, a visão, a memória
ou a comunicação adquirem novos relevos nas redes neurais. Assim
sendo o cérebro pré-programado pela articulação natureza e cultura,
é observado por estudos IRM (imagem de ressonância magnética) para
domínios cerebrais menos difusos e que comportam
hiperespecialização, à semelhança do sistema reprodutivo, do sistema
respiratório, locomotor ou digestivo (Workman & Reader, 2007).
[ix]
A abordagem etológica na psicologia foi o estudo comparativo de
animais com seres humanos, mediante observação prolongada dos
primeiros, o que nem sempre é exequível em seres humanos, por
questões éticas.
[x]
Em Rogers, o auto-conceito define-se como um conjunto de crenças,
desejos, valores e atributos que definem a pessoa para si mesma.
[xi] O conceito de eterno
retorno associa-se a reversibilidade, a possibilidade de voltar
atrás. Mas o estado de uma árvore não é reversível. Nem o de uma
pessoa. No entanto, quando raciocinamos, estamos sempre a fazer
reversibilidades: Dizemos que é igual o estado antigo ao presente.
Contudo, a segunda tristeza nunca é igual à primeira. Com o passar
do tempo, adquirimos resiliência e, se a reversiblidade é um
conceito intelectual, não da natureza, ainda assim, ajuda-nos a
prever.
[xii] Em 1985, Monat &
Lazarus (1985; citado por A. Vaz-Serra, 1988, p. 303) defenderam que
o coping (confronto) "se refere aos esforços para lidar com as
situações de ameaça, desafio e dano, quando não está disponível uma
rotina ou uma resposta automática".
[xiii]
É fácil dar o exemplo do desafio cognitivo, em sentido oposto, entre
adultos. Em situações públicas de fechamento ao confronto exigido
por um debate, é comum registar-se perseveração emocional ou
corporal (estereotipias), entorpecimento da consciência e, no caso
extremo, perda de consciência. Fugindo ao desafio há sempre quem
diga «vamos falar somente disto!». A perseveração (do latim
perseverato, «manter-se firme») é um termo utilizado por Jung para a
obsessão da repetição, aderência e insistência em certas
representações.
[xiv]
«Perturbação» é um termo importante na teoria da auto-organização
dos seres vivos, mas também na teoria piagetiana. Significa tornar o
status quo instável e desequilibrado, quebrar a homeostasia,
produzir um sentido de unease. Perturbação é uma noção aproximada,
em consulta psicológica, do «confronto», o que significa apontar
discrepâncias ou incongruências no pensamento do cliente.
[xv]
Scaffold, traduzido por «andaime», aplicou-se à relação
adulto-criança como «andaimagem», ou seja, como o acto em que o
adulto coloca andaimes ou suportes à criança para aprender, sendo
apoiada ou subtilmente guiada pelo mais velho. O termo «andaimagem»
(scaffolding) (Wood, Bruner & Ross, 1976; citados S. Ellis & R. S.
Siegler, 1994, pp. 341-343) usa-se para descrever as actividades do
adulto no sentido de dar ao educando estabilidade para o poder
desafiar, cognitivamente, a aprender algo que sozinho seria muito
difícil. A andaimagem envolve o uso de estratégias específicas,
tendo-se desejada a participação, a manutenção do interesse e o
aumento da competência expressiva e dialógica da criança. Quando
envolvidos nessas situações, os adultos assumem, primeiro, a
responsabilidade das facetas mais difíceis das tarefas – por
exemplo, planificando-as para as circunscreverem, dividindo-as em
sub-etapas e monitorizando/observando a eficácia de diferentes
tácticas – enquanto são as crianças a realizar as partes das tarefas
que elas conseguem efectuar (Wertsch, 1978; citado por S. Ellis & R.
S. Siegel, 1994). À medida que elas demonstrem maior competência,
gradualmente, os adultos cedem-lhe o domínio das actividades até que
sejam elas a realizá-las de forma autónoma.
[xvi]
As preocupações exclusivas de adultos situam-se nos problemas
relacionais de poder (de controlo) e de busca de significados para a
vida.
[xvii]
De acordo com uma investigação para avaliar a ansiedade, Newcomb
(1989) argumentou que as crianças envolvidas no estudo não seriam
poupadas às consequências do poder nuclear então desenvolvido. Por
conseguinte, a ética dos adultos é acrescida de responsabilidade e
de sabedoria para reequilibrar o actual conhecimento e poder
científico-tecnológico, na medida em que este potencia perigos de
destruição.
[xviii] Essas teorias
explicativas das teorias informais na infância incluem, entre
outras, três perspectivas/teorias da mente, descritas por A. M.
Diniz (2004, pp. 87-95): (1) Teoria da Modularidade/Modulares de
Simon Baron-Cohen, Uta Frith e Alan M. Leslie; (2) Teoria da
Simulação de Paul Harris; e (3) Teoria da Teoria de Bartsch, Wellman
e Perner.
