No
século XIX, o matemático alemão Richard Dedekind observou que o
tratamento geométrico dos números reais (racionais e irracionais) partia
do pressuposto de que a recta é contínua, isto é, sem lacunas.
Afirmou explicitamente que a continuidade da recta se tratava tão só de
uma suposição.
Dedekind pretendeu dispensar a geometria dos fundamentos da aritmética.
Daí que o seu programa de investigação tenha recebido o nome de
aritmetização da análise.
Dedekind começou por notar que cada ponto da recta a cinde em duas
partes disjuntas, uma à esquerda e outra à direita.
Chamou corte na recta real ao par de subconjuntos (A,B) de pontos da
recta que verificam:
1) A e B
não têm pontos em comum;
2) se x é
um ponto de A e y é um ponto de B, então x está à esquerda de y;
3) se x
é um ponto de A, y é um ponto de B, e se z está entre x e y, então z é
um ponto de A ou z é um ponto de B.
Inspirando-se na representação dos números reais por pontos da recta, os
seus afixos, Dedekind pretendeu definir número real sem, no entanto,
recorrer à recta.
Começou por definir corte (A,B) nos números racionais, como sendo uma
partição do conjunto Q de todos os números racionais em dois
subconjuntos de Q, A e B, tais que:
- se
x pertence a A e se y pertence a B, então x<y.
Nota:
A e B são disjuntos pela própria definição de partição.
Continuou pela verificação de que estes cortes (A,B) em Q podem
revestir duas formas:
a) A tem
máximo e B não tem mínimo;
b) A não
tem máximo e B não tem mínimo.
Prova-se facilmente, atendendo à definição de máximo e de mínimo, que
não pode acontecer A ter máximo e B ter mínimo.
Pelo
contrário, poderiam ocorrer cortes (A, B) em Q, tais que A não tivesse
máximo e que B tivesse mínimo, mas seriam supérfluos para o objectivo de
Dedekind: os números racionais definidos por a) viriam em repetição.
Exemplo de corte (A,B) de Q do tipo a): A é o conjunto dos números
racionais x tais que x<2 ou x=2, B é o conjunto dos números racionais
>2.
Exemplo de corte (A,B) de Q do tipo b): A é o conjunto dos números
racionais cujo quadrado é inferior a 2 enquanto B é o conjunto dos
números racionais cujo quadrado é superior a 2.
Recorde que o quadrado de um número racional é diferente de 2, conforme
muito bem viram os pitagóricos.
Dedekind chamou a todos os cortes de Q do tipo a), cortes racionais; e a
todos os cortes de Q do tipo b), cortes irracionais.
Intuitivamente, os cortes (A,B) de Q visualizados na recta real,
correspondem aos cortes provocados na recta real pelo afixo de um número
racional, que é o máximo de A. Para o outro tipo de cortes, os de tipo
b), o ponto existe, mas o número racional, não.
Dedekind construiu, pois, os números reais unicamente a partir da
existência e propriedades dos números racionais.
Para
dar aos seus cortes uma definição coerente, definiu também propriedades
operatórias e relações de ordem, que fossem generalizações das
propriedades e relações de Q, e que, por outro lado, «confirmassem» as
propriedades pretendidas e muito utilizadas dos números irracionais.
Richard Dedekind nasceu a 6 de Outubro de 1831 em Brunswick e faleceu em
12 de Fevereiro de 1916.
Entre
os seus mestres, conta-se Moritz A. Stern, que chamava a atenção para os
fundamentos da Matemática junto dos seus alunos. Advogava, contudo, que
esta questão seria do foro da Filosofia.
Dedekind, pelo contrário, iniciou o estudo dos fundamentos da
Matemática, ao procurar uma prova, sem recurso à intuição, do teorema:
«toda a sucessão limitada e crescente tem limite finito». |