[xix]
A palavra «afirmação» deriva da palavra muito mais antiga que se
refere ao processo de animar ou fortalecer. Afirmar alguém não é
reforçar positivamente essa pessoa, na medida em que não se intente
lisonjear, entusiasticamente, seja o que for que a pessoa faça.
[xx] Intencionalidade [do
latim in e tendere (estender-se em direcção a)] é «a tendência dos
sistemas auto-organizados para serem capazes de antecipação – ou
seja, a tendência em integrarem memória e previsão em níveis
relativamente selectivos, em todos os níveis de actividade»
(Neimeyer & Mahoney, 1995, trad. bras. 1997, p. 337). Aproximo essa
concepção do indivíduo como projecto, um sujeito em movimento.
[xxi]
Vivemos em equilíbrio instável e, como veremos, os ciclos humanos de
estabilidade e de instabilidade são dissociados em diversos
domínios, o que pode exemplificar-se para partes do corpo e órgãos
corporais que sofrem processos metabólicos assíncronos,
interdependentes ou independentes.
[xxii]
Tendemos a manter a coerência cognitiva (estrutural), recorrendo à
resistência (positiva, logo, com conotação não freudiana), em
detrimento da busca da «verdade» (Rowlands, 2008, p. 16): somos
crédulos, crentes nas histórias que contamos a nós mesmos. Tanto
Ramón Núnez como Richard Gregory (sem data; cit. por E. Punset,
2008, p. 117) enfatizaram já, que o nosso cérebro busca o equilíbrio
(no que desejemos alcançar) e a sobrevivência, pelo que tende a
preencher espaços em branco no que não chegamos a saber.
[xxiii]
Ser elástico não é uma qualidade inata ou um modo de ser. É um
processo dependente dos desafios que se enfrentem, da etapa de
desenvolvimento em que esses desafios ocorram e do
temperamento/carácter.
[xxiv]
Em oposição ao que se segue, os adultos dão mais vezes sinais de
fechamento conceptual como, por exemplo, ao fazerem declarações
definitivas em resposta a outros adultos ou crianças, ao
manifestarem inabilidade em compreender perguntas abertas ou ao
formularem categorizações rígidas. O fechamento pode traduzir-se,
inclusive, em se afirmar não sair duma questão durante uma reunião:
«Vamos só falar disto!».
[xxv]
Os valores ordenam a experiência emocional para as dimensões
dicotómicas «bem-mal» ou «certo-errado». Os valores mais estudados
são sociais e humanos, políticos, éticos, económicos e estéticos.
[xxvi] As concepções de
«eu» servem para nos diferenciarmos dos outros e comungarmos com
eles – dinâmicas em duas direcções do eu-tu e do mim-você. Uma
questão central é a necessidade de nos sentirmos consistentes.
[xxvii] As concepções de
realidade trazem uma ordem perceptiva ou experiencial em si mesmas
e, nesse sentido, conduzem a um padrão/tema na experiência, a um ou
vários significados associados e à realidade experienciada.
[xxviii] As concepções de
poder (de controlo) organizam as actividades das pessoas em estilos
que reflectem as suas experiências relembradas ou antecipadas por
esquemas de energia, força, poder, mutualidade ou reciprocidade.
[xxix]
Livro entendido por Ítalo Calvino como «O insuportável peso do
viver», aludindo à sua interpretação.
[xxx] Piaget viu a
criatividade como imitação diferida – «imitação de modelos não
fisicamente presentes no momento da primeira reprodução», o que se
observa já entre os 18-24 meses no bebé que inventa novos meios
através de combinações mentais (Phillips, 1968, trad. port. sem
data, p. 81).
[xxxi] Pena é sanção
jurídica por violação da lei. A ideia de pena reporta-se ao castigo
infringido pelo não cumprimento da regra, explicitada no Direito
Legal. A expressão portuguesa e espanhola «valer a pena» para algo
compensador indica que isso nos merece trabalho ou sacrifício.
[xxxii]
Para as perspectivas das teorias «que exigem qualidades de
especialistas», a mente alcança mecanismos de mudança
desenvolvimental, que são associados a competências de processamento
de informação.
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Judite M. Zamith-Cruz
Professora auxiliar do
Instituto de Educação - Universidade do Minho, Braga - Portugal, com
licenciatura em psicologia clínica, mestre em educação - área de
psicologia, mestre em filosofia - especialidade em ciências cognitivas,
doutorada em psicologia. As áreas de interesse são o desenvolvimento
cognitivo e emocional-social, comum e excepcional, e a aprendizagem,
considerados indivíduos, contextos e culturas. Tem implementado
estratégias psicológicas com implicações na educação sexual e, mais
globalmente, na motivação e sucesso educativo, no domínio do pensamento
crítico e criativo, sobredotação/ talento. |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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